* Por Carlos Lima Costa
Jovem estrela da década de 70 e do início dos anos 80, Katia D’Angelo brilhou em novelas como Anjo Mau, Nina e Pecado Rasgado. Por seu desempenho ganhou alguns prêmios de Melhor Atriz como nos festivais de cinema de Gramado e de Brasília, respectivamente pelos longa-metragens Barra Pesada e Marília e Marina. O Caso Claudia, baseado no assassinato de Claudia Lessin Rodrigues, que chocou a sociedade brasileira em 1977, foi outro grande destaque na telona. Depois de emendar novelas, ganhou da Globo viagem de dois meses pela Europa. Convocada para um novo trabalho, ela não voltou. Após oito meses no Velho Continente foi perdendo seu espaço na emissora.
Que reflexão faz sobre sua história? “É a de uma menina bonita que viveu em uma redoma de sonhos e um dia curiosa fugiu de mãos dadas com a paixão para conhecer o mundo para o qual não estava preparada e teve que se inventar, reinventar, descobrir, superar até chegar a ser quem é. Uma delícia! Foi tudo uma grande aventura. Não foi nem um pouco fácil, mas entre vitórias e derrotas sempre acordei sorrindo. Eu amo a vida e hoje vejo tudo que me resultou através dos olhos dos outros e me surpreendo. Deixei um bom legado para quem veio comigo nessa estrada até hoje. Amo conversar com essas pessoas na vida e na internet, através do Facebook”, pontua.
Nos últimos 30 anos, sua única aparição na TV como atriz foi uma participação no remake de Ti Ti Ti, que está sendo reprisada atualmente no Vale a Pena Ver de Novo, nas tardes da Globo. “Não costumava gostar de me ver nos trabalhos, sempre achava que poderia ter feito algo melhor, como um livro que não se acaba. Hoje, vejo quantas boas atuações e personagens criei. Não me vejo à frente delas, cada uma tem sua própria vida. Observando a participação em Ti Ti Ti me deu um certo alívio, porque, no dia, como eu estava há muito tempo sem entrar nos estúdios, minhas pernas tremeram. Entrei em cena sem saber se ia dar certo e deu. O clima com o Alexandre (Borges) e a (Claudia) Raia era farsesco e ficou engraçado. Gravamos de primeira e somente agora assisti e gostei. Sou intuitiva”, frisa.
Apaixonada por arte, ela sente falta dos estúdios. “Não só porque os trabalhos eram bons, mas porque gosto de ser atriz. A arte é transformadora. O homem só se transforma através da arte. Sinto falta também da vida efervescente daquela época em que ia a todas as estreias, vernissages, shows”, observa. E conta, que no momento, cogita aceitar convite para fazer uma participação no filme Toda História Tem Dois Lados.
Sobre não estar mais dedicada à profissão nos estúdios, diz que seu “espírito era aventureiro, não aguentaria ficar presa em estúdio 10, 20 anos”. Ela gostava de colocar a mochila nas costas e sair viajando. E ainda hoje em dia mantém esse jeito de ser. “Totalmente, sou extremamente aventureira. O que mais amo na vida é viajar, conhecer novos lugares, pessoas e, principalmente, estar na natureza, ao ar livre. Gosto também de saber da cultura do lugar, como vive aquele povo, o que come. Costumo muito fazer isso. Já viajei muito com mochila nas costas, e muito 5 estrelas também. A vida foi me oferecendo e eu estava muito preparada”, assegura.
Uma dessas viagens, que a manteve vários anos longe do país, aconteceu após uma tragédia pessoal, a morte de seu primogênito, em 1997. “Os últimos anos foram entre idas e vindas, mas eu saí do Brasil, porque perdi meu filho Ronny, na época com 26 anos, com tiros da polícia em uma festa de carnaval no Rio de Janeiro. Eu nunca superei essa passagem, dói até hoje. Não deixei o Brasil para passear. Vinha tentando prender os policiais responsáveis, minha família recebia ameaças e aí fui embora pelo programa de proteção a testemunha”, lembra. Na época, ela foi para a França. Em Paris, trabalhou na Embaixada brasileira e deu aulas de teatro para modelos brasileiras.
E prossegue: “Depois dessa história me desencantei da cidade do Rio e voltei para lugares da natureza que me faziam bem”, ressalta. Ao retornar à terra natal, viveu em Visconde de Mauá e os últimos sete anos em Paraty. Após perder seis amigos para a Covid-19, há um ano voltou a viver no Rio, onde recebeu as duas doses da vacina da Coronavac.
Em sua vida, também foi professora de teatro e deu aulas de interpretação, por exemplo, para nomes como Taís Araújo e Natália Lage. Depois de se tornar atriz, Katia nunca trabalhou fora de sua profissão. O pai deixou uma herança e ela vive com a renda de imóvel que aluga através da Airbnb, e também de uma indenização recebida por conta de escola de teatro e produtora que tinha e foram derrubadas na cidade. Ela explica que sempre manteve uma conexão com a arte, mesmo que de forma espiritual. “A arte sempre esteve comigo fosse trabalhando, pesquisando ou admirando. A vida foi em Improviso, mas quem anda com fé não se desampara. Tudo deu certo e tive experiências que se dependessem somente de dinheiro eu não teria. Sempre fui serelepe, agitada. O mundo me acolheu e o destino foi bom comigo. Viajei e conheci lugares incríveis”, recorda ela.
Sua história, ela planeja relembrar com mais detalhes em um livro. “Na soma entre lembranças boas e ruins foi tudo maravilhoso. Eu publiquei algumas crônicas nas minhas redes e a resposta foi cheia de boas trocas e incentivos para fazer o livro, que estou escrevendo. Histórias e Estórias tenho ótimas para contar, espero conseguir lançar e comemorar 50 anos na estrada com essa galera que curtiu e curte Katia D’Angelo”, assegura a atriz que completa 70 anos em dezembro. Mas adianta momentos marcantes que viveu: “Os que estão registrados para a eternidade e o Manifesto que fiz no Palácio dos Festivais em Gramado contra a violência policial que mata tantos filhos no Brasil. Enquanto morei na Europa me empenhei em uma campanha de denúncias contra isso”, observa.
Recordações de pessoas também. “Muitos amigos. Por sorte, com essa modernidade das redes sociais estamos pertos apesar de longes. Muitos da minha geração já se foram, mas suas artes e boas lembranças estão comigo nas fotos, nos livros, nos filmes. Adoro lembrar. Foram deliciosas histórias. De vez em quando conto algumas para a minha turma de rede social”, observa.
E garante que não guarda arrependimentos profissionais. “Mas se pudesse faria melhor”, realça. Em meio as suas reflexões, hoje, diria que o meio artístico é meio cruel com muitos egos, máscaras…? “Essas palavras ‘egos, máscaras…’ são suas, mas fazem parte, sim, da crueldade que o capitalismo leva as pessoas do mal à conquista de seus espaços. Nem precisava, porque o que é de cada um a cada um chegará. Mas que atrapalha e dificulta é verdade. Levei muitas rasteiras na vida do nosso meio. ‘Mas eu passarinho, canto, voo, amo e eles passaram’.”, frisa, fazendo certa referência ao Poeminho do Contra, do poeta gaúcho Mário Quintana (1906-1994): “Todos esses que aí estão/Atravancando meu caminho,/Eles passarão…Eu passarinho!”
Katia foi uma mulher de muitos amores? “Fui, sou, adoro (risos). Mas não assim no sentido só do amor sexo, do amor carnal. Não sei nem o que falar, amor, amores, eu sou uma mulher de muitos amores. Se pudesse eu casava com os meus ex-maridos todos de novo”, dispara Katia que foi casada quatro vezes. Entre eles, Guarabyra (da dupla Sá & Guarabyra), pai de seu caçula, Thiago, e o músico Victor Biglione. E acrescenta. “Adoro namorar, mas é raro encontrar uma pessoa que bate, tem que bater. Não é bater em mim, não, (risos), é bater espiritualmente, na sensibilidade, no cheiro, na inteligência, senão não rola. Eu não preciso de sexo, não tenho necessidade, eu faço porque gosto, mas posso ficar um ano sem fazer sexo se eu quiser”, garante.
Como lida com a passagem do tempo? “Até amor eu já consegui fazer perto dos 70 anos (risos). Então, a única coisa que você não pode impedir que a idade faça é o desgaste do seu corpo, da sua saúde. Agora, da mente, tem como controlar totalmente. Tem como seguir em frente como você é. É só não se deixar abater, não deixar a tristeza entrar, nem as derrotas te derrubarem. Para mim, derrota sempre foi sinônimo de lição, aprendizado, conhecimento, crescimento. Isso para mim são os 70 anos”, analisa.
Os hábitos de hoje são os mesmos de sempre. “Em primeiro lugar natureza e vida saudável, em segundo lugar festas e danças, que eu adoro e no meio disso tudo eu leio, adoro conversar com gente inteligente, adoro aprender, questionar. Eu sou chata, questionadora, quero saber, esmiuçar tudo. Tem gente que ama e tem gente que me odeia”, explica.
Hoje em dia fala-se muito sobre empoderamento feminino, sobre o fato da mulher ter voz mais ativa e se posicionar em diversos temas. “Desde garota sempre fui engajada, consciente. Eu sempre fiz a política no dia a dia. Nunca precisei rotular nada nem ninguém. Quando eu dava uma entrevista como atriz Katia D’Angelo nos anos 70, era totalmente empoderada, como chamam hoje, engajada, consciente. Toda minha vida lutei contra os absurdos. Era algo natural. Mas nunca precisei militar para fazer isso, jamais. Detesto militância, detesto essa palavra empoderamento, acho horrorosa”, assegura ela, que sempre gostou de se cuidar com produtos absolutamente naturais, de tomar banho de rio e de manter uma alimentação saudável. “Acho que isso reflete no corpo e na alma também”, aponta ela que ainda não é avó.
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