*Por João Ker
Ricky Mastro é um cineasta brasileiro que está na pré-produção de seu primeiro longa-metragem, batizado de “Jogos da Mente”. A história gira em torno de um grupo com quatro amigos portadores de HIV que são obrigados a enfrentar a chegada de um quinto membro ao clã, o que desestabilizará as relações aparentemente tão bem fundadas entre eles. “Em nenhum momento os personagens têm esse dilema, esse choque de descobrirem que estão com o vírus. Eles são soropositivos desde o início, mas isso não os define. É uma história sobre pessoas que, como todas as outras, apresentam várias facetas”, conta Ricky, em uma entrevista exclusiva para HT por skype, direto da França.
No elenco do filme, Aparecida Petrowky, Paulo Vilela, Rodolfo Valente, Rodrigo Dorado e Augusto Volcato dão vida a este singular grupo de personagens que vivem nessa ‘comunidade invisível’, que é como o diretor se refere aos portadores do vírus. “Eu tive esse processo de conversar com todos os atores, um por um, e explicar tudo direitinho. No final, até minha produtora chegou e disse ‘eu não sabia que eles [soropositivos com aparência saudável] existiam’. Inclusive, vários amigos, quando souberam do projeto, já chegaram logo e comentaram comigo que são portadores, mas que não têm coragem de conversar sobre o assunto porque é tabu e não querem ser tratados como doentes. O que me incomoda mesmo é que ninguém fala da doença”, continua Ricky, um pouco abismado com esse descaso social.
A ideia de tratar sobre esse tema relativamente ignorado veio quando o cineasta chegou dos Estados Unidos e reparou em como a doença era pouco discutida e quanta ignorância havia sobre o assunto, mesmo entre as pessoas com mais de 25 anos que, coincidentemente ou não, formam a faixa de maior incidência do vírus no Brasil. “Quando eu voltei, em 2000, comecei a trabalhar como produtor de festas e eventos em São Paulo e, com isso, conheci muita gente. Foi então que eu percebi essa diferença: durante a minha geração, a doença já estava lá e era um assunto amplamente disseminado. Eu vi a chegada do coquetel e a distribuição governamental quando começou esta política de tratamento. Agora, parece que o vírus se tornou invisível. Hoje em dia, as pessoas mais jovens não sabem muito bem dessas coisas. Elas não têm o hábito de se testar e nem de pedir isso ao outro. Já ouvi várias vezes ‘ah, o fulano é amigo de ciclano, tem dinheiro, mora bem, parece saudável; não é possível que ele tenha AIDS’. Parece não saberem ainda que há pessoas que tomam o medicamento e não aparentam ser doentes; existem realidades muito piores do que a do HIV, por exemplo, como a da sífilis e da hepatite C”.
A partir daí, Ricky resolveu unir o útil ao agradável: usar sua experiência cinematográfica, principalmente com produções queer, para atingir os jovens com um assunto que interessa tanto a eles quanto ao diretor. “O cinema ainda não abordou o HIV como sendo apenas uma das facetas do personagem. O meu filme não tem a pretensão de ser uma apologia ao sexo seguro ou à camisinha, ele apenas evidencia que quem precisa cuidar de você é você mesmo. É para provocar o tipo de pensamento: ‘me prevenir é uma responsabilidade minha e só minha'”, explica o diretor que, apesar de ter o projeto ainda no papel, já idealizou desde a fotografia até o desenvolvimento dos personagem, além do tipo de narrativa.
Por sinal, ele conta que fez uma enorme pesquisa de referências para poder dialogar melhor com a geração contemporânea, buscando temas que fossem universais tanto em filmes clássicos quanto em produções mais atuais: “Aquela série “Viral” do Fábio Porchat com o Gregório Duvivier foi algo que gostei, mesmo sendo de um ponto de vista hétero. Também busquei um pouco de “Segundas Intenções” (Cruel Intentions, de Roger Kumble, Columbia Pictures, 1999), dos irmãos [Luc e Jean-Pierre] Dardenne, de“Teorema” (idem, de Pier Paolo Pasolini, Euro International Film, 1968) e filmes do canadense Xavier Dorlan. Sempre corri atrás de histórias que fossem sobre seres humanos, sobre assuntos universais. Para mim, é isso que faz um grande filme. Pegue “Central do Brasil” (idem, de Walter Salles, VideoFilmes e outros,1998) como exemplo: aquilo é, acima de tudo, a história de duas pessoas, a Dora (Fernanda Montenegro) e o Josué, e de como seus mundos acabam colidindo”, diz Ricky, fã de Pedro Almódovar e Rogério Sganzerla, que cresceu vendo filmes hollywoodianos e, este ano, foi um dos integrantes do júri da Queer Palm, prêmio que homenageia as produções LGBT no Festival de Cannes, criado em 2010.
“Jogos de Mente” deve chegar aos cinemas apenas depois de 2015. Ainda assim, ele participará de um momento favorável para a temática LGBT no Brasil e no mundo, pelo menos no aspecto do volume de produção. Desde o ano passado, filmes como “Flores Raras”, “Tatuagem”, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” e “Praia do Futuro” conseguiram encontrar seu caminho entre as salas de cinema, mesmo que este último tenha contado com espectadores ultrajados levantando no meio da sessão, enquanto algumas salas de exibição acharam necessário explicitar a existência de cenas homossexuais na produção. Este preconceito sintomático que ainda persiste na sociedade brasileira – e na maior parte do mundo – não preocupa Ricky: “Eu tenho uma teoria interessante sobre isso. Considero que o chocante foi ver o “Capitão Nascimento” no papel de um cara que gosta de caras. O que me surpreendeu foi como a sociedade brasileira reagiu a essa temática LGBT. “Azul É A Cor Mais Quente” (La vie d’Adèle, de Abdellatif Kechiche, France 2 Cinéma e outros, 2013), por exemplo, não teve nenhuma polêmica, ninguém impôs que havia cenas de lesbianismo, mesmo a cena inicial contendo mais de sete minutos de puro sexo lésbico. Será que a homossexualidade feminina é mais branda aos olhos do público? E será que quando a gente sai para uma ampla distribuição as coisas começam a mudar?”, questiona.
Para Ricky, sempre tão interessado nas histórias de pessoas, seja de qual tipo forem, parece inaceitável esse detrimento de qualquer aspecto humano, principalmente um que seja ligado à identidade sexual de cada um. “É comome perguntarem se eu preciso mesmo do elemento HIV no meu filme. Ora, se é algo que acontece com as pessoas, então por que não abordar?”.
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