Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “War”. ” Novo texto de Renata Mizrahi traz Verônica Reis no melhor momento de sua carreira”


O espetáculo, que tem direção de Diego Molina, cumpriu temporada no Teatro I do Sesc Tijuca e agora entra em cartaz no Teatro do Sesi, na região central do Rio de Janeiro

* Por Rodrigo Monteiro

“War”, novo espetáculo a partir de texto de Renata Mizrahi, celebra o aniversário de dez anos da Companhia Teatro de Nós. O espetáculo, que tem direção de Diego Molina, cumpriu temporada no Teatro I do Sesc Tijuca e agora entra em cartaz no Teatro do Sesi, na região central do Rio de Janeiro. No elenco, Camilo Pellegrini, Clara Santhana, Fabrício Polido, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis, essa última em grande momento de sua carreira, apresentam ótimas interpretações. No texto, três casais de velhos amigos se encontram para jogar uma partida de War, mas, ao longo da noite, talvez o alcance desse objetivo não se realize plenamente. Eis uma ótima opção na programação de teatro carioca.

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Clara Santhana, Verônica Reis, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves, Fabrício Polido e Camilo Pellegrini no ótimo espetáculo “War” (Foto: Divulgação)

Quando a história começa, faz seis meses que o casal André (Ricardo Gonçalves) e Marília (Natasha Corbelino) se mudou para um apartamento próprio, comprado por ela, afastado da Zona Sul do Rio. Eles estão juntos há mais de dez anos, tendo se unido quando ele, ainda bem jovem, fez sucesso com o roteiro de um filme que o projetou para o mundo. Agora, no entanto, a frustração profissional o faz sentir-se inferior à esposa, cujas promoções no trabalho são constantes. Na nova casa, a sensação de fracasso, tanto dele que não consegue pagar as próprias contas, quanto dela que se percebe incapaz de agradar ao marido, explodem na noite em que o casal recebe, pela primeira vez, antigos amigos para uma partida de War. Gustavo (Fabrício Polido) e Roberta (Verônica Reis), que moram juntos mesmo após a separação, são os primeiros a chegar. Parecido com o que acontece com o casal anfitrião, entre os convidados, é ele quem se sente frustrado pela perda de poder por sobre a ex-esposa, essa desempregada há um longo tempo. Por fim, chega Sérgio (Camilo Pellegrini), trazendo sua nova namorada Laura (Clara Santhana) para a surpresa do grupo que nunca o havia visto em um relacionamento sério.

Nessa dramaturgia original de Renata Mizrahi, o melhor é observar como, tal qual nos textos de “Os Sapos” e de “Silêncio!”, da mesma autora, um evento social acaba por ser campo de batalha onde os personagens revelam o pior de si mesmos. Aqui, como nesses dois textos anteriores, a intimidade compartilhada por parte do grupo permite a emergência de sentimentos mais profundos. As mágoas jogadas para fora, porém, acabam por ficar ainda maiores no olhar daquele que, na situação ficcional, é estranho aos demais. Laura, de “War”, assim como é Paula, de “Os Sapos”, e Flávio, de “Silêncio!”, garante o lugar constrangido do espectador dentro de um vulcão de relações que entra em erupção depois de tanto tempo. Incapaz de tomar alguma atitude para resgatar aqueles que se sujam na lama do íntimo revelado, resta o riso nervoso, a reflexão e a catarse.

War, jogo da Grow lançado no Brasil em 1972, originalmente criado pelo cineasta francês Albert Lamorisse (1922-1970), surge como falsa chave que dá acesso aos conflitos da ficção. Diante do mapa do mundo, os jogadores duelam entre si pela posse de territórios, vencendo quem primeiro atingir o objetivo pessoal e secreto sorteado antes do início da partida. Nesse confronto de estratégias, não há quem fique imune à experiência do próprio ego. Não é, por isso, tola a aproximação dessa dramaturgia com a de “Quem tem medo de Virgínia Woolf?”, do norte-americano Edward Albee, pois em ambos as brincadeiras ácidas, o álcool e o avançar da madrugada, além dos convidados estranhos, são caminhos através dos quais os protagonistas buscam o limite para, quem sabe daí, vislumbrarem um recomeço. Renata Mizrahi vence mais uma vez!

Clara Santhana, Verônica Reis, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves, Fabrício Polido e Camilo Pellegrini em cena de "War" (Foto: Divulgação)

Clara Santhana, Verônica Reis, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves, Fabrício Polido e Camilo Pellegrini em cena de “War” (Foto: Divulgação)

A direção de Diego Molina aponta caminhos, mas não oferece o melhor do quadro que ela mesma bem propõe. A evolução da narrativa marca as proximidades e as distâncias entre os casais: quem está junto mas separado, quem está separado, mas junto e quem, além de junto, está próximo. Na encenação, as teses marcantes da escrita de Mizrahi, também estão claras: o amor pode unir célebres e fracassados, a atração sexual não anula a história compartilhada, a reinvenção da realidade tem limite como meio de sobreviver à vida. No entanto, a falta de dosagem na sucessão de quadros enche de responsabilidade o texto como quase o único elemento capaz de falar sobre as quebras de cada personagem. Em outras palavras: no panorama apresentado por Molina, os personagens chegam ao final exaustos, mas com as mesmas visões do início apesar de habitarem em um ambiente formalmente destruído. O melhor momento da direção é o olhar final de Roberta (Verônica Reis) ao beijo entre Sérgio e Laura (Camilo Pellegrini e Clara Santhana): não só uma saudade do amor em seu estado inicial, mas uma pontinha de esperança de que tudo sempre pode recomeçar.

Todos os atores de “War” apresentam ótimos trabalhos de interpretação, mas há maior destaque nos de Natasha Corbelino (Marília) e principalmente no de Verônica Reis (Roberta), essa última em uma das melhores atuações de sua carreira. É vibrante acompanhar, através do olhar de Reis, uma criteriosa opinião sobre todos os acontecimentos que sua personagem presencia. Com menos oportunidades, o mesmo pode ser visto em Camilo Pellegrini.

Clara Santhana, Verônica Reis, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves, Fabrício Polido e Camilo Pellegrini em cena de "War" (Foto: Divulgação)

Clara Santhana, Verônica Reis, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves, Fabrício Polido e Camilo Pellegrini em cena de “War” (Foto: Divulgação)

A cenografia de Lorena Lima e do diretor faz discreta referência ao movimento proposto última e celebremente por Daniela Thomas em “Pterodáctilos” sem a força devida. Também em pequena participação, os figurinos de Patrícia Muniz opinam pouco sobre o universo dos personagens. A luz de Anderson Ratto, mantida nas tradicionais varas superiores, contribui para a negativa linearidade aparente da ação. Apesar da ótima colaboração da trilha sonora de Renata Mizrahi, o quadro todo perde ótimas oportunidades de argumentar em favor de uma estética mais sensível.

“War” é a sexta peça adulta da Companhia Teatro de Nós. Um trabalho que vale a pena ver!

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Ficha Técnica:
Texto: Renata Mizrahi
Direção: Diego Molina
Cenário: Lorena Lima e Diego Molina
Elenco: Camilo Pellegrini, Clara Santhana, Fabrício Polido, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis
Direção de arte e Figurinos: Patrícia Muniz
Iluminação: Anderson Ratto
Trilha Sonora: Renata Mizrahi
Direção de movimento: Juliana Medella
Assistente de direção: Carolina Godinho
Fotos e Vídeos: Ananda Campana
Programação visual: IviSpezani
Intérpretes de Libras: JDL Acessibilidade na comunicação
Direção de produção: Maria Alice Silvério
Produção e Realização: Companhia Teatro de Nós

Serviço:
Onde: Teatro SESI – Av. Graça Aranha, 1 – Centro – Rio de Janeiro
Quando: 3, 4, 5, 10, 11, 12, 17, 18, 19 24 e 25 e 26 de setembro de 2015  às 19h30
Quanto: Inteira R$ 30; Meia R$ 15
Duração: 90 min

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.