Felipe Cabral, diretor artístico do Festival de Teatro Universitário, FESTU, reforça a importância da representatividade no mundo das artes


“Se não vemos nossa comunidade LGBTQIA+ na arte, parece
que não fazemos parte do mundo”, pontua o diretor

Felipe Cabral está a mil e tem motivos de sobra para isso. Comemora a realização da 12ª edição do Festival de Teatro Universitário, o FESTU, no Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. O evento foi realizado entre os dias 1 e 3 de julho e já revelou jovens talentos, como Jéssica Ellen, Johnny Massaro, Julia Stockler, Luiza Loroza, Karina Ramil, Igor Cosso, entre outros. O público acompanhou as 18 cenas escolhidas pela curadoria do festival para a “Mostra Competitiva”.

Felipe Cabral, Diretor Artístico do Festival de Teatro Universitário, FESTU (Foto: Fabio Audi)

Adepto de uma arte inclusiva e diversa, o carioca de 36 anos ressalta a importância do retorno dos movimentos culturais neste momento. “Todos nós sentimos falta do calor dos aplausos ao vivo, da troca de energia, do abraço e da vibração. E o FESTU é assim: um festival onde a plateia se envolve e torce muito pelos grupos participantes. A emoção vem de todos os lados, porque nós também acompanhamos todo o processo seletivo dos grupos participantes. Este ano, voltamos em grande estilo no Teatro João Caetano, um espaço tradicional e importante para a história do nosso teatro. Queríamos que o nosso retorno ao modo presencial fosse vibrante, divertido, leve, depois de tantos meses pesados que enfrentamos e ainda precisamos lidar. Por isso, a ideia de realizar festas todos os dias após as apresentações, com pipoca gratuita e um preço popular. Queremos celebrar nosso retorno”, explica Felipe.

Considerado por Felipe um templo sagrado, o teatro foi o local onde ele teve o seu primeiro contato com a arte e onde se reconheceu como homem gay. “Foi ali que eu me encontrei. Quando entrei no Tablado, em 2005, ainda não tinha ‘saído do armário’ como um homem gay, porque na escola onde estudava, o colégio católico São Bento, não havia nenhuma abertura para a diversidade. Pelo contrário, eu escutava que ser gay era pecado. No teatro, a história era outra. Foi o primeiro lugar que convive com a diferença, com amigos LGBTQIA+, com a ideia de fortalecer o coletivo, de valorizar o afeto, a troca, a escuta e a empatia. E no teatro você não sente a pressão do mercado para se encaixar em um padrão, para fotografar de tal jeito, para ter tal corpo, para ganhar tantos seguidores. No teatro, você pode experimentar, pode se jogar, descobrir, contar as histórias que você quiser. Eu me sinto muito livre quando faço teatro”.

‘Se não vemos nossa comunidade LGBTQIA+ na arte, parece que não fazemos parte do mundo’ (Foto: Fabio Audi)

Talvez por isso, a causa LGBTQIA+ sempre tenha norteado os seus trabalhos. Na novela “Totalmente Demais”, Felipe foi o responsável pelas cenas onde se debateu a homofobia e, em “Bom Sucesso”, escreveu o primeiro beijo gay do horário das 19h. Em 2015, ele foi apontado como um dos jovens mais influentes na comunidade LGBT pelo portal BuzzFeed. Para Felipe, a arte é um território perfeito para abordar as questões que a sociedade prefere ignorar.

 

“Eu precisei colocar minhas questões como um homem gay nos meus primeiros curtas-metragens porque não encontrava histórias em que conseguia me ver. Felizmente, a partir dos meus projetos, conheci muita gente talentosa que estava criando obras com protagonismo LGBTQIA+. A arte tem essa importância em retratar o mundo em que vivemos. Mas, se nós não vemos nossa comunidade LGBTQIA+ na arte, parece que não fazemos parte do mundo. A falta de representatividade dá a ideia de que não pertencemos ao mundo à nossa volta, somos excluídos. E nós precisamos mudar esse cenário. Por isso, eu nem vejo a vida de pessoas LGBTQIA+ como uma ‘temática’. Ninguém olha para a literatura escrita por autores heterossexuais e fala que são livros sobre a ‘temática heterossexual’. São histórias sobre pessoas, com seus conflitos e afetos. As histórias e conflitos protagonizados e/ou escritos por LGBTQIA+ também deveriam ter o mesmo espaço no cenário cultural porque, veja só, nós existimos e também queremos nos ver na ficção”.

 

O jornalista, ator, escritor, diretor e roteirista ainda se assusta com o fato de que demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo sejam consideradas um tabu ou que ainda causem qualquer tipo de reação violenta na sociedade.  “Pessoas LGBTQIA+ ainda apanham e são mortas nas ruas por conta da LGBTfobia. Então, eu acredito que para curar esse país do preconceito, é preciso desconstruir esse ódio, tirar a penumbra desse medo irracional que ainda faz com que muita gente sofra por aí. E acredito que a arte tem esse poder transformador, em todas as esferas. Seja numa novela, falando para milhões de pessoas por dia, seja no fortalecimento de espaços seguros e inspiradores como festivais de cinema LGBTQIA+ ou seja com o crescimento de uma literatura jovem publicada por grandes editoras. Quanto mais nossas vivências e histórias e conflitos estiverem por aí, melhor para todes”.

 

Apaixonado pelo seu trabalho, Felipe já sabe o que vai fazer assim que a 12ª edição do FESTU terminar. “Vou planejar a próxima edição”, diz ele com olhos brilhando. Além disso, também estão em seus planos montar um espetáculo teatral e trabalhar em parceria com o humorista e apresentador Fábio Porchat. “Eu comprei os direitos de um espetáculo teatral australiano para montar como ator em 2023 aqui no Rio de Janeiro. Como roteirista, estou com dois projetos com o Fábio Porchat, para um filme e para uma série, que devem começar já agora em Julho. E como escritor, já estou estruturando a continuação do meu primeiro romance, ‘O primeiro beijo de Romeu’, publicado pela Galera Record e trabalhando para uma possível adaptação audiovisual da obra”, finaliza.