Uma das histórias mais fascinantes contadas pela população ribeirinha é a de que Deus deu ao mundo três rendeiras para bordar o Universo: a Renda de Luz, a Renda da Terra e a Renda D’Água. Cada uma dessas figuras míticas teria a responsabilidade de proteger e manter a Terra. Embora não se possa afirmar que Almerinda Maria seja uma dessas rendeiras lendárias, é inegável que ela teceu sua própria história com os fios da terra, da luz e da água, impulsionando o Ceará no mapa da excelência do handmade. O grande artesão do universo parece ter inspirado Almerinda a viver de suas próprias mãos, alinhavando em cada peça a emoção que faz da arte algo vivo e pulsante, dando a ela os fios que entrelaçam toda forma de expressão. E essa emoção sentimos durante o seu desfile na edição comemorativa dos 25 anos do DFB Festival, o maior encontro da moda autoral da América Latina, realizado entre 24 e 27 de julho, na capital Fortaleza.
A moda autoral repleta de saberes de Almerinda Maria deve ser levado como exemplo: “Eu sou conhecida internacionalmente como a mulher do mix de rendas”, nos disse certa vez ela, cuja carreira eu conheço de perto e vi todas as fases e evoluções da marca. Segundo a própria Almerinda, para esta coleção apresentada no DFB, o tema escolhido foi “Preciosa Artesania” direcionado aos trabalhos manuais como as rendas e às artesanias presentes nesse processo criativo. “Trouxemos as clássicas rendas renascença, bilro, labirinto e, pela primeira vez, o uso do crochê como aplicação. A reutilização de materiais de estoque transformados em acessórios foram outra novidade dessa edição”. Para a estilista, esta é uma forma de se destacar em um mercado competitivo. “É preciso buscar um diferencial, preservar sua cliente, manter com novidades e sempre, priorizando o trabalho bem feito e cada vez mais primoroso”. Para Almerinda, a moda autoral está ganhando cada vez mais visibilidade e valorização daqueles que viam a moda local ou artesanal como algo inferior.
Almerinda fundou a marca em 1988, fazendo seus trabalhos artesanais com a renda de bilro e conta que, com o passar do tempo, sentiu a necessidade de utilizar um material que pudesse ser associado à alta-costura e optou por criar peças em renda renascença. No recente DFB Festival ratificou sua participação com mais uma ode ao bom gosto e à sofisticação. E em 2025, ela vai completar 10 anos de participação no DFB Festival. “Comecei em 2015 a convite do Claudio Silveira para participar da nossa semana de moda. Este ano é o nosso nono desfile e as clientes já o tem como algo fixo em seu calendário. No próximo ano serão nossos 10 de parceria com o DFB e podem aguardar algo tão incrível como nos anos anteriores”, frisa Almerinda.
Minha marca tem quase 40 anos de mercado com clientes fiéis, que acreditam e entendem o trabalho feito pela Almerinda Maria. Elas buscam sempre pelo diferencial – Almerinda Maria
CÉUS E MUNDOS
Costuma-se dizer que quando uma pessoa está fazendo uma grande transformação ou capitaneando uma grande mudança, ela está movendo “céus e terras”. No caso de Almerinda ela moveu, céus e mundos. Inicialmente, sua grife chamava-se “D’seu do Céu“, um nome que evocava a leveza das nuvens e o toque divino das roupas, que acabou chegando muito forte nas mulheres cearenses, refletindo sua autoralidade e o gosto requintado de uma mulher vaidosa. Quando já estava se consolidado como “Dseu Do Céu“, Almerinda Maria recebeu a sugestão de assinar com seu nome a marca.
Na passarela do DFB conferimos os trabalhos em rendas renascença, guipir e bordados richelieu, ganhando novas formas com detalhes em 3D, alfaiataria precisa, tecidos fluidos e plissados. A assinatura de Almerinda se faz sempre presente mesclando um olhar contemporâneo e a essência do feito à mão, unindo tradição e inovação em uma simbiose perfeita. Além do tradicional branco, o nude, rosê, o pink, o verde folha, o Tiffany, e o pérola compuseram a paleta de cores.
O ímpeto de criar e a coragem nordestina são as molas propulsoras que guiam a vida de Almerinda. “O amor pelo que faço me faz acordar todos os dias! E agradeço a fidelidade das minhas clientes que acreditam no trabalho manual feito por mim e entendem cada vez mais como objetos de luxo”. Assim, Almerinda Maria continua a bordar sua própria história, cruzando as fronteiras do (im)possível com a mesma maestria das lendárias rendeiras do Universo.
O DFB Festival 2024 é apresentado pelo Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura. Com apoio cultural da ENEL (enelbrasil), realização da Associação Artesanias do Ceará e Empório Lokar. Apoio institucional da Secretaria de Turismo do Estado do Ceará e Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE) , nos termos da Lei 13.811, de 16 de agosto de 2006.
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