Desde 2000, o ator franco-argentino Jean Pierre Noher vem trilhando um caminho de ascensão na dramaturgia brasileira, com trabalhos de sucesso tanto na TV quanto no cinema. Antes mesmo de começar a atuar em produções nacionais, ele já teve seu início com o pé direito na nossa indústria do audiovisual: ganhando o Kikito, no Festival de Gramado de 2000, por seu desempenho em “Um amor de Borges”, filme argentino dirigido por Javier Torre. Hoje, Jean Pierre está no ar no horário nobre da Globo, como Pierre Barot, o dono da marca responsável por dar uma reviravolta na vida de Regina (Camila Pitanga) em “Babilônia”. Em entrevista ao site HT, Jean comenta a ponte-aérea Brasil-Argentina, a reação exagerada do público aos temas abordados no início da novela, as particularidades do nosso atual momento político e muito mais. Vem com a gente!
Mesmo 15 anos depois de ter iniciado sua relação profissional com o Brasil, Jean Pierre ainda tem residência na Argentina, mas o Rio de Janeiro é sua segunda casa, onde costuma gravar participações em novelas. E, olha, não sou poucas: o ator começou na teledramaturgia com “A Favorita” e, desde então, já incluiu no currículo títulos como “Avenida Brasil” (2012), “Flor do Caribe” (2013), “O Rebu” (2014) e “Sete Vidas” (2015), só para citar algumas. Há também o fato de que ele é o primeiro franco-argentino a atuar no horário nobre da Globo. “Como diriam, sou um franco-argentino pioneiro que conseguiu arrumar trabalho por aqui”, conta, rindo. Os longa-metragens também impressionam: dos cultuados “Diários de Motocicleta” (dirigido por Walter Salles, em 2004) e “Estômago” (de Marcos Jorge, em 2007), aos sucessos comerciais de “Chico Xavier” (de Daniel Filho, em 2010) a “O homem do futuro” (de Cláudio Torres, 2011), Jean parece ter escolhido a dedo os projetos dos quais participava.
Durante a conversa, Jean Pierre conta que aprecia a cultura brasileira desde criança, já que cresceu ouvindo mestres da MPB como Tom Jobim, Chico Buarque e Caetano Veloso, além de ter um profundo respeito pelos talentos do nosso audiovisual, comentando ainda sobre o carinho com que foi recebido no set de “Babilônia”, assim como a maneira com que Fernanda Montenegro o indicou para Walter Salles. Essas e outras histórias, você confere abaixo:
HT: Como e quando você começou a carreira de ator no Brasil?
JPN: Tudo começou em 2000, quando ganhei o Kikito no [Festival de] Gramado, por “Um amor de Borges”, que foi premiado em vários outros festivais. Meu primeiro filme, aqui, foi “Redentor”, lançado em 2004 e dirigido pelo Claudio Torres. Eu, então, comecei a trabalhar muito no cinema brasileiro e a Globo me chamou para “A Favorita”. Participei de quatro novelas das 21h, e oito filmes no Brasil. E trabalho muito na Argentina também. Tudo com muita sorte.
HT: Com tanto trabalho por aqui, nunca pensou em se mudar de vez para o Brasil?
JPN: Tenho minha família na Argentina, mas, nos últimos anos, já passo muito tempo por aqui. Quando gravei “Flor do Caribe” ou até “A Favorita” foi um período de quase um ano no Brasil. Mas, eu gosto, e acho que isso tem a ver com a simpatia que sempre senti pelo Brasil e pelo português – apesar de o meu ser ruim, mas ainda dá para trabalhar. Já sou um cidadão brasileiro com CPF e tudo o que você precisa para trabalhar aqui. Mas gosto de morar em dois lugares, acho que meu coração vai ser sempre assim. Adoro o Brasil, mas quando o assunto é futebol eu torço pelo time da Argentina (risos). Mas sou muito fã da MPB, tenho muitos amigos músicos e me lembro de ouvir Tom Jobim, Chico e Caetano com os meus pais.
HT: E o português não atrapalha na hora de conseguir um papel?
JPN: Eu sempre vou fazer um personagem estrangeiro com sotaque, também não pretendo que me peçam para interpretar um brasileiro ou um carioca – mesmo que eu já me sinta um pouco carioca, porque gosto muito do Rio de Janeiro.
HT: Como sua relação com o Brasil evoluiu ao longo desses anos?
JPN: Eu tenho muita sorte, porque consigo viajar bastante pelo país. E o Brasil não é só o Rio de Janeiro, né? Já fui para a Amazônia, Manaus, Tiradentes (onde filmei “Chico Xavier”), Porto Alegre, Natal (passamos muito tempo lá para fazer “Flor do Caribe”) e, obviamente, São Paulo. Eu conheci muito o país nesses anos e sou muito interessado pela cultura, pela política e pela diversidade daqui. Eu ainda tenho muito para aprender sobre essa cultura, por sinal. Quanto mais você conhece, mais percebe a imensidão do que há para descobrir ainda. Mas sou muito curioso e estou sempre pesquisando.
HT: Você entrou em “Babilônia” já na reta final da novela, mas, provavelmente, soube das críticas que a história recebeu por parte do público. Como você avalia isso e como essa questão é tratada na Argentina?
JPN: Não acompanhei a situação, mas fiquei sabendo sim. Eu não sei o motivo pelo qual, mas na Argentina é ridículo uma situação assim. Lá tem gente de todos os sexos se beijando há muito tempo, tanto na vida real quanto na ficção. A relação dos gays já foi mostrada há muito tempo. Acho que, em 2008, tivemos uma novela com vários protagonistas jovens e, entre eles, havia um casal de homens gays desde o início. Mas isso já é uma coisa normal.
Ao mesmo tempo, são dois países diferentes até na quantidade de habitantes. A Globo chega a todos os cantos do Brasil e tem que se atentar à sensibilidade de um certo público que também assiste às novelas. Porque você sabe da repercussão que a TV tem e a educação que ela precisa passar, então é difícil mudar de um dia para o outro. Mas eu tenho absoluto respeito pela situação, sou totalmente a favor da diversidade. E, enfim, “Babilônia” é maravilhosa, do elenco à trilha. Realmente encontrei uma família formada, muito linda, e só tenho a agradecer muito pelo convite.
HT: Falando em novela, como foi contracenar com seu filho, o Michel Noher, em “Sete Vidas”, depois de já terem feito juntos “O Rebu”?
JPN: Genial! A participação foi mais uma brincadeira do Jayme Monjardim [diretor geral e de núcleo de “Sete Vidas”]. Fiquei muito orgulhoso do trabalho dele, houve um papo de muito compromisso e ele fez tudo muito bem. Ainda recebo muitos elogios por ele, todo mundo fala muito bem como pessoa e ator.
HT: Como o seu trabalho no Brasil repercute na Argentina?
JPN: O primeiro sucesso da dramaturgia brasileira por lá foi “O Clone” (2001). Agora, “Avenida Brasil” foi uma coisa inacreditável! Acho que já está repetindo pela terceira vez lá. Desde então, a novela brasileira tem feito muito sucesso. “Flor do Caribe” eu também me lembro que foi muito bem, mas nada que se compare. Obviamente, para todo o mundo do espetáculo argentino é um orgulho que eu esteja trabalhando nas novelas brasileiras. O público valoriza muito, porque não é normal um argentino atuando em novela brasileira.
HT: E como você conseguiu esse primeiro contato com a Rede Globo até surgirem tantos convites para novelas?
JPN: Sem dúvidas, devo tudo isso primeiro ao “Um amor de Borges” e, logo depois, ao Walter Salles, por “Diários de Motocicleta”. O Daniel Filho também, com “Estômago”, me deu uma ótima visibilidade e foi um filme muito bem recebido pela crítica. Esses prestígios foram um ponto para a emissora se interessar pelo meu trabalho e me sinto muito honrado. A participação em “Babilônia”, por mais que seja breve, me colocou em contato com a Fernanda Montenegro, que foi uma das primeiras a me dar boas-vindas. Gosto de todo o elenco. O Marcos Palmeira também é um ótimo parceiro e tenho muita gente amiga por lá…
HT: Você comentou no início da conversa que acompanha bastante a política nacional. O que acha desse momento peculiar pelo qual estamos passando? E consegue traçar algum tipo de paralelo com o momento atual da Argentina?
JPN: É muito difícil comparar. Hoje, as informações são muito tendenciosas e é muito difícil ler os jornais sabendo o que é verdade ou não. Temos que fortalecer a nossa democracia, porque aí está a ferramenta necessária. Precisamos também esperar as eleições, para cada um avaliar nesse momento, com responsabilidade, o que quer para o país e então respeitar. Estamos vivendo momentos muito complicados e difíceis no mundo todo.
Acho que precisamos entender que as pessoas que governam o país também são seres humanos, com uma enorme responsabilidade. Gostaria de ver um mundo mais compreensivo e em paz, com menos briga, menos “preto no branco”. Você vê tudo o que está acontecendo lá fora e percebe que ainda há muita coisa para melhorar, em todos os lugares. Muitos direitos e leis ainda a serem conquistados. A Argentina evoluiu muito nos últimos anos com saúde pública, casamento igualitário, educação… Mas eu não gosto muito dessa briga e dessa sensação de dividir a população em lados. Estamos todos do mesmo lado, querendo um país melhor. Ainda acredito na bondade das pessoas.
HT: Por fim, Jean, a gente sabe que você gosta muito de futebol. Como é na hora do jogo, quando você precisa lidar com a rivalidade entre o Brasil e a Argentina? Como você fica no meio dessa história?
JPN: Futebol eu sempre digo que é o mais importantes das coisas menos importantes da vida (risos). Sou conhecido por ser fã do River Plate. Meu pai já foi até capitão de um time de futebol! Acho que temos que curtir com essa onda. Na época da Copa do Mundo, eu tive a oportunidade de assistir aos jogos – até conheci Brasília assim – e foi uma relação difícil, mas muito engraçada. Claro que, quando acabava a partida, estava tudo certo e, obviamente, foi inesquecível.
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