* Por Thaissa Barzellai
Veneza. Cannes. Berlim. Lugares que não são mais estrangeiros para a cineasta Bárbara Paz, que percorreu uma trajetória de renome pelos grandes festivais internacionais com o seu primeiro longa-metragem, o documentário “Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou”, e deixou a sua marca latina na história da sétima arte. Agora, com a bagagem repleta de prêmios, dentre eles o de Melhor Documentário no Festival de Veneza e no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, a atriz e diretora começa mais uma jornada cinematográfica, desta vez com um curta-metragem. Fruto do pandêmico isolamento social, “Ato” integra a 23ª edição do Festival do Rio, que acontece presencialmente até o dia 19. Para Bárbara, apesar de toda a experiência e prestígio que a repercussão internacional lhe garante, estrear em solo nacional ainda é um deleite diferenciado – e, nos tempos atuais, ainda mais notável. “É muita responsabilidade, as pessoas que me conhecem vão estar assistindo, mas ao mesmo tempo é maravilhoso, porque somos cineastas e brasileiros pulsando arte”, reflete a atriz que foi surpreendida com a seleção da obra para o Festival de Veneza em setembro deste ano.
Protagonizado por Alessandra Maestrini, o curta-metragem nasceu logo no início do isolamento quando diversos artistas começaram a migrar para o universo digital como uma alternativa ao cenário de estagnação pelo qual o mundo era acossado. “Tudo começou pelo fato de estarmos isolados, com todo mundo querendo trabalhar, então só seguimos o passo que mandava o destino”, conta a atriz que assumiu a direção à convite da Rubim Produções – à frente de mais dois projetos audiovisuais, um game e uma peça virtual, durante este período. No papel de Ava, uma profissional do afeto, Maestrini tem a missão de confortar Dante (Eduardo Moreira), um homem solitário que sofre com a morte da mulher e que clama por companhia para completar a sua passagem por um mundo suspenso da realidade.
Sob o olhar autoral da diretora, pautado por uma sutileza onírica e visceral nos detalhes, o curta não somente é um reflexo dos sentimentos de solidão, inquietação e incertezas que afligiu a todos na pandemia como também um resquício otimista de que o afeto, o cuidado para com o outro, é, como a história já mostrou inúmeras vezes, uma das mais vitais ferramentas de transformação em tempos de cólera. “A solidão se alastrou nas casas e nos lugares e esse filme é sobre isso. É como um grito, um gemido, no meio disso tudo. São artistas fazendo arte dessa pandemia”, diz a diretora que passou cinco dias dentro de um hotel em Ouro Preto, Minas Gerais, para filmagem do projeto.
Para além da temática pertinente, a produção do curta-metragem é um espelho do que tem sido a atual odisseia do audiovisual brasileiro. Em meio a tanto desmonte, consequência de um governo que enxerga a arte e cultura como despesas e não investimentos, diversos filmes brasileiros, principalmente os curtas-metragens, que sofrem com uma queda de produção exponencial desde 2015, apesar de terem encontrado na internet uma plataforma independente de criação, precisam enfrentar burocracias, embargos e carência financeira para que consigam, enfim, chegar ao seu destino final e alçar voos.
É de se imaginar que alguém como Bárbara Paz, que tem sido um dos principais expoentes em levar a cultura nacional para o mundo, não haveria de enfrentar tais percalços. E, no entanto, a realidade dela é como a de muitos outros que não desistem do afã artístico: depois de precisar recorrer ao financiamento coletivo para levar seu documentário às temporadas americanas de premiação, “Ato” foi todo feito com o dinheiro remanescente de outras produções. Com exibição única marcada no domingo, dia 12, este filme, que integra o repertório brasileiro do Festival do Rio ao lado de outros trabalhos resistentes, como “Medida Provisória” — película de Lázaro Ramos impedida de ser lançada nacionalmente pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) –, é apenas um prelúdio de algo maior do que está por vir. Bárbara Paz deseja transformá-lo em longa-metragem e, assim, fazer esse ato ecoar mais além.
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