* Por Carlos Lima Costa
O ator Kiko Mascarenhas vem marcando sua trajetória na televisão com personagens cômicos, como Tavares, do seriado Tapas & Beijos, e Galeão Cumbica, na Escolinha do Professor Raimundo. Atualmente, ele é um dos destaques da novela Cara & Coragem, interpretando o malandro Duarte, que passa-se pelo milionário americano Bob Wright. E busca no teatro, onde vem se produzindo, personagens de outros gêneros, como Todas As Coisas Maravilhosas, a mais recente, sobre depressão e suicídio. E, no Istagram, se posiciona abordando, por exemplo, o preconceito contra a comunidade LGBTQIA+. Em tempos de polarização política, de ânimos acirrados, muito se cobra de artistas, devido à visibilidade e número de seguidores nas redes sociais, um posicionamento em diferentes causas. Mas para o ator essa postura não deve ser obrigação.
“A partir do momento que você abraça uma, duas ou três causas, existe uma cobrança para que faça o mesmo em relação a outras. É impressionante. Por exemplo, você está lá defendendo o fim do racismo, então, alguém diz: ‘Mas você não vai falar de LGBTQIA+?’. Aí você defende e te cobram para falar de outro causa. Como artista, você está sempre devendo algo, como se a gente fosse porta voz pra sociedade e não é bem assim. Todos tem que se manifestar. Eu não acho que isso seja um dever ou um papel do ator. Mesmo inconsciente, o ator, o tempo inteiro, através do trabalho, está sendo político”, ressalta.
E faz um questionamento: “Se você olhar o perfil dessas pessoas que geralmente cobram essa postura da gente, elas mesmas só postam os passeios, um bolo. Enquanto você está ali dando a sua cara. Isso é curioso. Às vezes, quando dá para ter diálogo, eu troco ideia com quem está me atacando. E pergunto porque essa pessoa não está também se manifestando na rede dela. É importante. Tenho não sei quantos seguidores. Obviamente, isso me faz ter mais voz, mas não significa que eu vá atingir mais pessoas. Às vezes, você tem 200 seguidores, se coloca bem e consegue atingir essas pessoas que te seguem”, ressalta ele, que adora fazer comédia.
“Na verdade, é na atuação que eu me encontro e tenho prazer. Mas o humor dá uma recompensa imediata, que é ouvir a gargalhada da plateia, ou na TV, a da equipe, nosso primeiro público. Mas busco outros registros, além do humor, porque faz parte do exercício do ator. Tenho que me exercitar em outros lugares”, explica.
Parceria de sucesso com Jeniffer Nascimento na TV
É mais no teatro que isso acontece como em O Camareiro, produzido por ele, onde teve como companheiro de cena Tarcísio Meira (1935-2021). “Talvez, por eu ter alguma facilidade, sempre me foram oferecidos papéis de humor, inclusive no teatro. Comecei a me produzir justamente para experimentar outro território que não me era ofertado. Então, no teatro, procuro temas relevantes quando me produzo, peças que dialogam com o nosso tempo. Não fogem exatamente do humor, até porque acho que ele está presente em tudo. Por exemplo, antes da novela ele vinha encenando o monólogo Todas As Coisas Maravilhosas, que fala sobre depressão e suicídio. Apesar de ser tema difícil, é tratado com humor. Agora, na televisão, acho que me veem como um ator comediante. Mas isso é ótimo, pois me divirto fazendo comédia”, reflete ele, que vive momento feliz na parceria com a atriz Jeniffer Nascimento, na trama das 19 horas.
“Como amiga, o tempo inteiro, a personagem dela o alerta e acaba como cúmplice desse cara que no fim das contas é um grande malandro. Não imaginava o tamanho do Bob Wright dentro dessa trama e vem crescendo visivelmente. Duarte e Jéssica são superqueridos. Quando estou fazendo o Bob, sempre tento mostrar um pouco do Duarte, algum traço, e vice versa. Acho que ele vai entrar para o meu rol de personagens mais queridos pelo público”, aponta.
Cara e Coragem marca o primeiro encontro artístico dos dois. “Eu já tinha visto a Jeniffer trabalhando em Malhação, dançando e cantando. É um talento. Fiquei bem feliz quando soube que ela ia ser a minha parceira de cena. Não nos conhecíamos pessoalmente, mas tivemos química imediata. Os dois estavam muito a fim que essa dupla funcionasse. Ela sempre traz novidades para as cenas e acata também as minhas ideias malucas. Acho ótimo. É muito bom contracenar com ela, pessoa muito querida por todos”, explica Kiko, que em 2024, vai festejar 30 anos de televisão, desde que estreou com a novela A Viagem, em 1994. Antes disso, ano que vem, vai completar 40 anos de carreira no teatro. “Tem que comemorar!” Isso vai acontecer no palco. Ele planeja retornar com o monólogo Todas As Coisas Maravilhosas por volta de março/abril, e estrear outro espetáculo no segundo semestre. Indagado, se ele e Jeniffer poderiam repetir a parceria da TV no teatro, ele considera uma boa ideia. “Seria incrível, porque ela é talentosa.”
Kiko produz teatro mesmo sem apoio e crê na melhora desse cenário com a recente derrubada dos vetos das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc. “Dos quatro espetáculos que a minha empresa produziu nos últimos tempos, três foram sem nenhum tipo de patrocínio. Usei recursos próprios. E não consegui me ressarcir desse investimento. Então, o teatro precisa realmente de todo tipo de incentivo do governo. A derrubada desses vetos, essas leis, são importantes para que o teatro continue. Nunca foi fácil, mas durante esse governo e com a pandemia não teve nenhuma política que protegesse a classe artística. O importante agora, é fazer com que esses recursos sejam melhor distribuídos. O dinheiro ficava muito concentrado entre Rio e São Paulo, algumas capitais. A verba acabava não se estendendo ao Brasil, que é imenso, tem produções culturais acontecendo em todo país. Então, minha torcida é para que essas leis contemplem o máximo de grupos e artistas sem condições de produzir do próprio bolso”, torce.
E faz uma ressalva. “Quem tem condições de produzir, entenda que é importante fazer esse investimento. Por mais que não retorne financeiramente, é uma aposta. Teatro é negócio. É difícil falar sobre isso, porque são muitas esferas pra gente discutir. Às vezes, o retorno não vem financeiramente da forma que esperamos. Mas aquela peça é uma grande vitrine pra você, te leva para outro trabalho que vai te gerar lucro, trazer o dinheiro que você havia investido. É importante lembrar disso. O teatro é um negócio e como tal, ninguém abre um dia e dois meses depois recupera o investimento. Por exemplo, para recuperar o que eu coloquei no monólogo, tenho que montá-lo durante alguns anos. Não posso fazer temporada de dois meses e encerrar. E é importante pensar nessa cadeia de trabalho. O produtor pode produzir três, quatro peças em um ano. Se ele planeja dois meses de peça no Rio, e dois em São Paulo, em quatro meses o ator vai estar desempregado, tem que começar tudo de novo. Então, é uma batalha difícil realmente”, observa.
Defesa de causas relevantes no teatro e no Instagram
Além do teatro, onde seu mais recente espetáculo jogou luz nos temas da depressão e do suicídio, Kiko aborda temas relevantes também no Instagram. Recentemente falou sobre a derrubada dos vetos das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc e sobre a questão LGBTQIA+. Sobre este último, ele analisa como vê em pleno 2022, as conquistas e as maiores dificuldades. Vale lembrar, que em junho, Mês do Orgulho Gay, na 26ª Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, cerca de quatro milhões de pessoas foram as ruas da capital do Estado. “Estamos em um país que tem se mostrado muito intolerante, que está no primeiro lugar na questão das mortes de pessoas LGBTQIA+. Isso é sabido mundialmente. Isso, independentemente desse governo que é explicitamente contra a pluralidade. Temos visto nas redes, o aumento da violência, da agressividade contra essa comunidade. Mas existe também a resposta de outra fatia da sociedade que começa a entender e apoiar. É uma luta contra a intolerância. Enquanto ela existir, vamos ter que continuar lutando”, ressalta.
Assumir publicamente sua sexualidade é um ato de coragem. Sempre foi, mas não se paga o preço de antigamente – Kiko Mascarenhas
Atualmente, é cada vez maior o número de artistas que assumem a orientação sexual. O que não ocorria nos anos de ouro de Hollywood. Havia o receio de ter a carreira prejudicada. “Não consigo dizer se isso atualmente atrapalha. Agora, acho que esse medo diminuiu. Fica claro para o espectador que ali é um ator. A questão de assumir a sexualidade, seja ela qual for, só diz respeito a você mesmo e não ao público em geral. Assumir publicamente é um ato de coragem. Sempre foi, mas não se paga o preço de antigamente. Não consigo imaginar que se sofra retaliação por se assumir gay, lésbica, trans ou seja o que for”, acredita. Você já sofreu algum preconceito por isso? “Que eu lembre não. Se sofri, não sei, até porque acho que me defendo bem de qualquer ataque. Mas tem gente que ainda não consegue lidar bem com isso”, observa Kiko, que comenta a expectativa em relação a eleição presidencial, em outubro.
“A minha expectativa é que esse governo caia. É impossível continuar. Não falo isso como artista defendendo a minha categoria extremamente prejudicada por ele. Eu falo isso para que o Brasil avance e não continue andando para trás. Existe um pensamento retrógado, uma filosofia cristã. É estranho pensar nisso. De repente o país começa a adotar normas, leis relativas a religião e não a política ou ao bem estar do cidadão, a diversidade. É como se todo mundo tivesse que seguir o mesmo livro. Não concordo com isso. Espero mudanças. Democracia tem a ver com pluralidade, respeitar as diferenças”, aponta.
Deixamos de ser o povo do samba, do futebol, da alegria. Viramos um povo odioso, que não esconde o seu preconceito – Kiko Mascarenhas
E acrescenta: “Um homem que fala de Deus e armas não faz o menor sentido. Vivemos um momento onde a política se misturou com a religião num grau que é muito perigoso, porque invalida qualquer outro discurso. Se você não for um cristão e não seguir a Bíblia como se fosse um manual de sobrevivência, você é um herege, é tudo de ruim. Isso me causa um estranhamento de como chegamos nesse ponto”, lamenta.
Kiko aguarda o lançamento do filme Malês. “Fiz uma participação pequena, mas tive o prazer de contracenar com o Antonio Pitanga, que maravilha”, vibra. O filme aborda a Revolta dos Malês, rebelião de escravos que aconteceu no ano de 1835, em Salvador. Ainda hoje o racismo está presente na sociedade como outros preconceitos. Qualquer vida é complicada para dar conta de tudo. O que leva as pessoas a terem tantos preconceitos, a se incomodar com que o outro faz ou como é? “Eu sou da filosofia ‘Viva e Deixe Viver’. A intolerância é tentativa burra de homogeneizar uma sociedade, fazer com que todos vivam da mesma forma, sigam um padrão. E esse padrão, já foi provado, não existe. Agora, a intolerância sempre existiu, mas acontecia de outra maneira. O legado desse governo atual é ter revelado para o Brasil quem é o brasileiro. A gente ainda está muito em choque, assustado, vendo a fatia da população que resolveu comprar arma, se inscrever em clube de tiro. Era algo impensável em outro momento. Então, esse governo incentivou de alguma forma esse lado mais perverso, mesquinho. É revelador que a gente esteja chegando no final desse governo, se Deus quiser vai ser mesmo, começando a entender quem somos nós. Deixamos de ser o povo do samba, do futebol, da alegria. Viramos um povo odioso, que não esconde o seu preconceito. Mas a gente não morreu ainda, tem muita luta pela frente”, finaliza.
Artigos relacionados