*Por Brunna Condini
Do corredor do prédio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde fica a sala em que Mariana Xavier ensaia seu primeiro monólogo ‘Antes do Ano Que Vem’, conseguimos ouvir a gargalhada da atriz e já entramos no clima. Mas engana-se quem acha que vai ao teatro ver Mariana em mais um papel cômico. Contando os dias para a estreia do espetáculo, em 4 de março, no Teatro Unimed, em São Paulo, ela nos convidou com exclusividade para conferir de perto a montagem dirigida por Lázaro Ramos – por quem também é dirigida no filme ‘Medida Provisória‘ – e Ana Paula Bouzas, que esperou dois anos para ser realizado. Primeiro, os ensaios foram interrompidos em 2020 quando Mariana lesionou a perna em uma queda e, depois, veio a pandemia. “Essa peça é uma fusão da Mariana atriz com a comunicadora. Já falo do tema saúde mental nas redes. É o entretenimento com mensagem. É se identificar, se emocionar e refletir. É meu maior desafio como atriz. Na verdade, diria que o maior desafio está por vir, que será como esse espetáculo e a interação com o público. O tema mexe muito comigo e me emociona”.
Em cena, uma Mariana que se desdobra – com impressionante versatilidade, e fazendo parecer uma missão fácil – para dar vida aos sete personagens, que encaram a virada do ano de formas diferentes, com seus desejos, angústias e alguma solidão. Tudo a partir da trama de Dizuite, a faxineira da Central de Apoio aos Desesperados, uma espécie de CVV (Centro de Valorização da Vida) da ficção, que, na noite de Ano Novo, se vê diante da missão de atender os telefonemas, escutando e acolhendo quem está do outro lado. “Já falei abertamente do quanto sofro com a ansiedade, tive momentos críticos desse Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e fui medicada durante um tempo na pandemia, porque não estava dando conta. Precisamos falar cada vez mais sobre isso, porque existem muitas pessoas atravessando algo do tipo. E quanto mais a gente reluta em olhar para essas questões, mais elas aumentam. As dores emocionais são negligenciadas”, frisa, sobre a peça de Gustavo Pinheiro e com direção de movimento de Márcio Vieira.
“Tivemos o cuidado de dosar o humor com a reflexão para não parecer uma invalidação da dor de alguém, nem deboche ou desrespeito. E estou feliz com resultado, acho que conseguimos. Minha personagem não é da área de saúde, então na peça existem as ‘licenças poéticas’ da arte. Uma amiga foi assistir e disse: “O espetáculo deixa claro que todo mundo precisa fazer terapia”. Queremos chamar atenção para esse cuidado com o emocional, mental de cada um. E é importante que na vida as pessoas busquem ajuda habilitada”. E acrescenta: “Falei com um voluntário do CVV na minha preparação e ele contou que muita gente liga, porque não tem para quem contar até algo que é bom. A solidão é uma grande questão dos dias atuais, a falta de escuta, a pouca disponibilidade de acolhimento para o outro. E isso está lá na peça”.
No último final de semana, a atriz esteve ao lado de Lázaro Ramos em Punta del Este, no Uruguai, no 24º Festival Internacional de Cinema, representando o filme ‘Medida Provisória‘. “É o primeiro filme dele, que enfim estreia em 14 de abril nos cinemas. É incrível trabalhar com ele em dose dupla: no teatro e no cinema. O que guia o trabalho do Lázaro é a palavra ‘afeto”. Me sinto honrada, porque tanto no filme, quanto na peça, ele me enxerga além de um estereótipo. Enxerga uma atriz, e não uma ‘atriz gorda’. No filme, faço uma personagem que começa com uma leveza, mas não é um papel enraçado. Aliás, o filme transita por gêneros: começa na comédia, se torna um thriller de ação, e depois um drama, e todos os personagens acompanham isso. Tive a oportunidade de mostrar um lado do meu trabalho, que as pessoas ainda conhecem pouco. Faço a namorada do personagem do Seu Jorge, uma personagem mais densa, segundo Lázaro, “a branca mais legal do filme”. É uma participação, mas não existe papel pequeno quando se está contando uma grande história”, divide.
“No Uruguai tinha uma particularidade, e eu mesma não sabia deste dado. Lá eles desconhecem o racismo, porque não existem muitos negros. E é muito impressionante mesmo. No hotel em que ficamos, por exemplo, a Laís Gomes, assessora de imprensa, e o Lázaro eram os únicos negros. Fiquei pensando em como se conectariam com a temática, mas o filme foi muito elogiado, ganhamos uma Menção Honrosa unânime do júri, pelo o que chamaram de “maravilhoso legado antirracista. Me emocionei muito lendo o roteiro, é algo importante de ser falado: a tentativa de apagamento da população negra no Brasil. Além disso, o filme é uma obra histórica, que tem a maior quantidade de atores negros à frente e atrás das câmeras. A gente vem falando nos últimos anos de representatividade, mas acho eu já temos que migrar para falarmos de proporcionalidade. Os negros são maioria em nosso país, então esse filme é um marco, que faz jus ao direito que as pessoas têm de ocupar esses espaços”.
Protagonista da sua história
Também produtora, Mariana diz que acumular a função é uma forma de realizar seus sonhos de atriz. “Neste monólogo, além do tema ser atual e necessário, as pessoas poderão ver outras facetas do meu trabalho. Esse é o bom de se produzir: nos damos oportunidades que muitas vezes o mercado não nos dá. Já conquistei muitas coisas, mas ainda tentam me colocar nesta caixinha só da atriz engraçada, e eu sei que posso e desejo muito mais”. E revela: “Tenho muita vontade de fazer drama, essa coisa humana que se conecta com as pessoas. Cheguei a fazer teste para o ‘Sessão de Terapia’, que é uma série que amaria fazer. Alô, Selton Mello, olha a próxima temporada aí! (risos). É uma forma de ter um outro registro do meu trabalho, de mais emoção, que já começo a trabalhar na peça. E também sonho em fazer algo de época”.
E avisa: “Olha, queremos vir para o Rio de Janeiro, mas seguimos sem patrocinador ainda. Para São Paulo e algumas cidades que vamos viajar, nós já temos. Estamos à procura para o Rio. A peça está aprovada para captação de patrocínio via Lei Federal de Incentivo à Cultura”.
Ela se transforma em sete
No início do espetáculo, Mariana nos convida a mergulhar na ficção com ela. E, apesar de ser um monólogo, o palco fica habitado por muitas mulheres ao longo de uma hora de espetáculo. Com fôlego e preparos físico e vocal, a atriz estabelece ‘códigos’ para a chegada de cada personagem em cena, de uma forma tão fluida, que é impossível não reconhecê-las. “Brinco dizendo que é um crossfit teatral (risos). Acho que o universo vai encaminhando, conectando tudo do jeito que têm que ser. Hoje, eu até agradeço por ter quebrado a perna. O que parecia uma tragédia, porque aconteceu pouco antes da estreia desta peça, primeiro foi um aviso prévio da pandemia, como se fosse para não estrear, porque eu estaria ‘queimando cartucho’, já que tudo parou. Seria um desperdício de trabalho. A peça mudou de lá para cá, mas já era intensa fisicamente. E era um sofrimento pra mim. Sentia muitas dores, era difícil dar conta. Na época já estava trabalhando muito e não dava a atenção para minha saúde como deveria. Ter quebrado a perna, me obrigou a fazer uma reabilitação muito intensa, e me proporcionou inserir a atividade física na minha vida com regularidade”.
E completa: “O meu acidente só não foi mais grave, porque eu tinha uma estrutura muscular de alguém que nunca foi sedentária, sempre fiz alguma atividade. Percebi que não podia deixar para cuidar da minha saúde no tempo que me sobrava, até porque nunca sobra. Não dá para contar com a sorte, meu corpo é meu instrumento de trabalho. Comecei a olhar para a minha agenda separando o tempo que cuidaria dele. O resto encaixo. Neste período de pandemia, me reabilitei e me condicionei para este momento da peça. Além disso, faço preparação corporal, vocal, porque não tem mudança de figurino, nada, é no corpo e na voz”.
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