Alguns atores sempre serão sucesso, independente da polêmica de influencers atuando pelo número de seguidores


Listamos cinco atores que sempre serão inspiração e sucesso, independente do número de seguidores nas redes que tenham ou possam vir a ter. Com o auxílio do roteirista e pesquisador em teledramaturgia Valmir Moratelli, refletimos aqui sobre construção e legado artístico, e o movimento de pessoas da internet indo para o audiovisual e atores criando canais na internet, abrindo novos espaços de comunicação com seu público

*Por Brunna Condini

Recentemente, a atriz Samya Pascotto, sucesso na Netflix, levantou a bola “que vivemos um período que, para além dos rostos que se repetem na TV – e não digo que quem está lá não mereça, falo de ofertas de oportunidades – existem, por exemplo, muitos influenciadores fazendo também o trabalho de atores. Não que não possam se tornar atores, mas seria bom que estudassem para isso. Não acho que exista só um tipo de escola, mas é alguém que pretende se dedicar à profissão? Vai ser um ofício? Porque tem gente se dedicando, batalhando por espaço”. Fomos ouvir o roteirista e pesquisador em teledramaturgia Valmir Moratelli e ele foi tácito: “A nossa relação com a memória afetiva e histórica do Brasil é muito fluida, o que é um absurdo. Essa nova geração, por exemplo, não faz ideia de quem foi Paulo José. Então, a ficção tem um papel importantíssimo de propor uma análise crítica da sociedade. E quem dá a ‘cara’ para essas histórias, são os atores. A sociedade brasileira tem uma ‘dívida’ principalmente com as telenovelas neste sentido, porque são elas que amalgamam, que reúnem o Brasil num só contexto de país”.

As recentes e irreparáveis perdas de Tarcísio Meira, decorrente de complicações da Covid-19, aos 85 anos, no início deste mês, e de Paulo José, aos 84 anos, por conta de uma pneumonia, nos deixaram frente à frente com a finitude dos grandes artistas do país. Gente que fez do ofício a devoção de uma vida, deixando um legado para a arte e a cultura que vai além dos trabalhos e papéis emblemáticos. Tarcísio tinha de carreira quase o tempo da televisão brasileira, com cerca de seis décadas de trajetória, além de sucesso no teatro e cinema. Tal qual Paulo José, que com tempo similar dedicado à arte, mesmo com uma carreira consolidada na TV, nunca abandonou o teatro e o cinema, inclusive como diretor. Paulo nunca deixou de estudar, de investigar, atividade que para ele tornava o ofício ainda mais interessante.

Tarcísio Meira e Paulo José nos deixaram este ano: atores dedicaram mais de seis décadas de vida à arte (Reprodução)

Tarcísio Meira e Paulo José nos deixaram este ano: atores dedicaram mais de seis décadas de vida à arte (Reprodução)

Um ator ou uma atriz viram referências e podem influenciar pessoas, mas têm um caminho percorrido até ganharem relevância. E esse caminho geralmente é pautado no seu trabalho artístico, seu ofício. No entanto, de uns anos para cá, muitas celebridades de plataformas como o Instagram, nascidas sem a ajuda da TV, ultrapassaram em ganhos e oportunidades vários atores com carreira consolidada. Esse novo perfil de famoso, o influenciador, que pode exercer capacidade de influência na tomada de decisão de seus seguidores, fazendo disso uma profissão, e não depende de emissora ou personagem, fez com que muitos atores e atrizes se preocupassem, para além do investimento na carreira, também com número de seguidores, visando gerar engajamento e certa relevância na internet. Há os atores que ‘cedem’ a essas novas demandas e os que seguem sua trajetória sem dar importância ao fenômeno. O fato é, que nada mais será como antes depois do crescimento do mundo digital.

Tanto que nos últimos anos, artistas que ganham visibilidade na internet têm feito as vezes de influenciadores e garotos propaganda para marcas. Mas isso pode se tornar um problema na vida profissional dele? “Não acredito que um ator com muitos seguidores seja sinônimo de falta de talento. Isso não se relaciona. Temos, por exemplo, um fenômeno que veio com a pandemia, que é o Ary Fontoura, redescoberto pelas gerações mais digitais, como um ator totalmente engajado dentro dos memes da internet. E se tornou queridíssimo por um público que não viu sua trajetória. Esse diálogo com as novas gerações é muito importante, e para isso as redes são ferramentas fundamentais para os atores que queiram e possam dialogar com esse público que não assiste muito TV”, opina Moratelli.

Ary Fontoura vem fazendo sucesso no Instagram durante a pandemia (Reprodução)

Ary Fontoura vem fazendo sucesso no Instagram durante a pandemia (Reprodução)

“Por outro lado, qualquer tipo de publicidade deve ser feita com as diretrizes que aquele ator ou atriz seguem na sua vida cotidiana. Um ator só perde ao se tornar um influenciador se não passar verdade no que está vendendo. É muito importante, que um artista ao fazer qualquer tipo de publicidade, seja ela nas redes sociais ou nas mídias tradicionais, esteja de acordo com as políticas da empresa que vende determinado produto. Como por exemplo, fica contraditório que um ator que se diz vegano, faça a propaganda de uma empresa que vende carne ou derivados dela. Ou um ator que faz posts a favor da Amazônia, faça qualquer tipo de propaganda relacionada ao agronegócio. Têm esses conflitos de interesses que é bom ficar atento”.

O outro lado 

Mas e os influenciadores digitais que vem sendo escalados para trabalhar como atores em produções audiovisuais? Tem sido algo constante vermos produtores de conteúdo em produções em canais abertos e fechados, muitas vezes com a missão de tentar resgatar um público perdido para o entretenimento virtual. Muitos enxergam com bons olhos essa troca: pessoas da internet indo para o audiovisual e atores criando canais na internet, abrindo novos espaços de comunicação com seu público. Mas esse movimento também impõe pontos que trazem reflexão. Para Marcus Montenegro, que tem 30 anos no ramo de empresariamento de atores, e ano passado lançou o  livro “Ser artista”, escrito em parceria com Arnaldo Bloch, no qual reúne a história de grandes artistas e dicas para quem quer seguir a profissão; independente da trajetória de cada um, para atuar é preciso estudo e dedicação.

“Lamento a banalização da internet e das pessoas ficarem preocupadas em ter likes e quantidade de seguidores, só por ter. Porque é quantitativo e não qualitativo. Acho que os jovens têm um poder maravilhoso nas mãos, poderiam ser verdadeiros agentes transformadores. Aproveitar toda essa popularidade da internet, esses influenciadores digitais que existem aí, e influenciar a formação de um povo com mais cultura. Imagina se todos esses jovens com muitos seguidores plantassem a arte? Comentassem de bons filmes, boas peças, músicas, livros? Poderíamos fazer dessa máquina que temos nas mãos uma verdadeira revolução cultural e que serve de base para a transformação de um país”.

Alguns influenciadores, como Kéfera , reúnem a formação e o conteúdo ao fazer esse movimento: ela vem investindo cada vez mais na carreira de atriz (Divulgação)

Alguns influenciadores, como Kéfera , reúnem a formação e o conteúdo ao fazer esse movimento: ela vem investindo cada vez mais na carreira de atriz (Divulgação)

Alguns influenciadores, como Kéfera Buchmann, reúnem a formação e o conteúdo ao fazer esse movimento. Foi assim quando a blogueira fez sua primeira novela na TV Globo, ‘Espelho da Vida’ (2018). Kéfera, que além de ser um fenômeno da internet, estudou teatro, afirmou na ocasião, que o preconceito contra pessoas da web na TV existe. Elogiada por sua performance, ela afirmou que foi bom se desafiar, e hoje está cada vez mais voltada para a carreira de atriz, inclusive no elenco de uma nova série no GNT com direção de Pedro Vasconcelos, ainda sem data de estreia. “Essa questão do talento hoje muitas vezes aliado ao número de seguidores, cai por terra quando analisamos o talento e a contribuição cultural de grandes atores. Isso é fundamental para resgatarmos valores que estão cada vez mais em xeque na atualidade. Você pode até ter muitos seguidores, mas se não tiver talento, não deixará sua contribuição no mundo, não vai fazer diferença, provocar inquietações na sociedade. Ou seja, não será um artista com relevância. A arte se faz com barulho das ruas, com aplausos do público, não com likes de posts. Ocupar esse lugar de protagonista, passa por todos esses caminhos”, conclui Valmir Moratelli.

E você, o que pensa sobre o assunto?

Para quem deseja atuar se inspirar

Com o auxílio de Valmir Moratelli, escolhemos cinco atores que sempre serão sucesso, independente do número de seguidores nas redes que tenham ou possam vir a ter: “São artistas que se firmaram com talento e com a multiplicidade de papeis que viveram ao longo da sua história”.

Fernanda Montenegro: “Qualquer lista deste tipo deve ser encabeçada por ela, que é um grande nome da TV, do teatro e do cinema brasileiros. Fernanda é uma unanimidade. Qualquer coisa que ela faça emociona, até falando uma receita de bolo (risos). Sempre partimos do princípio que se Fernanda fosse americana teria mais Oscars do que a Meryl Streep , por exemplo”.

“Qualquer lista deste tipo deve ser encabeçada por ela, que é um grande nome da TV, do teatro e do cinema brasileiros. Fernanda é uma unanimidade" (Foto: Leo Aversa)

“Qualquer lista deste tipo deve ser encabeçada por ela, que é um grande nome da TV, do teatro e do cinema brasileiros. Fernanda é uma unanimidade” (Foto: Leo Aversa)

Antônio Fagundes:

“Com a morte do Tarcísio Meira, acredito que quem assume o ‘trono’ de grande galã da nossa teledramaturgia é o Antônio Fagundes. Sei que é ousado essa coisa de assumir o posto de outra pessoa, mas o Fagundes vai do fazendeiro, latifundiário ao caminhoneiro. Do imigrante italiano ao paulista popular, dono de feira. Ele tem essa capacidade de se deslocar na pele de proletário a de empresário. Isso só confirma o conjunto de camadas da sua capacidade de representar tantos caminhos possíveis para o ser humano. Os diversos tipos de brasilidade que se consegue ter”.

“Com a morte do Tarcísio Meira, acredito que quem assume o ‘trono’ de grande galã da nossa teledramaturgia é o Antônio Fagundes" (Divulgação)

“Com a morte do Tarcísio Meira, acredito que quem assume o ‘trono’ de grande galã da nossa teledramaturgia é o Antônio Fagundes” (Divulgação)

Tony Ramos: “É um nome que não poderia faltar nesta lista dos grandes atores que influenciam. Ele tem uma história linear e constante com a televisão, por tantos personagens marcantes. Tony merece ser citado sempre, o ‘bom moço’, que mesmo fazendo vilão agrada seu público fiel. Aliás, Tony tem mesmo um público cativo que acompanha sua carreira”.

"É um nome que não poderia faltar nesta lista dos grandes atores que influenciam. Ele tem uma história linear e constante com a televisão, por tantos personagens marcantes" (Foto: Fabio Rocha)

“É um nome que não poderia faltar nesta lista dos grandes atores que influenciam. Ele tem uma história linear e constante com a televisão, por tantos personagens marcantes” (Foto: Fabio Rocha)

Glória Pires: “Uma atriz que se dedica quase que exclusivamente à televisão. Ela tem uma coleção de personagens inesquecíveis na TV, apesar de ter feito bastante cinema. Mas é na televisão que está o seu público. Aliás, todos eles desta lista têm uma carreira dimensionada no nível nacional graças a esse produto chamado telenovela. É a novela que conversa com as problemáticas da nossa sociedade, que é muito marcada pela desigualdade social”.

"Glória é uma atriz que se dedica quase que exclusivamente à televisão. Ela tem uma coleção de personagens inesquecíveis na TV, apesar de ter feito bastante cinema. Mas é na televisão que está o seu público" (Reprodução)

“Glória é uma atriz que se dedica quase que exclusivamente à televisão. Ela tem uma coleção de personagens inesquecíveis na TV, apesar de ter feito bastante cinema. Mas é na televisão que está o seu público” (Reprodução)

Zezé Motta: “Ela é necessária para se entender o que é o Brasil, esse país misógino, racista, caricatural de si mesmo. A Zezé fura todas as barreiras e se faz presente com sua obra, quase que como uma afronta ao próprio Brasil. A experiência de ver a Zezé atuando é a mesma de assistir à uma aula de sociologia. A sociedade clama por diversidade há décadas e ela está aí, mostrando que é possível. É um nome que deve sempre ser lembrado por sua contribuição no cinema, mas extrapola essas vertentes culturais, já que faz muitas coisas. E mesmo quando são participações em TV, são trabalhos marcantes. É uma atriz completa, porque canta também. Fico muito feliz de ter a Zezé no meu segundo filme ‘Prateados – A vida em tempos de madureza”, que estreia no final de setembro”.

“Ela é necessária para se entender o que é o Brasil, esse país misógino, racista, caricatural de si mesmo. A Zezé fura todas as barreiras e se faz presente com sua obra, quase que como uma afronta ao próprio Brasil" (Foto: Bendito Benedito)

“Ela é necessária para se entender o que é o Brasil, esse país misógino, racista, caricatural de si mesmo. A Zezé fura todas as barreiras e se faz presente com sua obra, quase que como uma afronta ao próprio Brasil” (Foto: Bendito Benedito)