A 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira, realizada na noite de quarta-feira (14/5) no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, celebrou a tradição e a história em uma cerimônia daquele tipo que deixa os brasileiros cheios de orgulho. Tendo o samba como grande homenageado da noite, o evento – impecável! – olhou para a linha do tempo e deu as mãos com medalhões cujas trajetórias se firmaram no passado, mas que continuam se fazendo presentes na cena nacional, quilômetros acima de lepo lepos e outras banalizações predispostas somente a arrancar tostões das massas. Entre apresentadores, números musicais e agraciados, a premiação orquestrada por José Maurício Machline subliminarmente fez questão de enfatizar que a nossa valiosa cultura suplanta a mediocridade reinante em vários segmentos da sociedade e quaisquer agruras da conjuntura atual, deixando claro que não faz sentido o desânimo geral do público, que mistura em um mesmo balaio o descrédito na classe política e a capacidade de o Brasil fazer acontecer um evento de primeira linha, como a Copa do Mundo.
Sim, as idiossincrasias de Brasília e sua rede de asseclas país afora são assustadoras, mas nada disso ofusca o rico brilho de nossa cultura, que anda firme por si só, como uma majestosa rainha nagô que, mesmo tendo sido levada em cativeiro, permanece altiva. E, valorizando o que é nosso sem ser ufanista, a noite foi do samba, uma das expressões máximas do país, “sem nome, sobrenome, RG, nem naturalidade certa”, como afirmou Gilberto Gil, um dos primeiros a subir em cena, aproveitando para evocar o berço disso tudo, a África. Como diz Zélia Duncan no programa entregue aos convidados (e também responsável pelos ótimos textos dos apresentadores): “O Samba pede passagem”. Mas quem seria o louco de tentar obstruir sua evolução, com tantos talentos cultivados pelo país, como se este fosse uma fértil estufa.
A plateia, calorosa, já se emocionou desde o início, com as homenagens a José Wilker e Jair Rodrigues e a um punhado de baluartes que se foram – Oscar Castro Neves, Décio Carvalho, Nelson Ned, João Araújo, Reginaldo Rossi, Alexandre Pessoal e Dominguinhos – seguindo aquela fórmula que tem funcionado no Oscar, com belas imagens projetadas. Deslumbrante, o cenário de Gringo Cardia, com palco em colorido quadriculado e sobreposição de telões de LED por onde percorriam imagens de quadros do artista plástico e sambista Heitor dos Prazeres, revelou um dos melhores aproveitamentos do Municipal nos últimos tempos, e a direção dinâmica de Machline e o roteiro ágil de Zélia colaboraram para a noite passar gostosa, sem a sensação de eternidade que esse tipo de celebração costuma causar nos presentes. A primorosa iluminação de Césio Lima se encarregou de unir a modernidade da cenografia aos elementos clássicos da arquitetura do teatro em um todo bem resolvido, amplificado pela qualidade das telas gráficas projetadas no fundo. Sim, o Brasil sabe fazer evento de primeira sim e, mesmo com o descaso daqueles que estão no topo da cadeia alimentar político-econômico, a Copa deve ter seus momentos de sucesso.
Confira as fotos de Vinícius Pereira:
Entres os premiados, logo de cara o evento premiou veteranos na categoria ‘Canção Popular’: ganhou “Reencontro”,o álbum produzido por Thiago Marques Luiz com o novo trabalho de Cauby Peixoto e Angela Maria, também contemplados como “Melhor Cantor’ e ‘Melhor Cantora’ neste segmento, junto com Chitãozinho & Xororó como ‘Melhor Dupla’. E, para quem reclama da falta de espaço nas rádios e tevês comerciais atualmente, um resumo do melhor subiu ao palco para receber troféus, independente da jabazice que permeia a mídia eletrônica tradicional: Dori Caymmi por “Caymmi” em ‘Álbum Projeto Especial’, Rodrigo Sha e André Bastos por ‘Álbum Eletrônico’ (“Carnaval Beach Club Vol.1”), Hamilton de Holanda como ‘Melhor Solista’ na categoria instrumental por “Mundo de Pixinguinha”, Alcione (“Eterna Alegria”) e Zeca Pagodinho (“30 Anos – Vida que segue”) como ‘Melhor Cantora’ e ‘Melhor Cantor’ no quesito samba, Milton Nascimento (“Uma Travessia – 50 Anos de Carreira ao Vivo”) e Maria Bethânia (“Carta de Amor – Ato2”) como melhores ‘Cantor’ e ‘Cantora’ e até Edu Lobo e Metrópole Orkest pelo álbum de mesmo nome, todos na categoria MPB. Ney Matogrosso arrematou os prêmios de ‘Melhor Cantor’ e ‘Melhor Álbum’ (“Atento Aos Sinais”, ao lado de João Mário Linhares e Sacha Amback) e Gal Costa (“Recanto – Ao vivo”), classificados em Pop/Rock/Reggae/Hip Hop/Funk.
Em Regional, sobressaíram o Quinteto Violado como ‘Melhor Grupo’ por “Canta Gonzagão”, Patrícia Bastos como ‘Melhor Cantora’ e ‘Melhor Álbum’ por “Zulusa”, produzido por Du Moreira e Dante Ozetti, além de Sérgio Reis como ‘Melhor Cantor’ (“Questão de Tempo”). E, em uma gala que ofereceu só fina iguaria ao público, nada mais natural do que uma dupla chamada Caju & Castanha para arrematar o prêmio neste segmento.
Como sempre, as apresentações musicais primaram pelo bom gosto. Dessa vez, houve desde duetos espertos entre Gil e Mariene de Castro, Leci Brandão e Fabiana Cozza e Riachão e Criolo (duas figuraças de primeira juntos no palco) até trincas bem humoradas, tipo Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Almir Guineto ou João Cavalcanti, Pedro Miranda e Moysés Marques. E, claro, solos de arrepiar os pelos dos braços sob a batuta de Beth Carvalho, Maria Bethânia e Paulinho da Viola, que fechou a noite junto com a bateria da Portela. Como se não bastasse – em uma cerimônia didática em que se homenageou da África à Lapa carioca, passando pela Bahia e pelo samba paulista de Adoniran Barbosa, ainda houve espaço para se emocionar com o vozeirão de Baby do Brasil cantando “E o mundo não se acabou”, de Assis Valente, incorporando Carmen Miranda, lembrada com pompa e circunstância pela internacionalização do samba. O número com pencas de bailarinas vestidas com modelitos que evocavam o visual da Pequena Notável no filme “Uma Noite no Rio” (That night in Rio, de Irving Cummings, Twentieth Century Fox, 1941) foi uma delícia e, obviamente o teatro veio abaixo, mesmo com a coreografia confusa deixando a desejar diante da beleza do conjunto.
E, como ninguém é de ferro, é impossível não mencionar a emocionante participação de Péricles ao lado da estilosíssima cantora do Benin Angélique Kdjio, radicada em Nova York (e que já havia dado expediente no Brasil durante a edição 2009 do Back2Black e em 2013, no Rock In Rio). Com seus vozeirões característicos, preencheram o Municipal entoando “O canto das 3 raças”, de Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte, e “Sinfonia da Paz”, de Altay Veloso. De chorar.
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