Dira Paes sobre julgamento na web: ‘O que está dito, está dito e pode ser usado fora de contexto contra você’


Em live para o evento ‘Semana do Cinema’, realizado pelo Núcleo de Cinema (NUCINE) da Faculdade Estácio campus Tom Jobim, a atriz falou sobre ‘O Oscar e o Cinema Brasileiro’. Participando da cobertura na TV da premiação desde 2018, ela disse que sempre treina o olhar para captar a essência do filme que vai analisar. Dira ainda respondeu perguntas sobre as comparações com Glória Pires, que foi alvo de piadas durante a exibição da 88ª edição do Oscar, e diz que erros são comuns e devem ser corrigidos ‘com afeto’: “Uma pessoa pode dizer que não é capaz de opinar, ela está sendo sincera. Você tem que ter equilíbrio para achar um lugar confortável para falar com o outro e corrigir, mas sempre a partir do afeto e do discernimento”

*Com Bell Magalhães

“Quando se escolhe fazer cinema, você aposta seus sonhos e convicções, pois o afeto é o primeiro pilar para construir esta caminhada”. A frase é de Dira Paes ao participar da ‘Semana do Cinema’, realizada virtualmente pelo Núcleo de Cinema (NUCINE) da Faculdade Estácio Campus Tom Jobim, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Com a supervisão dos professores Flávio Di Cola e Gisele Barreto, o projeto contou com a atriz abordando o tema ‘O Oscar e o Cinema Brasileiro’, já que ela é uma das comentaristas na TV da maior festa do cinema internacional. Durante a live, ainda renderam perguntas sobre as comparações feitas nas redes sociais entre a performance dela e a de Gloria Pires na cobertura em 2016, na qual a atriz não soube opinar a respeito de inúmeros filmes. Dira afirmou que não compactua com esses comportamentos e fez duras críticas à inquisição nas redes sociais.

Dira Paes fala sobre 'O Oscar e o Cinema Brasileiro' em live (Foto: Leo Aversa)

Dira Paes fala sobre ‘O Oscar e o Cinema Brasileiro’ em live (Foto: Leo Aversa)

Dividindo a bancada na cobertura na TV da festa do Oscar com os jornalistas Maria Beltrão e Artur Xexéo desde 2018, a atriz disse que é uma honra fazer parte da equipe e fala sobre as batalhas que tiveram que ser travadas para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, finalmente, lançar seus holofotes para a diversidade. “É um prazer mergulhar nos filmes indicados ao Oscar. Imagina poder assistir a uma seleção de 60 filmes cada vez mais diversos? A academia se abriu para a diversidade dentro dos últimos quatro, cinco anos e ela faz jus à pluralidade do cinema mundial”, pontua.

"A academia se abriu para a diversidade dentro dos últimos quatro, cinco anos e ela faz jus à pluralidade do cinema mundial" (Reprodução)

“A academia se abriu para a diversidade nos últimos quatro, cinco anos e ela faz jus à pluralidade do cinema mundial” (Reprodução)

Com a entrada de mais longas fora do mercado ocidental, Dira conta que uma das maiores dificuldades é de acessar esses filmes, pois não costumam ser liberados para o público com a mesma rapidez de produções norte-americanas: “Existe uma dificuldade de acessar filmes que não estão nos streamings e no mercado americano, porque as plataformas são, em grande maioria, estadunidenses, essa é a verdade. Os filmes europeus e asiáticos, por exemplo, precisamos assistir por último por conta disso”. Para ela, é um trabalho de reflexão e treino da própria sensibilidade: “Crio um envolvimento com o filme no qual trabalho o meu olhar. Percebo quais são as minhas primeiras impressões logo no início do longa. Depois, vejo qual foi o meu olhar por completo. Na sequência, faço essa ‘média’ de como foi a minha percepção geral para fazer uma avaliação precisa”, explica. 

"Crio um envolvimento com o filme no qual trabalho o meu olhar. Primeiro, percebo quais são as minhas primeiras impressões logo no início do longa" (Reprodução Instagram)

“Crio um envolvimento com o filme no qual trabalho o meu olhar. Primeiro, percebo quais são as minhas primeiras impressões logo no início do longa” (Reprodução Instagram)

Para uma boa avaliação, o olhar da artista tem atenção especial no que a deixa desconfortável: “Fico muito atenta ao que não gostei… O que não gosto me causa reflexões muito profundas e me levam a lugares que não visito: do desconforto e do questionamento. Por incrível que pareça, gosto desse lugar — do paradoxo, de gostar daquilo que não gostei”, analisa, acrescentando: “É uma libertação dos gostos pessoais. Quando gostamos de algo, o nosso olhar procura semelhanças com aquilo que já vivemos. Em dois meses, ficamos totalmente inaptos de nos agarrar em um gosto, uma vertente. É bom criar uma nova forma de entender as produções”. 

"Em dois meses, ficamos totalmente inaptos de nos agarrar em um gosto, uma vertente. É bom para criar uma nova forma de entender as produções" (Reprodução Instagram)

“Fico muito atenta ao que não gostei… O que não gosto me causa reflexões muito profundas e me levam a lugares que não visito: do desconforto e do questionamento” (Reprodução Instagram)

Em 2018, na primeira vez que assumiu o posto de comentarista da premiação, as redes sociais estavam repletas de comentários sobre a ‘capacidade opinativa’ de Dira, em alusão à participação de Glória Pires na cobertura da 88ª edição do prêmio, em 2016, na qual a atriz repetia a frase ‘não sou capaz de opinar’, pois não tinha assistido um grande número de títulos presentes na premiação daquele ano. Sobre a comparação, Dira Paes comentou durante a live que não endossa esse tipo de comportamento e fez uma crítica às redes sociais. “Não foi uma fala legal. Durante os comentários, você pode cometer uma gafe, o que é normal. Contanto que haja afeto na correção e atualização das pessoas, não tem problema. É um risco fazer programa ao vivo. É um fio da navalha, então você é bem sucedido quando consegue passar as suas impressões com contundência. Hoje, temos que ter muito cuidado para dar um ponto de vista. Não tem volta. O que está dito, está dito e pode ser usado fora de contexto contra você. Também acho que uma pessoa pode dizer que não é capaz de opinar, ela está sendo sincera. Você tem que ter equilíbrio para achar um lugar confortável para falar com o outro e corrigir, mas sempre a partir do afeto e do discernimento”, afirma.

Início ‘cinderelesco’ e novos planos

A estreia de Dira Paes no cinema foi inusitada. Aos 15 anos, a atriz iniciante foi convidada para viver a indígena Kachiri, um dos papéis principais do longa ‘A Floresta das Esmeraldas’ (‘The Emerald Forest’), do diretor britânico John Boorman. O ano era 1984 e o diretor José Possi Neto encontrou a jovem em meio às aulas de teatro em Abaetetuba, no interior do Pará, e a disse que tinha ‘um bom rosto para foto’. “Não tenho como negar que foi um começo de contos de fadas. Eu estava em um teatro na escola e soube da produção da Embassy Pictures Corporation. Foi um começo ‘cinderelesco’, porque foi como brincar de fazer cinema, com trailers, assistentes pessoais e tudo. O melhor momento é quando você se aproxima da equipe”. 

Dira Paes em 'A Floresta de Esmeraldas', 1985: "Foi um começo ‘cinderelesco’ porque foi como brincar de fazer cinema" (Reprodução)

Dira Paes em ‘A Floresta de Esmeraldas’, 1985: “Foi um começo ‘cinderelesco’ porque foi como brincar de fazer cinema” (Reprodução)

Falando sobre o cinema brasileiro e com a diferença de estrutura de uma produção internacional, Dira comenta que tem muito orgulho de ter conseguido se adaptar à produção brasileira e lembra que o que falta para o cinema brasileiro é o incentivo. “O cinema brasileiro consegue fazer tudo o que vemos a trancos e barrancos e com maestria. Entendi que era outra maneira de trabalhar, outra estrutura e tive que decodificar para me adequar ao lugar. Entendi os códigos muito rapidamente. Foi bom dos dois jeitos: ter um trailer para você, um assistente pessoal e, por outro lado, o cinema de guerrilha. Não importa se é uma grande produção ou se é uma produção de baixo orçamento. Sempre deixo um espaço para a magia acontecer. O que falta para o cinema brasileiro chegar ao Oscar é investimento. As produtoras gastam com adaptações, legendas e mais para colocar os produtos em festivais pelo mundo afora e temos toda a capacidade de chegar em mais lugares se tivermos incentivo”, pontua.

"Não importa se é uma grande produção ou se é uma produção de baixo orçamento, sempre deixo um espaço para a magia acontecer" (Reprodução Instagram)

“Não importa se é uma grande produção ou se é uma produção de baixo orçamento, sempre deixo um espaço para a magia acontecer” (Reprodução Instagram)

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A atriz se prepara para gravar o remake da novela ‘Pantanal’, mas 2021 ainda reserva mais participações de Dira na telona. O longa “Veneza”, com roteiro e direção assinados por Miguel Falabella, tem estreia marcada para o dia 17. A produção, realizada em 2018, teve o lançamento adiado por conta da pandemia do novo coronavírus. Durante 28 dias de filmagem, ela contracenou com Carmen Maura, estrela espanhola e musa do cineasta Pedro Almodóvar. Em entrevista recente ao site HT, Dira falou sobre a experiência de troca que teve com Carmen durante a produção: “Carmen Maura é uma diva do cinema mundial, mas sobretudo é uma atriz. E, como atriz, nós tivemos uma identidade imediata. Ela é aquela pessoa que sai de 0 a 300 km por hora num piscar de olhos. É uma potência, além de ser uma grande mulher nas opiniões muito firmes”. Dira também estreou como diretora de “Pasárgada”, no qual também realizou a produção e atuou como atriz no papel de uma bióloga. Ela costuma dizer que o filme foi um fruto da pandemia e de um desejo também de realizar um projeto ao lado do marido, Pablo Baião (diretor de fotografia). “‘Pasárgada’ foi uma maneira que tive de exercitar os meus conhecimentos à frente e atrás das câmeras. O filme aborda o desejo de conquistar o lugar ideal ou o estado de espírito ideal como um lugar utópico onde você é feliz”, comenta. 

"O que falta para o cinema brasileiro chegar ao Oscar é investimento e temos toda a capacidade de chegar em mais lugares se tivermos incentivo" (Reprodução Instagram)

“O que falta para o cinema brasileiro chegar ao Oscar é investimento e temos toda a capacidade de chegar em mais lugares se tivermos incentivo” (Reprodução Instagram)