* Por Carlos Lima Costa
Em plena pandemia, Danton Mello celebrou 40 anos de trajetória artística fazendo o que mais gosta: atuando. Com idas e vindas por conta de variados protocolos sanitários e agravamentos pandêmicos gravou Um Lugar Ao Sol como Mateus, um cara “muito correto, íntegro e simples”, como ele próprio define. Nas últimas cinco semanas, enquanto brilhava no horário nobre, ele integrou o elenco do longa-metragem Ninguém É de Ninguém, baseado em livro homônimo de Zíbia Gasparetto (1926-2018), ditado pelo espírito de Lucius, em um papel que promete surpreender. O roteiro foi adaptado por Wagner de Assis (“Nosso Lar” e “Kardec“), que também assina a direção. “A escritora publicou dezenas de livros, todos psicografados. O meu personagem, o Roberto, é diferente de tudo que eu já interpretei na minha carreira. O livro aborda relacionamentos tóxicos, um tema importante e tão falado atualmente. É um cara que tem uma relação abusiva com a mulher, é ciumento, possessivo, ruim, um personagem intenso, muito diferente de mim e do que aprendi com os meus pais de cuidar do próximo”, pontua.
E acrescenta: “É um cara ruim e aí entra a temática espírita. Ele morre, o espírito não evolui e ele ainda persegue a mulher. Mostra questões da doutrina espírita e ele vivendo situações de outras vidas. Tenho certeza de que as pessoas vão ficar curiosas e querer ir ao cinema ver o Danton em um registro que nunca foi visto. O Roberto é o típico machista. Foi bem intenso fazer esse personagem, sofri com isso”, admite.
O filme mexeu com Danton sob várias óticas. O tema do machismo, por exemplo, é muito atual. Diversas personalidades femininas dividem com o público suas histórias como forma de alertar outras mulheres. Pai de duas jovens, Luísa, 20 anos, e Alice, 18, o ator lembrou delas durante todo o processo de filmagem. E enfatiza que ensinamentos procurou passar para as filhas para que não vivenciem uma relação assim. “Pensei muito nelas, porque é duro você imaginar suas filhas vivendo uma situação dessas. Então, tento ser o melhor exemplo possível para elas e conversar. É importantíssimo realmente a mulher falar. Minha educação foi outra. Aprendi a respeitar o próximo, mas tem muito homem que é assim. Quando fui convidado para fazer o filme, conversei com minhas filhas como era o personagem. Espero que elas não passem por relacionamentos abusivos. Tenho que ser exemplo e apontar caminhos, ter diálogos e torcer para que qualquer situação estranha que vivam, elas tenham aprendido com tudo que conversamos e consigam fugir, sair disso”, pontua.
A temática espírita do filme também foi analisada por Danton. “Eu sou ateu, não tenho religião. Depois que fiz o Predestinado – Arigó e o Espírito de Dr. Fritz (em 2018), já nem sei dizer se eu sou realmente ateu, porque o personagem mexeu muito comigo. Eu não sei explicar o que são aquelas cirurgias do Zé Arigó (personagem dele) e agora aparece mais um filme com tema espírita. São diversas as manifestações religiosas e culturais no mundo, mas todas pregam o bem, praticar o amor, a tolerância, a generosidade e o altruísmo. E o espiritismo nos fala de vidas passadas, de onde a gente veio, para onde vai. Então, estou buscando respostas que eu não consigo te dar agora. Foram experiências muito fortes e estou tentando entender. Temos mesmo vidas passadas, não acaba aqui?”, indaga.
Danton fala sobre a relação com o diretor Wagner de Assis: “Ele é espírita, um cara que eu conheço, jornalista, trabalhou na Globo. Lembro dele me contando sobre os sonhos de se tornar um cineasta, me chamou para fazer o primeiro filme dele e para outros e eu não pude aceitar por causa de agenda. Agora, conseguimos nos encontrar e fiquei muito feliz de dividir o set com ele e com minha parceira de cena, Carol Castro maravilhosa”.
Resgate de lembranças afetivas
A empolgação também está muito presente com o personagem de Um Lugar Ao Sol, que saiu do interior de Minas e foi para o Rio de Janeiro, onde vive a questão das diferenças culturais. Danton nasceu em Passos (MG) e conta que sempre que possível volta para ver os parentes. “Eu ía muito de férias para lá, onde grande parte da minha família está ainda. Então, estou muito feliz de fazer esse personagem, essa homenagem ao sotaque mineiro, relembrar e viver o que é ser do interior. Até hoje adoro ir a Minas, onde há tranquilidade e paz. Vou com frequência não só à minha cidade, mas a outras da região. Estive recentemente em São João Del Rei, Tiradentes, tenho amigos lá. É uma terra que me faz bem, que eu preciso ir realmente para me energizar de vez em quando. Eu e a Andréia (Horta), que também é mineira, temos o sotaque. É muito bom essa homenagem às minhas raízes”, comenta.
Todas as gravações da novela foram concluídas ao longo de dois anos. Danton analisa a experiência: “Algo muito diferente, porque novela sempre teve esse lado da opinião do público, de mudanças de rumo, e a gente fez uma obra fechada. Teve dia que gravei cena do capítulo 10 e outra do 70, quando geralmente gravamos aos poucos. E com todos os protocolos, muita rigidez, gravávamos um volume menor de cenas. No ritmo pré-pandemia, eram 30 cenas por dia e, agora, fazíamos cinco usando o mesmo tempo. Foi trabalhoso, mas por outro lado trouxe um apuro. Com o Maurício (Farias) e a equipe talentosíssima, a novela ganhou artisticamente. Tiveram tempo de elaborar as cenas. Foi experiência incrível, mas acho que nunca vai se repetir. Espero que em 2022 tudo melhore e as novelas voltem a ser gravadas como sempre foram”, ressalta.
Sobre os 40 anos de carreira, Danton conta que foram celebrados como desejava. “Eu queria trabalhar, fazer o que eu amo, que é estar no set, seja na televisão, no cinema ou no teatro. É a melhor maneira de comemorar uma data assim”, diz ele, que, mesmo com interrupções, estava gravando a trama das 21 horas. E o ator faz um balanço dessa jornada. “Muito orgulho de tudo que eu fiz. É profissão, mas também uma escola, um aprendizado. Em cada trabalho e com cada colega novo tem a troca. Fico pensando em alguns mais recentes onde convivi com duas atrizes pelas quais eu sou fascinado. Em Um Lugar Ao Sol teve a Marieta Severo, e antes da pandemia, a Andréa Beltrão no filme Hebe – A Estrela do Brasil. As telenovelas completaram 70 anos e alguns críticos elegeram as melhores. Vale Tudo foi unânime. E pensar que eu participei, fiz parte dessa história, aprendi ali com Antonio Fagundes, Cássia Kiss, Renata Sorrah, Beatriz Segall e todo aquele grande elenco”, analisa.
Curiosamente, apesar das quatro décadas, somente recentemente ele e o irmão, Selton Mello, atuaram juntos pela primeira vez na televisão, em uma participação de Danton em Sessão de Terapia, série original do Globoplay. No momento, os dois podem ser vistos em novelas. Selton interpreta Dom Pedro II em Nos Tempos do Imperador. Vale lembrar que, ainda crianças, contracenaram no teatro, em Romeu e Julieta. E é com emoção que Danton comenta a parceria profissional e de vida com o irmão. “Saímos muito cedo de Minas e, em São Paulo, o nosso núcleo sempre foi muito próximo, eu, o Selton, meu pai (Dalton) e minha mãe (Selva). Sempre fomos muito unidos, cuidamos um do outro, valorizamos estar juntos, nos amamos e nos ajudamos. Família é o que a gente tem de mais importante. Esse é o exemplo que eu quero dar para minhas filhas também, de manter essa relação com elas, mostrar como é a relação com o meu irmão e meus pais. Estamos juntos em todos os momentos, sejam bons ou ruins. Muito legal a gente estar no ar ao mesmo tempo, depois de tantos anos dele sem fazer novela, e com esse trabalho lindo”, observa.
E prossegue: “Tínhamos feito teatro, Romeu e Julieta e mais outro espetáculo, fiz uma participação simbólica, amorosa e emotiva em O Palhaço, o filme de Selton. E, agora, em Sessão de Terapia, foi reencontro desse tamanho entre dois irmãos, foi muito lindo e emocionante. Gravamos uma diária. Foi um momento de olhar para trás, ver toda nossa carreira, de onde viemos, tudo que conquistamos. E estar ali fazendo um programa tão bonito e necessário como o Selton fala, que é importante cuidar também da cabeça, mostrando o embate daqueles irmãos com relações diferentes. Foi emocionante fazer o episódio e ver a reação do público, que sempre torceu por nós e tendo a curiosidade de ver os dois juntos”, frisa.
Momentos difíceis da pandemia
Danton relembra também o momento crítico da pandemia e a agonia por estar longe das filhas, que estão morando nos Estados Unidos com a mãe. “Foi difícil. Eu tinha medo de que algo acontecesse com elas. Minha caçula estava no último ano da escola e com a constante expectativa de ter aula presencial. E, a mais velha, já estava fazendo faculdade, morando no campus e teve que retornar para a casa da mãe. Elas estiveram comigo no Natal de 2020 e foram embora depois do Réveillon. Eu não testei positivo para Covid, mas a minha mulher e o meu pai tiveram. Mesmo vacinados, continuamos tendo cuidados. Espero que mais gente se vacine e tudo volte a ser como era. Torcendo para que passe logo. Espero que a gente não veja mais algo do tipo, porque é duro”, relata.
O ator estranha o debate sobre tomar ou não a vacina contra a Covid-19, que acontece no Brasil, que vive um forte momento de polarização. E determinados temas como a questão política prefere debater com os amigos. “É um assunto importante, mas precisa ser conversado frente a frente. É difícil jogar uma opinião em uma rede social. Acho complicado. Nas redes sociais, eu não me envolvo. O Brasil sempre foi exemplo de vacinação. Eu atualizei todas as minhas vacinas. Tomei a de tétano, a pneumocócica, a da gripe. E esperei ansiosamente pelas doses contra Covid. Cientistas do mundo inteiro trabalhando arduamente para criar algo para nos trazer normalidade e vemos pessoas negando como se nunca tivessem tomado nenhuma vacina na vida. É uma pena, porque pessoas estão morrendo, existe o número de mortes maior de pessoas que não foram vacinadas. Então, tomei a minha e levei meus pais para fazer o mesmo”, pontua ele, que foi imunizado antes das pessoas de sua idade por ter comorbidade.
Atualmente com 46 anos, Danton, aos 38, descobriu que estava diabético. Ele é portador do tipo 2. E acaba de participar da webserie Apaixonados pela Vida, que integra a campanha Quem vê Diabetes vê Coração, de alerta sobre a doença. Cinco episódios com cerca de cinco minutos estão disponíveis no YouTube. Com desafio de levar informação de qualidade sobre diabetes para a população, a Triunfo Sudler, agência Health & Wellness, assina a produção com iniciativa da Novo Nordisk e que teve o apoio de sociedades médicas e associações de pacientes de todo o país. “Fiquei feliz com essa campanha. Na verdade, tenho uma herança genética, minha mãe também é diabética e meu avô, o pai dela, era. Então, sempre tive a minha taxa de glicose ali no limite e me cuidava. Ao descobrir, me cuidei, mas depois confiei muito nos remédios, engordei para fazer personagem no filme Predestinado (seria lançado em 2020, mas por conta da pandemia deve chegar aos cinemas, em 2022). Tive esses altos e baixos, o famoso efeito sanfona, você engorda, emagrece. Não estou falando de uma questão estética, da magreza, da gordofobia. Mas, sim, de saúde. Falo sobre fazer exame de sangue e os índices estarem todos bem. Então, fiz alguns trabalhos como palestras com médicos, apresentei uma live e, conversando com eles, surgiu a ideia da campanha”, comenta.
Ele estava acabando de gravar ‘Um lugar ao sol‘ quando falou para si mesmo: ‘vou me cuidar’. “Corro risco de vida, de ter um AVC, um enfarte, de ficar cego. A diabetes causa tudo isso. Então, aceitei o convite, fizeram um roteiro bem legal, são cinco episódios mostrando com humor e leveza a importância do cuidado. Quero é fazer exame de sangue e estar bem. Sei que não vou parar de tomar remédios, porque diabete é uma doença que não reverte. Mas quero diminuir a quantidade dos que uso via oral. Não tomo insulina. Posso me cuidar melhor, prolongar a minha vida. Estou diferente de como apareço na novela, por exemplo. Perdi muitos quilos”, relata.
O ano está acabando, o Brasil vai ter eleição presidencial em 2022, o que leva a população a se questionar o que espera de um próximo governo. “Confesso que sou um cara desanimado com a política, porque a gente vê tanto troca troca, mas com os mesmos nomes. E aí, quem vem? Vejo as opções e não boto a minha mão no fogo por nenhum. Sinceramente, não sei nem o que esperar. Mas torço para que a gente consiga diminuir a desigualdade social, que as crianças tenham comida, escola, que os pais tenham um emprego decente. É isso que desejo: alguém que olhe pelo povo realmente”, frisa.
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