É sabido que a indústria da moda é a segunda que mais polui o meio ambiente – atrás apenas da do petróleo. Os desafios para diminuir o impacto ambiental são imensos, tanto que nos últimos anos o setor vem buscando formas de se tornar mais sustentável e minimizar os danos causados. Para além da responsabilidade inerente à atividade, que torna urgente tratar de temas como a poluição ambiental e o esgotamento de recursos naturais, por exemplo, além do bem-estar dos seus colaboradores, centrais no desenvolvimento da indústria, é importante destacar que o potencial dos negócios sustentáveis ligados à moda é grande, e o Brasil é reconhecido internacionalmente por ser celeiro de soluções sustentáveis.
Diante deste cenário, o Minas Trend, maior Salão de Negócios da América Latina, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), trouxe para seu público a doutora e mestre em design, e também pesquisadora Tendere para Economia Criativa, Joana Contino justamente para falar sobre aspectos essenciais para o desenvolvimento de uma moda autoral, pensado a partir das demandas de mercado, identidade e sustentabilidade. “Nas últimas duas décadas a moda autoral brasileira vem ganhando cada vez mais espaço. Tenho visto muitos coletivos de moda despontarem. Se por um lado, é difícil competir com as grandes redes de varejo, por outro, essa mesma dificuldade enseja um movimento de ‘a união faz a força’. As redes sociais também são uma ferramenta importante para ‘furar a bolha’. A moda autoral, comprometida com o meio ambiente e com as pessoas, valorizando a cultura e diversidade brasileiras, e incorporando os saberes locais é uma oportunidade de mercado”, diz Joana.
O segmento autoral da moda vem crescendo a cada ano. Nele, agregam-se alguns conceitos do tripé da sustentabilidade – econômico, social e ambiental -, reciclagem, cadeia produtiva ética e limpa, utilização de produtos e mão de obra local, valorização da economia criativa e respeito aos direitos humanos. “Esse modelo de produção é mais lento, ao contrário da moda massificada. Além disso, há valorização da cultural local, que inclui saberes locais, como o artesanato e métodos mais tradicionais de produção. Outro ponto é que promove experiências de consumo menos fugazes e incorpora debates sobre as questões sociais presentes na região onde é produzido e comercializado”.
A pandemia acelerou um processo que já estava em curso e, cada vez mais, é essencial para as marcas de moda terem uma boa presença digital e trabalhar bem a comunicação com seu público por meio das redes sociais, que são agora o principal canal de contato com os consumidores – Joana Contino, pesquisadora Tendere para Economia Criativa
Ela também fala sobre ações disruptivas que têm observado na moda autoral. “Acho que os hubs criativos, como o Nordestesse, são um ótimo exemplo de ação disruptiva na moda autoral. Na minha opinião, a principal força inovadora da moda autoral está na união, seja ela no mundo físico ou digital, e tanto pelas parcerias entre marcas de moda autorais como pela integração da moda com outras áreas da Economia Criativa”, avalia.
Joana diz que para se tornar referência no mercado da moda hoje é preciso uma mistura de autenticidade e engajamento. “Cada vez mais as causas sociais estão aparecendo nas coleções e nas campanhas de moda. Então, acho que para se tornar referência, a marca e o designer precisam ser autênticos e escolher suas causas”. E aponta de que forma uma marca pode contribuir para uma moda mais ética e sustentável: “É preciso estar atenta a vários pontos. A começar pela valorização dos trabalhadores de todos os elos da cadeia, passando por um produto de moda pensado desde a fase de projeto para redução de desperdício e para maior durabilidade. Um aspecto que acho muito relevante na moda autoral, é que ela é capaz de criar laços entre produto, produtor e consumidor. Isso favorece um maior vínculo afetivo com a roupa e reduz sua ‘obsolescência’, que está no âmago da moda, que desde seu surgimento tem a novidade como seu motor”.
Cada vez mais as marcas estão sendo “cobradas” por autenticidade e engajamento. Cada vez mais as causas sociais estão aparecendo nas coleções e nas campanhas de moda. Então, acho que para se tornar referência, a marca/designer precisa ser autêntica e escolher suas causas – Joana Contino, pesquisadora Tendere para Economia Criativa
Fashion Revolution
Os movimentos de quem faz a moda são fundamentais para as transformações urgentes que precisamos ver em toda a cadeia produtiva. No entanto, não podemos esquecer, que os consumidores são peças-chave nas mudanças para uma moda mais sustentável. Essa conexão faz toda a diferença para um resultado efetivo das ações em relação ao tema. “Nas últimas décadas do século passado, e na virada para os anos 2000, a moda passou por um processo bem intenso de homogeneização. A moda autoral despontou, em certo sentido, como uma resposta a essa padronização decorrente da evolução dos processos de produção, transportes e comunicação decorrente da intensificação da globalização. Este tipo de moda, por ter esse caráter de valorização do local, incorpora facilmente valores e debates que são caros à região onde essa moda é produzida. Nas últimas décadas, no Brasil, vimos a sociedade discutir mais amplamente questões como racismo, gordofobia, homofobia, transfobia, a questão indígena, valorização dos trabalhadores, entre outras. Muitas marcas autorais se apropriaram desses temas e viraram representantes dessas lutas”, analisa.
“O novo consumidor quer produtos de empresas comprometidas com esses propósitos. E esse compromisso tem que ser refletido nas ações concretas das marcas, não pode ficar somente no âmbito do marketing. Entre essas ações, destaco a diversidade nas equipes de design e gestão, e o pagamento justo aos fornecedores e trabalhadores. E sim, essas marcas fazem a diferença, pois estimulam a mudança de antigas práticas que, historicamente, são dominantes no mercado e que não se baseiam no compromisso social”.
“Foram apresentados trabalhos sobre temas variados e destaco positivamente a formação das mesas, bastante diversas, suponho que o já citado comitê tenha influenciado na escolha dos convidados. Acho que o cenário tem melhorado mais em relação à conscientização das pessoas do que no que diz respeito a mudanças estruturais na produção de moda. A pandemia deixou muito claro que os trabalhadores e pequenos negócios são elos muito frágil da cadeia. Enquanto muitos profissionais da moda ficaram sem renda e muito pequenos negócios passaram por muita dificuldade ou até fecharam, as grandes empresas de moda conseguiram se adaptar rapidamente às mudanças impostas pela crise sanitária. Ao mesmo tempo, a maior conscientização dos consumidores acaba abrindo espaço para empresas que tem práticas mais justas e sustentáveis”, completa a especialista.
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