Gabriel Sanches fala sobre a importância de fazer uma Drag Queen na novela ‘Pega Pega’ e as dificuldades de viver dessa arte no país


O ator atua como drag nos palcos há três anos e foi convidado para a novela por causa de sua larga experiência. Em uma de suas apresentações, ele foi assediado: “O rapaz colocou a mão no peito do meu amigo e no meu sexo”, conta

Rúbia é uma Drag Queen espevitada, amiga, engraçada e muito autêntica que se apresenta em uma boate de Copacabana. Quando não está vestida de mulher, Flávio faz trabalhos voluntários. A personagem da nova novela das 7, Pega Pega, é interpretada por Gabriel Sanches. O ator promete muito mistério envolvendo esta mulher e comemora o papel que vai dar o que falar na trama. “A Rúbia tem um envolvimento com o Douglas, o gerente do Carioca Palace, que é interpretado por Guilherme Weber. Ao mesmo tempo, o funcionário é um dos sócios da boate onde ela trabalha. A personagem de Camila Queiroz vai começar a passar muito tempo naquele espaço, também, e ambas vão se tornar muito amigas, chegando ao ponto de apresentar o Flávio para ela. Queremos mostrar a realidade”, conta o ator. Além dele, existem três outras drags na trama que trabalham na boate e, durante o dia, em bancos, por exemplo.

Gabriel Sanches comemora o papel na novela (Foto: Divulgação)

O ator comemora o papel, mas, principalmente, o tema que aborda. A novela vai trazer uma normalidade para esta ideologia de gênero que recebe muito preconceito até hoje.  Para Gabriel, debater sobre estas questões ajuda a desmistificar os preconceitos da sociedade. “ A questão de gênero já chegou à novela das 9 e, agora, com o meu personagem chegou à das 7. Isso é importante porque é a grande mídia no programa de maior audiência da Globo. A forma que estamos abordando é fundamental, também, porque estamos trazendo um lado divertido e descontraído. Em breve, por exemplo, irá rolar um namoro com um personagem e, quando este descobrir que sou um homem, ele fica impressionado como foi enganado, mas não fica ‘traumatizado’. Leva a situação para um caminho de respeito e igualdade”, comenta o ator sobre futuros acontecimentos da trama. Infelizmente, não pode especificar o personagem que iria se relacionar.

O ator não precisou dedicar muito tempo à pesquisa de seu personagem, porque o mesmo já possui um grande conhecimento da área. Há três anos, Gabriel começou a produzir peças e shows que falavam sobre o universo dos drags. “Me chamaram para a novela por causa da experiencia que já tenho com o universo. Mal ou bem, já tinha um conhecimento muito grande e não precisei fazer uma pesquisa tão aprofundada sobre a identidade sexual do meu personagem. No entanto, para fazer a Rubia, construí uma pessoa do zero, porque ela possui uma história completamente diferente da drag que criei. Só consegui assimilar a personagem no dia que me vesti pela primeira vez”, relembra.

O ator não precisou estudar muito para fazer o personagem porque já havia feito uma drag antes(Foto: Divulgação)

O convite surgiu por causa do sucesso de sua atuação como Sara Lola, uma drag que saiu de dentro dele. O ator conta que sempre quis falar sobre o tema e expor o que pensa sobre isso. “Nunca me identifiquei com uma sociedade que polarizasse os gêneros entre homem e mulher. Eu gostava de coisas de menina e menino e não via problema nisso. Mais tarde, o machismo acabou me obrigando a me encaixar dentro dos estereótipos pré-determinados. Em 2010, tive um sonho onde me vestia de uma mulher chamada Sara para uma marca de roupas e, desde então, fiquei com o nome na cabeça. Quatro anos depois, fiquei amigo de uma estilista e, junto com Alessandro Brandão, fiz uma campanha para ela. Desde então surgiu a dupla Sara e Nina”, explica o artista que inseriu o nome Lola depois do personagem que fez no filme ‘Berenice Procura’, que vai entrar em cartaz ainda este ano.

“A ideia deste projeto é usar o trabalho artístico com um envolvimento social e político”, afirma o ator (Foto: Nelson Faria)

Desde então, Alessandro vive Nina ao lado do Gabriel em várias peças. Em setembro, vão estrear com o espetáculo ‘Minhas Mulheres Tristes’ que conta um pouco desse universo das drags. O mesmo já participou de festivais brasileiros. Enquanto isso, ambos continuam apresentando shows no Buraco da Lacraia e na rua, o chamado ‘Sara e Nina na Calçada’. “A ideia deste projeto é usar o trabalho artístico com um envolvimento social e político, para transformar esse meio em que vivemos. Quero abrir mais espaço e possibilidades para as pessoas que estão sofrendo com o preconceito e repensar o lugar da travesti e da transexual. Ano passado houve uma pesquisa que dizia que a maioria dos trans trabalham com a prostituição. Falta oportunidade de trabalho para essas pessoas. Visamos sair dos grandes teatros para dialogar com a população que não tem acesso”, explica o ator que encenará a peça em Nova Iguaçu, no Sérgio Porto e no Olho da Rua, sem data definida ainda.

O ator já sofreu viveu o preconceito na pele (Foto: Nelson Faria)

Gabriel pode falar com propriedade sobre o preconceito que uma Drag sofre. Depois de fazer um show na Lapa, ele e seu companheiro de elenco, Alessandro, foram assediados por diversos homens. Uma memória que só mostrou ao mesmo o que este grupo passa todos os dias. “Uma vez saímos do Buraco da Lacraia, depois de uma apresentação, e resolvemos pegar um táxi para ir embora. Eram três horas da manhã e a Lapa estava lotada por ser véspera de carnaval. Vários homens nos assediaram, mas em nenhum momento demos abertura. Explicamos para eles que estávamos saindo do trabalho. Mesmo assim, nos cantaram e recebemos convites para ir para casa deles. O último não ficou satisfeito com o não e chegou a colocar a mão no peito do meu amigo e no meu sexo. Ficamos assustados e batemos na mão dele, explicando que havia passado dos limites. A sorte foi que o táxi chegou na hora em que isto aconteceu. Nos sentimos em uma situação em que o homem se sentiu dono do nosso corpo. Por isso, o nosso trabalho é bem sério. Representamos a luta contra esse abuso”, lamenta o ator. O episódio o mostrou que está no caminho certo.

Apesar de ter sofrido este assédio, o ator não deixou de lutar pelo o que acredita. Este ano, Sara e Nina se apresentaram no Congresso Nacional na época da semana de votação da reforma trabalhista. “O evento teve uma repercussão muito grande. Nosso objetivo era mostrar ao governo que faltam políticas, de todos os aspectos, para acolher os grupos LGBT. Na verdade, elas não existem. As pessoas estão condenadas a serem marginalizadas. A gente tentou mostrar essa necessidade através da arte, porque esta costuma sensibilizar o público”, critica o ator que não sente nenhuma assistência do Estado ao grupo.

Gabriel Sanches acredita que seu papel como Sara é uma forma de luta (Foto: Nelson Faria)

A falta de ajuda à comunidade LGBT fez com que o ator resolvesse colocar a mão na massa e, ele mesmo, contribui para ajudar a galera. “Sempre ajudei com casas que acolhem os travestis, convivi com várias drags. Gosto de me envolver com trabalhos como o do Buraco da Lacraia que traz uma concepção diferente e engajada de arte”, informa. O envolvimento com estes projetos começou muito cedo e foi uma fonte de pesquisa para Gabriel criar a Sara. Sempre em frente.