Atuante na luta da mulher negra, Tatiana Tibúrcio será destaque em “Garota do Momento” e assume direção teatral


“Consequência de uma luta que vem de longe. Uma luta por espaço e pertencimento que a cada parte da estrada vai ganhando mais força e dimensão”, diz a atriz sobre estar à frente de papel na próxima novela das 18h da Globo. Ela pode ser vista ainda na montagem de “Ponciá Vicêncio”, baseada no livro de Conceição Evaristo. Além do teatro, a voz de Tatiana Tibúrcio ecoa, rompendo as margens impostas pelo silêncio, onde a existência negra resiste e floresce. Um de seus gritos é pela preservação da escola que a fez atriz, a Martins Pena, do Centro do Rio, que está em ruínas há muitos anos. “É triste que o estado brasileiro e suas instâncias de poder não dão valor a esse tipo de educação”. No palco e na tela, Tatiana desenha histórias que desafiam o esquecimento, revelando a força de uma luta antiga, mas sempre urgente. Cada palavra sua é um grito de liberdade, cada papel, um passo em direção à igualdade. Entre o teatro e a novela, Tatiana reescreve o destino, tecendo uma narrativa que abraça a pluralidade da alma brasileira.

*por Vítor Antunes

Ser mulher é mais que ser. É existir. Existir num mundo que, muitas vezes, as invisibiliza, que as põe “à margem de“. Se essa mulher é preta, mais ainda lhes é complexa a capacidade da fala. Camadas e marcadas de um preconceito agressivo compõem uma sociedade que precisa gritar o grito que há no grito – como diria Conceição Evaristo – para ser ouvida. A citação à poetisa preta das Minas Gerais não é gratuita. É dela que surge “Ponciá Vicêncio“, montagem dirigida por Tatiana Tibúrcio e Renato Farias, estrelada pela própria Tatiana, por Damiana Inês e Luciana Lopes. Para Tatiana, tanto esta montagem como a de “Falas negras“, na qual encenou à personagem-da-vida-real Mirtes Renata, mãe do menino Miguel Otávio, morto ao cair do nono andar de um prédio do Recife, em 2020, e pela qual recebeu o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) de Melhor Atriz. Para Tatiana, mulheres negras aprendem desde cedo a “conviver tanto com falas quanto com silêncios porque, como dizia, Lelia González (1935-1994), uma mulher negra precisa saber negociar para que se consiga avançar, visto que em um país racista, qualquer passo em falso atrasa muito nossa caminhada”.

A atriz atuou em “Terra e Paixão“, um dos últimos grandes sucessos das 21h, e agora estará na próxima das 18h, “A Garota do Momento“. Em ambas, uma atriz preta protagoniza a trama – algo que não era tão recorrente até bem pouco tempo atrás. Para Tatiana, este é um movimento importante. “Consequência de uma luta que vem de longe. Uma luta por espaço e pertencimento que a cada parte da estrada vai ganhando mais força e dimensão”. Inclusive, esse avanço das pautas raciais nas artes, para a atriz, é “algo extremamente necessário por colocar em cena 57% da população brasileira. Uma representação que não se limita à cor da pele, mas que se estende também as questões que permeiam nosso universo em toda sua pluralidade.  Isso faz a diferença”.

A liberdade negra é a mesma retratada na próxima novela das 18h. A protagonista, Beatriz (Duda Santos) passa a ser o rosto famoso para a propaganda ao estrelar um comercial de sabonetes. A trama, com todos os entrechos típicos de um folhetim, e de maternidade conta a busca de duas “Beatrizes“, uma boa e uma má (Maísa Silva) em busca da mãe. Para Tatiana, a novela de Alessandra Poggi “é um projeto muito bacana que apesar de ser uma novela de época, traz uma proposta muito consciente sobre o olhar para retratar essa época. Não adianta mais mostrar o que foi só como foi, mas principalmente, como poderia ter sido. Acho que o público vai gostar”.

 

Por tanto falar sobre maternidade na novela, Tati não titubeia. Para ela emoção maior da vida é seu flho, João. Afinal, ser mãe é algo como abraçar o universo em um só ser, em sintonia com outra vida. Cada sorriso do seu preto é uma centelha de luz que alimenta sua alma, cada lágrima – caso haja – possa ser corrente de redescoberta. A emoção, enfim, não é só amor; é a descoberta de que, ao gerar um filho, ela renasce.

Cria da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena, no Rio, Tatiana é uma das que lamenta o estado de degradação que a escola enfrenta há muitos anos. Ano passado, 2023, portanto, a escola chegou a ficar interditada por não haver segurança nas suas instalações – que corriam risco de desabamento. Tal como o sobrenome sugere, a instituição funciona, a duras penas, a despeito de ser a primeira instituição pública no ensino de teatro da América Latina. “A Martins Penna me ensinou a ser gente. Apresentou o meu lugar no mundo. Uma escola que me ensinou a ser atriz a partir da compreensão do que é ser humano”.

É triste que o estado brasileiro e suas instâncias de poder não dão valor a esse tipo de educação – Tatiana Tibúrcio

Edifício da Martins Penna em ruínas no Centro do Rio (Foto: Reprodução/Facebook)

Com todo som, na boca nas palavras, e no tom das sílabas caladas que admitem o silêncio, mas não serem silenciadas, Tatiana Tibúrcio está aí. Para destoar, dissolver, despertar e dizer.