Juliette Binoche mergulha no cerne da cultura brasileira: ‘Artes fazem a saúde mental, espiritual e social de um país’


A convite de Jean Thomas Bernardini para ser madrinha da festa dos 30 anos da distribuidora Imovision, a atriz francesa passou três dias no país e conheceu desde museus até escolas de samba


*Por Thaissa Barzellai

Para o bem do Brasil e do mundo, a atriz Juliette Binoche, no auge dos seus 55 anos, é a francesa menos francesa dentre as companheiras conterrâneas de profissão. É assim que ela se define, afinal, como ela diz, é partidária da troca. “Trabalhei com muitos autores estrangeiros e esses laços entre os países são de grande importância e fazem todo sentido”. Nos três dias de passagem pelo Rio de Janeiro a convite da distribuidora brasileira independente Imovision, responsável pelo lançamento e intercâmbio da cinematografia do país, Juliette Binoche mostrou sua pura simpatia e a força das reflexões oriundas de uma vasta experiência de vida e da presença de peito aberto no que carrega a identidade do Brasil, como as rodas de capoeira que participou em Niterói e de samba, no ensaio da Mangueira.

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Na presença de grandes nomes da cinematografia brasileira, como as atrizes Bárbara Paz, Patrícia Pillar, Letícia Sabatella e Hermilla Guedes, além do amigo e diretor Walter Salles, Juliette subiu ao palco da Reserva Cultural, em Niterói, como madrinha da celebração das três décadas de fomento ao cinema independente proporcionado pelo trabalho da distribuidora. Acompanhada pelo som dos aplausos incansáveis, a atriz francesa parecia estar se sentindo em casa: falou o que sentia e o que devia, sem pestanejar por estar pela primeira vez na cidade. Muito pelo contrário: se posicionou tal qual uma atenta brasileira, estreitando aqueles laços que tanto representam o seu posicionamento público, à frente e atrás das telonas.

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À frente de discussões como o papel do cinema e os direitos das mulheres e minorias, Juliette mostrou estar compadecida com a atual situação sociopolítica e cultural do país golpeada com cortes e censuras a cada momento, colocando a arte na posição de coração do mundo. “Todas as artes fazem a saúde mental, espiritual e social de um país. Queria ainda ressaltar a importância da resistência, das novas visões, para a humanidade. Afinal, é isto que a faz avançar. Tenho muita sorte por estar trabalhando na França, mas lá também lutamos muito. Vocês devem ir às ruas”, comentou. É raro quando acontece, mas a atriz é daquelas pessoas que seguem o próprio conselho. Em sua terra natal, Juliette caminha ao lado dos chamados Coletes Amarelos, grupo de manifestantes que luta por direitos básicos sociopolíticos e ambientais; já esteve ao lado do ativista Thomas Brail em prol das causas climáticas; e em diversas oportunidades já emprestou a sua plataforma para declarações feministas e contra a xenofobia sofrida por refugiados.

Suas convicções também são conduzidas para as grandes telas e refletem em um vasto currículo de trabalhos que as representam de forma complexa e diferentes entre si, criando uma originalidade sob a arte de Binoche que busca se desafiar a cada personagem que se permite viver. “A Liberdade É Azul”, do polonês Krzysztof Kieslowski é o mais comentado desde a grande repercussão que teve nos anos 90. “Chocolate”, do sueco Lasse Hallström e com o qual foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz. “Cópia Certificada”, do iraniano Abbas Kiarostami. “O Paciente Inglês”, do londrino Anthony Minghella e que fez com que levasse o prêmio de Melhor Atriz em Cannes. Essas são só algumas obras da extensa lista que contempla os mais de 30 anos de carreira de Juliette Binoche. Poderíamos passar dias e dias destrinchando uma a uma, entendendo a amplitude de cada história contada, as escolhas dos diretores de diferentes nacionalidades, as representatividades femininas para além da caixa de pandora e assim por diante.

É exatamente esse leque multicultural que faz da francesa uma das maiores atrizes e personalidades das últimas décadas do cinema e, portanto, a escolha perfeita para ter personificado os 30 anos de uma empresa que investe em um mesmo olhar que o dela: o da arte diversificada. “Nós somos a distribuidora que mais trouxe nomes para o país (Catherine Deneuve e Frances Coppola já estiveram em eventos da Imovision), e dessa vez a gente não queria fazer uma super-estreia de filme. Queríamos uma pessoa emblemática que pudesse realmente festejar com todo mundo. Juliette é um ícone, ela é francesa, mas, ao mesmo tempo, é internacionalíssima. Corresponde a alguém que pode mostrar, principalmente quando fazemos 30 anos, que é possível unir a arte e o comercial, o cinéfilo e o público geral. Ela representa o presente que gostaríamos de ser”, comenta o fundador da distribuidora Jean Thomas Bernardini, que convidou a atriz por sete anos seguidos até obter o tão esperado ‘sim’ nesse evento que contou com uma inédita exibição do clássico “A Liberdade é Azul” totalmente remasterizada em 4K.

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É possível que a própria Juliette não tenha noção da dimensão da sua persona, do que significou para os brasileiros entusiastas da arte em geral tê-la aqui de braços abertos pelo país, pelo povo e sua história. Talvez ser a francesa menos francesa de todas tenha sido uma consequência da infância que teve ao lado da mãe feminista, que a levava para marchas nas ruas. Talvez, tenha sido algo natural do seu destino – já que seu sangue é mestiço e carrega a história de antepassados negros e brasileiros que ficaram no país após o seu tatatataravô se relacionar com uma escrava. Ou talvez não tenha sido por nada. E tudo bem. O fato é que Juliette Binoche esteve no Brasil pela primeira vez e nos três dias que passou aqui suas escolhas, falas sobre escravidão, cinema, feminismo e política – grandiosas demais para caberem em uma única reportagem -, e presença foram um rápido respiro mental, cultural e emocional que tanto se fazia ausente, encantando muitos admiradores.

“Ela é uma atriz extraordinária. Tenho muita admiração não só pelo trabalho dela, mas pela maneira de ser, pelas escolhas que ela faz. É uma pessoa que admiro muito, simplesmente muito gentil e simpática”, declara a atriz Patrícia Pillar, que teve a chance de bater um papo com Binoche em um pequeno bistrô de Niterói antes da cerimônia da Imovison.

Ainda bem que ela volta. Para 2020 há conversas sobre um possível projeto inspirado em uma das peças do escritor americano Tennessee Williams, “Camino Real”, com o ator Ethan Hawkee, com quem dividiu cenas no longa-metragem “A Verdade” ao lado também de Catherine Deneuve, para ser filmado em terras cariocas. Quem sabe ano que vem, ela não percebe que nasceu para ser brasileira – afinal, não é toda francesa que cai no samba, toca tamborim e joga capoeira pela primeira vez com uma sensibilidade de maestra.