Minas Trend: Moda autoral, meio ambiente e valorização de saberes locais sob o olhar da pesquisadora Joana Contino


Promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, a 28ª edição do Minas Trend, maior Salão de Negócios da América Latina, trouxe para seu público talks e palestras enriquecedoras, como a da pesquisadora que pontuou: “Uma marca comprometida com moda ética e mais sustentável precisa estar atenta a vários pontos. A começar pela valorização dos trabalhadores de todos os elos da cadeia, passando por um produto de moda pensado desde a fase de projeto para redução de desperdício e para maior durabilidade”

Minas Trend: Maior Salão de Negócios da América Latina comemora 15 anos

Minas Trend: Maior Salão de Negócios da América Latina comemora 15 anos

É sabido que a indústria da moda é a segunda que mais polui o meio ambiente – atrás apenas da do petróleo. Os desafios para diminuir o impacto ambiental são imensos, tanto que nos últimos anos o setor vem buscando formas de se tornar mais sustentável e minimizar os danos causados. Para além da responsabilidade inerente à atividade, que torna urgente tratar de temas como a poluição ambiental e o esgotamento de recursos naturais, por exemplo, além do bem-estar dos seus colaboradores, centrais no desenvolvimento da indústria, é importante destacar que o potencial dos negócios sustentáveis ligados à moda é grande, e o Brasil é reconhecido internacionalmente por ser celeiro de soluções sustentáveis.

Diante deste cenário, o Minas Trend, maior Salão de Negócios da América Latina, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), trouxe para seu público a doutora e mestre em design, e também pesquisadora Tendere para Economia Criativa, Joana Contino justamente para falar sobre aspectos essenciais para o desenvolvimento de uma moda autoral, pensado a partir das demandas de mercado, identidade e sustentabilidade. “Nas últimas duas décadas a moda autoral brasileira vem ganhando cada vez mais espaço. Tenho visto muitos coletivos de moda despontarem. Se por um lado, é difícil competir com as grandes redes de varejo, por outro, essa mesma dificuldade enseja um movimento de ‘a união faz a força’. As redes sociais também são uma ferramenta importante para ‘furar a bolha’. A moda autoral, comprometida com o meio ambiente e com as pessoas, valorizando a cultura e diversidade brasileiras, e incorporando os saberes locais é uma oportunidade de mercado”, diz Joana.

No Minas Trend, Joana Contino fala sobre como moda autoral e sustentável é potencial de negócio no Brasil (Foto: Vivi Martinelli)

O segmento autoral da moda vem crescendo a cada ano. Nele, agregam-se alguns conceitos do tripé da sustentabilidade – econômico, social e ambiental -, reciclagem, cadeia produtiva ética e limpa, utilização de produtos e mão de obra local, valorização da economia criativa e respeito aos direitos humanos. “Esse modelo de produção é mais lento, ao contrário da moda massificada. Além disso, há valorização da cultural local, que inclui saberes locais, como o artesanato e métodos mais tradicionais de produção. Outro ponto é que promove experiências de consumo menos fugazes e incorpora debates sobre as questões sociais presentes na região onde é produzido e comercializado”.

A pandemia acelerou um processo que já estava em curso e, cada vez mais, é essencial para as marcas de moda terem uma boa presença digital e trabalhar bem a comunicação com seu público por meio das redes sociais, que são agora o principal canal de contato com os consumidores – Joana Contino, pesquisadora Tendere para Economia Criativa

Ela também fala sobre ações disruptivas que têm observado na moda autoral. “Acho que os hubs criativos, como o Nordestesse, são um ótimo exemplo de ação disruptiva na moda autoral. Na minha opinião, a principal força inovadora da moda autoral está na união, seja ela no mundo físico ou digital, e tanto pelas parcerias entre marcas de moda autorais como pela integração da moda com outras áreas da Economia Criativa”, avalia.

A especialista exalta a moda autoral e sustentável como potencial de negócio no Brasil

A especialista exalta a moda autoral e sustentável como potencial de negócio no Brasil

Joana diz que para se tornar referência no mercado da moda hoje é preciso uma mistura de autenticidade e engajamento. “Cada vez mais as causas sociais estão aparecendo nas coleções e nas campanhas de moda. Então, acho que para se tornar referência, a marca e o designer precisam ser autênticos e escolher suas causas”. E aponta de que forma uma marca pode contribuir para uma moda mais ética e sustentável: “É preciso estar atenta a vários pontos. A começar pela valorização dos trabalhadores de todos os elos da cadeia, passando por um produto de moda pensado desde a fase de projeto para redução de desperdício e para maior durabilidade. Um aspecto que acho muito relevante na moda autoral, é que ela é capaz de criar laços entre produto, produtor e consumidor. Isso favorece um maior vínculo afetivo com a roupa e reduz sua ‘obsolescência’, que está no âmago da moda, que desde seu surgimento tem a novidade como seu motor”.

Cada vez mais as marcas estão sendo “cobradas” por autenticidade e engajamento. Cada vez mais as causas sociais estão aparecendo nas coleções e nas campanhas de moda. Então, acho que para se tornar referência, a marca/designer precisa ser autêntica e escolher suas causas – Joana Contino, pesquisadora Tendere para Economia Criativa

Fashion Revolution

Os movimentos de quem faz a moda são fundamentais para as transformações urgentes que precisamos ver em toda a cadeia produtiva. No entanto, não podemos esquecer, que os consumidores são peças-chave nas mudanças para uma moda mais sustentável. Essa conexão faz toda a diferença para um resultado efetivo das ações em relação ao tema. “Nas últimas décadas do século passado, e na virada para os anos 2000, a moda passou por um processo bem intenso de homogeneização. A moda autoral despontou, em certo sentido, como uma resposta a essa padronização decorrente da evolução dos processos de produção, transportes e comunicação decorrente da intensificação da globalização. Este tipo de moda, por ter esse caráter de valorização do local, incorpora facilmente valores e debates que são caros à região onde essa moda é produzida. Nas últimas décadas, no Brasil, vimos a sociedade discutir mais amplamente questões como racismo, gordofobia, homofobia, transfobia, a questão indígena, valorização dos trabalhadores, entre outras. Muitas marcas autorais se apropriaram desses temas e viraram representantes dessas lutas”, analisa.

“O novo consumidor quer produtos de empresas comprometidas com esses propósitos. E esse compromisso tem que ser refletido nas ações concretas das marcas, não pode ficar somente no âmbito do marketing. Entre essas ações, destaco a diversidade nas equipes de design e gestão, e o pagamento justo aos fornecedores e trabalhadores. E sim, essas marcas fazem a diferença, pois estimulam a mudança de antigas práticas que, historicamente, são dominantes no mercado e que não se baseiam no compromisso social”.

Joana comenta ainda, que acompanhou o Fórum Fashion Revolution 2022 – movimento que chama a atenção para temas muito urgentes na moda, e trabalha para que a ela conserve e restaure o meio ambiente, valorizando as pessoas acima do crescimento e do lucro. “O Fórum foi muito bom. Percebo que desde o seu surgimento, em 2013, o movimento amadureceu. Além de ter muito mais visibilidade hoje, vem dando atenção a certas pautas que são fundamentais de serem discutidas, como questões étnicas, racismo ambiental, diversidade e inclusão. A moda é política, e sem reflexão sobre essas pautas é impossível aprofundar o debate sobre sustentabilidade e moda ética. Um exemplo desse amadurecimento foi a criação recente do Comitê Racial e de Diversidade Fashion Revolution Brasil”, aponta.
"Acho que o cenário tem melhorado mais em relação à conscientização das pessoas do que no que diz respeito a mudanças estruturais na produção de moda" (Divulgação)

“Acho que o cenário tem melhorado mais em relação à conscientização das pessoas do que no que diz respeito a mudanças estruturais na produção de moda” (Divulgação)

“Foram apresentados trabalhos sobre temas variados e destaco positivamente a formação das mesas, bastante diversas, suponho que o já citado comitê tenha influenciado na escolha dos convidados. Acho que o cenário tem melhorado mais em relação à conscientização das pessoas do que no que diz respeito a mudanças estruturais na produção de moda. A pandemia deixou muito claro que os trabalhadores e pequenos negócios são elos muito frágil da cadeia. Enquanto muitos profissionais da moda ficaram sem renda e muito pequenos negócios passaram por muita dificuldade ou até fecharam, as grandes empresas de moda conseguiram se adaptar rapidamente às mudanças impostas pela crise sanitária. Ao mesmo tempo, a maior conscientização dos consumidores acaba abrindo espaço para empresas que tem práticas mais justas e sustentáveis”, completa a especialista.