No Rio, o documentarista Claudio Pazienza revela com exclusividade ao HT: “O naturalismo me entedia!”


A presença no Rio de Janeiro do documentarista ítalo-belga, na mesma semana de estréia de “Ninfomaníaca-Volume 2”, nos permite experimentar um pouco das inquietações e das provocações do cinema contemporâneo. Confira!

* Por Flávio Di Cola

A exibição de oito documentários inéditos no Brasil na mostra “Claudio Pazienza, o encontro que nos move”, ao longo desta semana na Caixa Cultural do Rio, surpreende pela forma
particular e bem-humorada com que esse documentarista, formado em antropologia, enxerga e dialoga com o mundo. Despreocupado em relação aos cânones que durante quase um século definiram o documentário como uma atividade subsidiária da “realidade”, Pazienza afirmou em entrevista ao HT: “O naturalismo me entedia profundamente. Meu cinema procura romper a cobertura aparente daquilo que chamamos realidade e, por entre as diversas camadas que tecem as nossas vidas, tenta vislumbrar o invisível dentro do visível, pois esse real não é apenas o que é percebido, mas também é constituído pelo que não se vê”.

É mesmo estranho ouvir da boca de um cineasta que afirma fazer documentários, uma posição tão marcadamente antinaturalista, em que o realismo parece impossível. Aliás, Pazienza aponta o seu divertido dedo acusador sobre os documentários que meramente registram a agitação do visível e a vendem como se a vida fosse uma totalidade que se deixasse aprisionar tão facilmente: “O real não é uma mercadoria congelada. Quando filmo, parto do meu próprio instinto e não de um conhecimento pré-existente que procura se reconfirmar. Pelo contrário, faço filmes porque é o meio que pode dar forma ao meu encontro com o mundo,
que me permite aproximar daquilo que é apenas entrevisto e não manifesto, daquilo que aflora inesperadamente através da violência da imagem e da linguagem”. Por isso, Claudio Pazienza, mesmo tentando fugir dos rótulos que o definem, não consegue escapar deste: “o documentarista-ensaísta do inesperado”.

Cena de "O Espírito da Cerveja" (Divulgação)

Cena de “O Espírito da Cerveja” (Divulgação)

Programação da mostra “Claudio Pazienza, o encontro que nos move” deste domingo, 16/03.

Espírito de cerveja (Esprit de Bière), de Claudio Pazienza. Bélgica-França, 2000. 52 min. 12 anos. Ensaio de “arqueologia líquida” misturando pedagogia e a busca de si mesmo. “Espírito de cerveja” faz a sua pesquisa sobre esse líquido dourado assim como faria um detetive. A cerveja é inicialmente analisada como substância, como matéria (real, química,  física… ). Em seguida, é o seu ciclo que terá uma atenção particular. Ciclos que interpelam o homem no seu desejo de laços e de mudanças. Ciclos que lembram que mesmo a cerveja pode ser uma matéria para (se) pensar.

Panamarenko, de Claudio Pazienza. Bélgica-França, 1997. 27 min. 12 anos. Evidente e complexa, ramificada, múltipla, irônica, a obra do artista da Antuérpia, Panamarenko parece fazer, há mais ou menos 30 anos, a felicidade dos adultos e das crianças. Mas que a gente não se engane: apesar da sua aparente legibilidade, ela continua inclassificável e felizmente iconoclasta. Ela não pode então se resumir a vontade de “fazer bricolagem” em aparelhos e máquinas capazes de se movimentar – com ou sem a força do homem, sobre a terra como na água. O conjunto dos objetos de Panamarenko se coloca, sem parar a questão dos limites, das fronteiras, das passagens.

O lamento do progresso (La complainte du progrès), de Claudio Pazienza. Bélgica-França, 1997. 5 min. 12 anos. Um velho casal se ocupa meticulosamente de várias atividades cotidianas: passar manteiga no pão, servir o café, se barbear, se vestir. Seu universo está invadido por objetos (…). O lado ruim do progresso, suas consequências aborrecedoras e engraçadas levam delicadamente para decadência final. A pia transborda, os corpos se machucam, e os gestos mais cotidianos chamam a nossa atenção.

Arquipélago Nitrato (Archipel Nitrate), de Claudio Pazienza. Bélgica-França, 2009. 62 min. 12 anos. Imagens. Milhares. Às vezes intactas, outras vezes arranhadas, quase apagadas. Imagens que voltam no pensamento de forma incontrolável. Por que esse plano de “Sayat Nova” de Paradjanov, ou esse outro do “Great Train Robbery”, de Porter, ou ainda esse olhar de Maurice Ronet no “Feu follet” de Louis Malle? Por que essas imagens sobrevivem? Tiradas do seu contexto original, elas constroem, em Arquipélago Nitrato, uma nova “partitura”.

 

Serviço:

Caixa Cultural do Rio de Janeiro

Av. Almirante Barroso, 25 – Centro – Rio

(21) 3980-3815

Estação do metrô da Carioca

www.caixacultural.com.br

* Flávio Di Cola é publicitário, jornalista e professor, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e coordenador do Curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá. Amante judiado e teimoso da Sétima Arte, suporta todos os constrangimentos na sua fidelidade às salas de cinema