Juliana Didone mergulha na verve autônoma dos dias de hoje, estreando com empresária de moda e produzindo teatro


Atriz mostra versão criadora no universo fashion ao lançar collab com a grife YOM, da artista plástica Melina Rubin, criando peças fluidas e versáteis para mulheres contemporâneas. Em paralelo, produz e está em nova temporada com o monólogo ’60 Dias de Neblina’, que busca ser um ato de acolhimento, uma rede de apoio para mulheres que desejam entender o turbilhão de emoções com a chegada da maternidade. Nesta entrevista, Juliana fala da sua relação com a moda, iniciada ainda nos tempos de modelo na adolescência, da construção de um caminho mais independente profissionalmente e da mulher que deseja ser aos 40, que completa esse ano. “Isso dá uma urgência maior das coisas acontecerem. Estou mais focada em mim, nas minhas potências, em saber como eu posso contribuir para a sociedade como artista. Seja como convidada ou de forma autônoma. Hoje tenho resgatado mais minha criança, que sempre foi corajosa, o meu ridículo, tenho me permitido experimentar, errar , acertar. O meu lado vulnerável, humano, está mais latente”

*Por Brunna Condini

A expressão escolhe as vias que deseja performar. Como atriz Juliana Didone vem investigando suas possibilidades há quase três décadas e, agora, também as explora na moda. Ela fez carreira como modelo no passado quase que simultaneamente aos primeiros passos da sua trajetória como atriz, chegando a morar até no Japão para trabalhar. Em um mood mais autoral nos novos projetos e aproveitando esse background, Juliana lança uma collab com a grife YOM, da artista plástica Melina Rubin, criando nessa parceria peças fluidas e confortáveis, inspiradas na mulher contemporânea e na multiplicidade que a vida pede dela. A atriz também produz – e está nos palcos com direção de Beth Goulart – o espetáculo ’60 dias de neblina’, no Rio. O solo nasceu da necessidade da atriz de dividir as transformações da maternidade. Ela é mãe de Liz, de 5 anos.

E analisa: “Sempre tive um senso de responsabilidade grande desde cedo, mas a maternidade trouxe uma força que nunca experimentei antes. Depois disso pensei: posso fazer qualquer coisa. E fui fazer o monólogo. Busquei uma peça enxuta, barata, que me desse mobilidade para levá-la ao maior número de pessoas. E queria falar dessa solidão da mãe também. A maternidade é uma questão social e temos que olhar para ela com mais empatia. Produzir esse espetáculo, que gestei por cinco anos, me deixou mais autoral, dona do meu caminho, menos à mercê do desejo dos outros profissionalmente. É uma tendência hoje? Sim, mas também uma necessidade e vejo uma vocação de busca”.

Sobre a paixão por moda, Juliana Didone nos conta: “Sempre flertei com a moda. No teatro, no set, na vida. Sou amiga há muito tempo da Melina, lá de Porto Alegre e nos reconectamos há dois anos, quando eu passava um tempo em Portugal e ela morava lá também. Melina pensava em fundir as artes plásticas com a moda, e eu queria fazer o mesmo, mas unindo o meu olhar como artista e como modelo. Nos juntamos e fizemos oito modelos com duas estampas de trabalhos dela. São peças que se comunicam entre si. A ideia é trabalhar o slow fashion, sem desperdício. Exercício que tenho feito também na minha vida”, pontua Juliana Didone.

E fala sobre a coleção cápsula: “Se chama ‘Anastácia’, que é o nome de uma flor, mas também nos remete a uma mulher potente, com voz. Nos voltamos com isso para hoje, para essa mulher 40+,  plural, que deseja amar o que veste, mas não tem muito tempo para se ocupar disso. Tiro por mim depois da maternidade, que escolho a praticidade, o conforto, mas quero me sentir bem vestida. Isso me dá confiança para desempenhar outros papeis. A moda pode ajudar a elevar nosso estado de espírito”.

Acredito que a beleza vem muito de dentro para fora. De nos alimentarmos de paz de espírito, boas palavras, pensamentos, cuidarmos de nós e da nossa saúde, mas uma peça de roupa que nos apaixone, abrace pode resolver algumas questões e dar um bom estímulo no momento – Juliana Didone

Juliana Didone estreia em collab com marca e reestreia peça, projetos reforçam a verve autônoma e autoral da atriz (Divulgação)

Juliana Didone estreia em collab com marca e reestreia peça, projetos reforçam a verve autônoma e autoral da atriz (Divulgação)

“Temos um quimono que é nossa peça mais coringa, já encontramos cinco formas de uso para ele. Isso traz praticidade e economia para essa mulher real. Esse quimono inclusive veste uma diversidade de corpos, é de tule com elastano, leve, versátil. Queremos criar para todas e de forma acessível. Com foco nessa mulher que precisa desempenhar várias tarefas durante o dia, porque ela é mãe, cuida dos filhos, trabalha fora”, completa Juliana.

"Temos um quimono que é nossa peça mais curinga, já encontramos cinco formas de uso para ele. Isso traz praticidade e economia para essa mulher real" (Divulgação)

“Temos um quimono que é nossa peça mais curinga, já encontramos cinco formas de uso para ele. Isso traz praticidade e economia para essa mulher real” (Divulgação)

A expressão na moda

Pensando a moda também como reflexo do ser, ela define o próprio estilo: “Sou uma mulher que gosta de se vestir confortável, bem e pensar sobre isso. Gosto da beleza, mas que o modelo fale com a minha essência, me sentir à vontade dentro das peças é fundamental”.

Juliana fala ainda das suas afinidades e encontro com o processo de criação. “Mesmo quando trabalhava como modelo sempre tive o desejo de fazer minhas próprias combinações. E essa história de ter que estar com looks diferentes nos eventos como atriz, por exemplo, não conversa com a minha essência. Nunca me rendi a isso. Sempre andei na contramão e ainda bem que isso virou tendência de uns anos para cá. Amo brechós desde sempre, pratico moda circular, amo garimpar e encontrar peças que não se encontram no fast fashion. Fora todo o impacto desse tipo de indústria. A consciência na produção de moda é algo que precisa de mais atenção, temos que falar sobre isso. Então, minha relação foi ficando mais profunda com a moda, como consumidora. E agora ela está mais estreita porque passei para o outro lado”.

Essa coleção conversa com o que eu gostaria de vestir, com o que as mulheres de hoje, do P ao GG poderiam vestir. A ideia é que uma mesma peça vista diferentes mulheres e seus corpos – Juliana Didone

“Sempre flertei com a moda. No teatro, no set, na vida" (Divulgação)

“Sempre flertei com a moda. No teatro, no set, na vida” (Divulgação)

A artista constata também os traços como criadora identificados ao longo da sua trajetória. “Sempre gostei muito de trabalho manual, por exemplo. Não sabia costurar as minhas roupas, mas fazia amarrações, customizava. Comecei minha carreira profissional no Sul fazendo teatro (ela é natural de Porto Alegre), mas quando fui para São Paulo, aos 14 anos, ficou muito misturado. Porque enquanto eu estudava interpretação, trabalhava como modelo para bancar meus estudos, minha vida. Lembro que quando fui para o Japão como modelo voltei muito preenchida de uma estética kitsch, não convencional, bastante autêntica. Gosto da liberdade vestindo, do exagero, das misturas. Essa experiência conversou muito com a minha identidade estética. Sempre curti dar meus pitacos na composição de figurino, na vida. No teatro isso aflorou mais porque geralmente não tem grana, então os atores se envolvem em tudo e eu sempre amei criar. Inclusive ajudo colegas com isso”.

"Sou uma mulher que gosta de se vestir confortável, bem e pensar nisso. Gosto da beleza, mas que o modelo fale com a minha essência" (Divulgação)

“Sou uma mulher que gosta de se vestir confortável, bem e pensar nisso. Gosto da beleza, mas que o modelo fale com a minha essência” (Divulgação)

Autonomia: tendência, necessidade e vocação

Ela produz o espetáculo ’60 dias de neblina’, com texto de Renata Mizrahi livremente inspirado no best-seller homônimo de Rafaela Carvalho e direção de Beth Goulart, e o reestreia sem patrocínio desta vez. “A pandemia estimulou, nos empurrou para uma autonomia maior, de sermos autores da nossa arte, da nossa carreira. O mercado já estava mudando antes, com menos contratos longos, ao mesmo tempo com mais plataformas de streaming, novos horizontes. Mas desde que eu tive a minha filha me entendi em uma outra realidade de mundo. As responsabilidades e prioridades se transformaram. Se eu com todos os meus privilégios já me senti abalada neste período, ceifada de uma vida que tinha antes, com uma criança totalmente dependente de mim, não sabendo se ia dar conta, nem imagino como outras mulheres, que não têm esses privilégios, lidam com isso. Dói pensar”.

Os 40 chegando dão uma urgência maior das coisas acontecerem. Estou mais focada em mim, nas minhas potências, em saber como eu posso contribuir para a sociedade como artista. Seja como convidada ou de forma independente. hoje tenho resgatado mais minha criança, que sempre foi corajosa; o meu ridículo, tenho me permitido experimentar, errar , acertar. O meu lado vulnerável, humano, está mais latente- Juliana Didone

Beth Goulart dirige Juliana Didone em“60 dias de neblina" (Foto: Pino Gomes)

Beth Goulart dirige Juliana Didone em“60 dias de neblina” (Foto: Pino Gomes)