* Por Carlos Lima Costa
A reboque das redes sociais, surgiram inúmeros influencers, em sua maioria, pessoas desconhecidas que por algum motivo geram interesses e conquistam milhões de seguidores, ganhando, além da fama, dinheiro. No meio desse turbilhão, existem pessoas que participam timidamente deste mundo virtual. Este é o caso de Diogo Vilela, que vai retornar à TV em uma série que gira em torno deste universo. ‘Eleita’, seu primeiro trabalho para a Amazon Prime, gigante do streaming, com previsão de estreia para este ano, vai mostrar uma influencer, que, na brincadeira, se candidata ao governo do Estado e acaba ganhando a eleição. Na comédia dirigida por Carolina Jabor, Clarice Falcão assina a história com Célio Porto, e interpreta a protagonista.
Sem poder dar spoilers sobre a produção, Diogo esmiúça sua visão sobre o tema. “Eu acho que é a tentativa de eternizar os 15 minutos de fama que o Andy Warhol (1928-1987) falou. A ansiedade de todos por serem descobertos em uma fórmula mágica de admiração. Trata-se para mim de um universo paralelo, mas que é real, existe. Eu só não convivo nele. É igual a série que eu estou fazendo praticamente. Ela era influencer e virou governadora, entende. As pessoas apostam no imponderável. Está sendo importante pra todo mundo construir a realidade na qual as idiossincrasias estejam mais proeminentes. A realidade paralela está estabelecida e faz a ansiedade de muita gente. Agora, acho que existem pessoas como eu que também não frequentam”, pontua.
Diogo não tem Twitter e nem Facebook. “Eu participo muito pouco, timidamente ainda, porque não me sinto legitimado. Em geral, mostro no Instagram o meu trabalho quando vou fazer algo. Agora, é um investimento onde tenho pouca identificação, embora eu respeite. Se um dia, para continuar sobrevivendo como artista eu precisar fazer a passagem para essa coisa irreal, aí vou me empenhar para ver se consigo. Pode ser que o mundo vire isso, porque é tudo fluido, não há certeza de nada”, ressalta.
Para ele, em vez de melhorar, a humanidade está criando um mundo artificial. “Nada é muito palpável nessa coisa de influencer. A partir do momento que tudo é foto, flash, superfície, a pessoa cria um mundo irreal e a gente que veio da batalha daquele mundo sofrido, inclusive, politicamente, se depara com essa realidade que vem ganhando corpo. As pessoas estão preferindo o irreal ao real. Se isso é bom, a gente só vai saber no futuro”, reflete Diogo, que está se preparando para encenar pela primeira vez uma peça do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980):. A Mulher Sem Pecado, escrita em 1941. “Atuei em clássicos, fiz musicais, mas nunca nada do Nelson no teatro. Eu o admiro como dramaturgo. Ele é até hoje a cara da nossa sociedade e eu sou movido a personagem. Para estar em cena é preciso ter um bom papel”, frisa Diogo bastante empolgado.
“Olegário, meu personagem, é o substrato do homem contemporâneo, latino. Da maneira como Nelson abrange é o homem oprimindo à figura feminina ao seu bel prazer. Tem uma relação contemporânea com todas as reivindicações femininas que são feitas hoje. Nelson expõe os problemas dessas dificuldades entre homem e mulher. Olegário é pra lá de machista. É opressor”, explica.
Ao abordar o assunto, Diogo aponta que nunca se falou tanto sobre mulher versus opressão. “Eu acho que a maioria dos males do mundo são provenientes de problemas sexuais. É a má resolução da sexualidade que cria tudo isso. Sempre fiz análise, talvez eu esteja incluído no problema, atavicamente. Não sei, acho que não, porque não sou machista. Apenas gosto de ser masculino dentro da orientação que eu fui criado. Meu gênero é masculino, mas não tenho nada contra, não me sinto ameaçado. Machismo é o homem ameaçado querendo se colocar de alguma maneira e assim fica oprimindo a outra. Que nem o Olegário, que vive atrás da mulher (Carolina Gonzalez), pagando os outros para ver se ela está com um amante e ela diz que é inocente. Aí, no final, tem um desfecho fantástico. Acho importante montar essa peça. Ela mostra didaticamente o X do problema, até porque ela é de época”, reflete sobre o espetáculo que tem ainda Bia Nunnes no elenco.
Diogo planeja estrear até julho, em São Paulo, e depois, viajar em turnê pelo Brasil. “Estamos tentando com a dificuldade que nos foi imposta. Há 30 anos, eu produzo teatro de boa qualidade. Eu luto, parece que estou começando agora. Não tem um benefício, é uma loucura, mas é o meu ofício, então, continuo em frente. Mas é muita dificuldade pra gente entrar em cena, por exemplo, para interpretar um personagem complexo como esse, aí fica dois meses e acaba”, frisa.
O ator, aliás, estava em cartaz no teatro quando veio a pandemia, em março de 2020, e teve que interromper as apresentações do espetáculo A Verdade. No final daquele ano, foi convidado para realizar uma apresentação online interpretando mais uma vez Cauby Peixoto (1931-2016). Em 2006, ele já havia montado o musical Cauby, Cauby, e, em 2018, Cauby! Cauby! Uma Lembrança. “Aí o Flávio Marinho preparou uma síntese de tudo que fizemos e montamos Cauby, Uma Paixão, um espetáculo solo. A apresentação online foi vista por muita gente e as pessoas começaram a pedir mais. E este é um personagem que eu gosto muito de representar”, conta ele, que, neste sábado, dia 30, vai estar no palco do Teatro Sesc Glória, em Vitória, no Espírito Santo. E tem também outras apresentações programadas pelo Brasil. Das músicas que ele canta, uma das que mais o toca é Bastidores. “Esta é uma música emblemática, que representa muito o artista. Mas também adoro cantar Conceição, porque o povo ama. O Cauby reúne três características que um ator como eu ama: a peruca, a voz e a atmosfera em cena. Tudo isso reunido dá um show maravilhoso”, aponta.
Como o próprio Diogo já falou, ele é pouco ativo no Instagram e foca no trabalho, mas, na primeira quinzena de março, postou uma foto dele na praia. Quis mostrar a sensação de poder quase viver como antes da pandemia. “Fui depois que tudo foi permitido, saí para o sol, às 7hs, depois de dois anos, apesar de morar em frente à praia. Acho que ainda não processamos legal essa pandemia. Foi um período louco e cruel em todos os sentidos. Fui à praia, inclusive, para me renovar”, observa.
“Graças a Deus, não perdi nenhum familiar, porque foi duro. Com meus colegas foi terrível, não vou nem comentar. Agora, vamos tentar renascer. É a nossa missão. E conviver com afeto e respeito com as pessoas”, completa.
Movido a trabalho, Diogo, aos 64 anos, analisa a questão do etarismo, a falta de personagens para artistas mais velhos na teledramaturgia que vêm focando suas tramas nos jovens e como isso o afeta. “Quando era pequeno, eu achava que tinha 100 anos. Sempre me achei velhíssimo, mesmo sem ser. Agora, estou ficando cada vez mais jovem. Não sei por quê. Internamente. O que envelhece você sempre é o outro. Eu, por exemplo, sempre achei que os personagens de teatro eram sólidos e precisavam de ter alguém com maturidade para fazer. Então, sempre quis ser maduro para interpretá-los. É o que venho fazendo e pretendo continuar tendo bons personagens no teatro até desencarnar. Isso é que me dá forças para ir em frente”, avalia.
E prossegue com olhar crítico: “Se não me convidam ou convidam, se é por causa da idade, eu talvez entenda que o mercado queira abranger o jovem, porque a superficialidade e a beleza estão muito na moda. Estamos vivendo o mundo do ego da primeira pessoa, tanto é que um influencer, com sua espontaneidade tem destaque, ganha seguidores. É uma linguagem. O mercado está a fim de ir atrás disso. O que vai acontecer? Eu não sei, não tenho domínio nem bola de cristal. Nas tramas, vejo que a maioria é de jovens. Estamos nesse momento difícil para quem sabe o ofício. Para quem tem maturidade profissional ter que assistir isso é duro. Não ignoro, mas não respeito. Eu vou adiante com o meu trabalho. A não ser que eu morra, sempre vou estar em cena. Isso me dá ânimo. Se quem vai me ver é o público da terceira idade melhor pra mim, ótimo, são meus colegas de idade. Não fico me iludindo. Eu faço teatro para o ser humano e a faixa etária que frequenta teatro é a mais velha. Agora, recuso me sentir inferior por ser mais velho. A pessoa pode até achar, falar que eu sou velho, mas eu não sou anacrônico. E eu nunca fiz nada sem qualidade”, enfatiza.
Em relação à espera do convite, assegura que isso é romantismo hollywoodiano que não existe mais. “Você quer fazer algo? Construa a tua linguagem. O país, no momento, não gosta do saber, não gosta da memória dele. É um país que tem autorreferência destrutiva, não gosta de si. No momento, não vejo um brasileiro orgulhoso, só os equivocados. Então, é tudo reminiscência. Esse negócio do convite é romantismo. Vou em frente com a minha carreira, porque é o que eu amo, pelo menos eu tenho para fazer, que é estar em cena no teatro. Vou estar em cena fazendo Nelson Rodrigues. É o meu sonho. Por que vou sofrer por convites?”, indaga.
E acrescenta: “O nosso olhar da alma não vê a velhice. Agora, se um dia eu achar que está difícil, eu encerro tudo e vou morar na fazenda do meu irmão. Sou uma pessoa livre, sempre fui. A minha profissão foi sempre com sacrifício. Tenho uma tendência. Eu sempre faço o personagem mais difícil. Na televisão, era assim também. Nunca fiz um personagem normal. Sempre tinha uma conotação, um problema. Eu adoro isso”, avalia.
Foi assim, focado na profissão, que ele caminhou na jornada da vida. “Eu vivi para o meu trabalho, dei prioridade”, reconhece. Ficou um arrependimento de não ter dedicado mais tempo à vida pessoal, de não ter construído uma família, no sentido de ter sido pai? “Eu tenho orgulho da minha trajetória. Sou felicíssimo, adoro não ter tido uma família, porque eu não ia poder me dedicar diante de tanto volume que tenho de vocação. Eu segui a minha verdade. Então, não me arrependo de nada. Tenho uma família ótima, irmãos, sobrinhos maravilhosos. Eu me sinto felicíssimo, je ne regrette rien (não me arrependo de nada) como diz a canção (Non, Je Ne Regrette Rien). Eu acredito em uma vida na qual as circunstâncias levem a um fato. Você precisa se apaixonar, amar alguém para ter um filho. Tenho orgulho da minha carreira e respeito do público. Isso me deixa muito feliz”, ressalta.
Nos últimos anos, artistas consagrados, já na maturidade e sem filhos, adotaram. Este foi o caso, por exemplo, da cantora Gal Costa. O ator Luiz Fernando Guimarães, amigo de Diogo, também. “Embora eu ache linda a adoção e dê força, isso nunca passou na minha cabeça. Não faz parte do meu temperamento. Acho que você tem que estar com alguém, em um momento de amor para adotar, sabe, tem que ter um caso, um casamento, qualquer coisa que seja isso um respaldo, uma semelhança familiar. Eu não tenho isso, então, não posso ter filhos. A questão filho, pra mim, está encerrada, não vai ser nessa encarnação. Mas dou muita força. Acho lindo e corajoso quem adota. E posso me dedicar também aos meus sobrinhos que me amam, gente jovem da minha família e ser exemplo para eles”, conclui.
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