“Acredito muito na cura através da observação de si e do encontro com o outro”, afirma Fabrício Boliveira


“O Amir Haddad, um dos meus mestres de teatro diz que o que dentro te mata, fora te cura. É fora das próprias questões, na escuta e falas conscientes com o outro que podemos experimentar o amadurecimento do ser”, diz o ator ganhador de inúmeros prêmios em 2019 e que está de volta com a segunda temporada da peça “Pretoperitamar – O Caminho que Vai Dar Aqui”, em São Paulo

*Por Domênica Soares

Imerso no cotidiano e âmago de cada personagem que interpreta, Fabrício Boliveira começou o ano de 2020 com tudo. Neste mês de janeiro está de volta com a segunda temporada da peça “Pretoperitamar – O Caminho que Vai Dar Aqui”. Dirigido por Grace Passô, o musical em cartaz até o dia 19, no Teatro Pompeia, em São Paulo, aborda a vida de Itamar Assumpção, grande compositor brasileiro que faleceu em 2003. Francisco José Itamar de Assumpção deixou um legado magnífico também como cantor, violinista e baixista. Em suas letras que marcaram os anos 70 e 80, Itamar buscou ecoar o discurso da contracultura, uma prática voltada para a produção artística de forma independente.

As conquistas de Fabrício tem sido as mais belas possíveis. Ano passado, ele conquistou o prêmios de Melhor Ator no Festival do Rio. O longa “Breve Miragem ao Sol” tem direção de Eryk Rocha e conta a história de Paulo (Fabrício Boliveira), um homem divorciado que começa a trabalhar como taxista durante a noite na cidade do Rio de Janeiro. “O filme mostra a força que move a mudança dentro de alguém, sejam elas nos atritos e encontros no cotidiano dessa pessoa. A produção toca em muitas feridas sócio-políticas brasileiras e faz um paralelo com a vida do recém taxista”, comenta Fabrício. 

Fabrício Boliveira em cartaz no Teatro Pompeia até o dia 19 (Foto: Divulgação)

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, o ator explica que seu personagem Paulo é um pai que está lutando para conseguir dinheiro e pagar parte do sustento de seu filho em pensão familiar. Ele busca na nova atividade, a possibilidade de reerguer sua dignidade após separação e desemprego em um Brasil de crise. “O olhar do documentário ficcional que o filme apresenta se esbarra em conflitos cotidianos e situações de grande intensidade emocional, refletindo o paralelo do interno e do exterior, do micro e macro, de  um pai e de um país”. O filme aborda ainda questões relacionadas à solidão e Fabrício frisa que acredita na cura através da observação de si e do encontro com o outro. “O Amir Haddad, um dos meus mestres de teatro diz que o que dentro te mata, fora te cura. É fora das próprias questões, na escuta e falas conscientes com o outro que podemos experimentar o amadurecimento do ser”.

Ele explica que a preparação do personagem se deu com base no trabalho intenso baseado no roteiro para que estivesse seguro sobre como iria deixar a vida real invadir a ficção. Além disso, cita que, por exemplo, o diretor optou por trabalhar com taxistas reais durante as cenas para que o público tivesse contato com a realidade de cada um dos personagens por trás da dramaturgia. “Eu não podia me destacar dentro daquele universo real, então o meu jogo era abrir meus sentidos para a realidade além da cena construída. Nessa hora, o roteiro era um pretexto para o acontecimento. Trabalhei com o mestre de capoeira Itapuã, toquei berimbau, joguei muita capoeira, fiz algumas viagens de trem para o subúrbio para um apartamento que alugamos na região”.

Fabrício ainda avaliou a participação na série de Natal da Rede Globo “Juntos a Magia Acontece“, na qual contracenou ao lado de grandes atores, como Milton Gonçalves, Zezé Motta e Camila Pitanga. O programa rendeu muitos aprendizados e felicidades, para o ator. Em seu instagram, ele comentou: “Esse ano uma magia acontece, o sonho de lindas meninas se realizam pelo esforço, pela beleza que elas carregam, pelo talento e pela necessidade. Conheci a Cleissa Regina em um curta que ela assinava a direção de arte. Ela me falou em meio a um almoço, no morro do Salgueiro, do seu sonho de menina. Um especial de Natal aos moldes nas famílias negras, escrito por ela. Me surpreendi quase um ano depois em saber do seu sonho que tinha se concretizado e o melhor disso, que eu fazia parte dele. Honra! Traçado destino, encontro uma menina na idade da Gabriely Mota e com sonho de ser atriz. Pedido que ela fez ao Papai Noel da vida e realizava ali com a gente. Nesse mundo fantástico do subúrbio do Rio de Janeiro, essa família comum negra se reencontra para renovar os votos de amor. História linda e que brilha com presenças de atores ilustres”. 

Ele reflete que hoje em dia sente que as produções brasileiras em canais a cabo internacionais e também com o mercado de séries e programas no Brasil, o contexto artístico ganhou mais destaque. Contudo, diz também que novas políticas do governo têm ameaçado as artes. “Toda ousadia e aprendizado que a arte nacional têm trazido para a formação da cultura brasileira pode não existir. Acho que é uma ideia de idiotizar as questões, deixando tudo raso e sem importância social”, pontua.

Fabrício Boliveira fala sobre cenário da arte no Brasil (Foto:Ricardo Konká)

O ator comenta que com suas produções e trabalhos tem o objetivo de mostrar que a arte tem a função de levar reflexão a cada pessoa que está ligada direta ou indiretamente a cada filme, peça, novela e produção artística. Animado, relembra que em sua ida ao Festival do Rio de 2019 pôde reafirmar e perceber a importância do evento. “Os festivais de cinema são possibilidades de entender um recorte das produções feitas em um período de um ano. Dá para entender o que está passando na cabeça das pessoas naquele período ou local. É sempre uma honra poder trocar com os colegas e observar a reação do público. Acho que é de importância pra todos. Para quem assiste e para quem produz”, afirma o ator que, em 2019, esteve em festivais nacionais e internacionais.

Mas não é somente na cena da arte que o ator faz questão de estar presente constantemente. Ele conta que também participa de trabalhos sociais e tenta estar sempre voltado às questões relacionadas ao próximo, mostrando que empatia e afeto pela sociedade vão além das cenas e ambientes artísticos.