David Junior e Yasmin Garcez, que está grávida, lançam no Youtube animação ‘A Hora do Blec’ com protagonismo negro


O casal espera o nascimento de Amora e acredita que a comunicação com a criança é a semente da igualdade social. Por isso, no centro da animação que os dois atores criaram está Blec, um menino negro que tem no seu cabelo black power um símbolo de poder, beleza e magia. “Tenho fé na humanidade através do amor. Vejo pessoas em lugares de opressão lutando por um futuro melhor. Não penso no mundo que minha filha vai habitar, na verdade, penso em como minha filha vai se colocar diante dele. O mundo é controverso, as pessoas são controversas, espero que ela tenha resistência para lidar com isso”, diz David

*Por Brunna Condini

Além da relação celebrada diariamente David Junior e Yasmin Garcez, têm uma parceria para lá de frutífera. Juntos desde 2018, eles esperar a a chegaa da primeira filha e lançaram no YouTube a animação A Hora do Blec, com vídeos musicais para a primeira infância. O projeto foi idealizado por Yasmin, que percebeu a urgência de criações que dessem mais representatividade para as crianças. “A ideia de criar um desenho com protagonismo negro nasceu em 2016, mas, na época, por vários motivos, não pude seguir à diante. No meio de 2019, já namorando David, comentei sobre o projeto e desenvolvemos juntos, a Hora do Blec. A gravidez vei, mas minha relação com crianças sempre foi muito forte. Então a chegada da nossa filha só potencializou o desejo de trabalhar com o universo infantil”, conta a atriz.

“Todos os episódios são baseados na ideia de um mundo melhor, mas não utópico. Relações horizontais, famílias unidas, potentes… Sustentabilidade em todos os âmbitos! Acredito que possamos todos contribuir para isso a cada instante, e a vida do Blec apresenta essas possibilidades de realidade de forma natural”, pontua.

“Filho é quando o amor não tem mais pra onde ir e transborda” (Reprodução Instagram)

E sobre a gravidez nos conta: “Tenho me sentido divina. A gestação é uma experiência extremamente transformadora em todas as nossas raízes. Você repensa escolhas, reconhece ancestralidades, o corpo se modifica e a emoção vai junto. Difícil colocar em palavras, mas sinto esse momento de forma mágica. Não romantizada, porém mágica. Gerar é magia!”.

Feliz com o momento, David comenta que descobriram que seriam pais logo depois da criação do projeto. “Estamos trabalhando há um ano e nossa filha veio depois. Acredito na sincronicidade. Tenho recebido inúmeras definições sobre o que é ter um filho, mas gosto muito da explicação do meu amigo de infância, Italo.“Filho é quando o amor não tem mais pra onde ir e transborda”. Vocês já escolheram um, nome para a filha de vocês? “Sim, o nome será Amora, (feminino de amor) e que sintetiza nossa relação. Nosso amor transbordou”.

David Junior e Yasmin Garcez esperam a chegada da filha Amora (Reprodução Instagram)

Representatividade transforma

David protagoniza a animação Hora do Blec dando vida a uma criança negra, uma representatividade necessária e infelizmente quase inédita. No desenho, os personagens Blec, Yayá , Yuki, Lara e Basquiat vivem aventuras na natureza e em busca de ajudar o mundo a ser mais sustentável. Os clipes de “Hora do Blec” têm os temas inspirados nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) aprovados na ONU. Estes são os temas que devem servir como prioridade em todos os países até 2030 para que possamos viver num mundo melhor. Além disso, a produção conta com o apoio institucional do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É o órgão da ONU que trabalha em 170 países, inclusive no Brasil, colaborando para a erradicação da pobreza e para a redução das desigualdades sociais.

O que significa em um momento como o que atravessamos no mundo, de pandemia, de posições extremistas, de casos de racismo sendo escancarados e combatidos, lançar a animação Hora do Blec? “ Mostrar que só através do amor ao próximo, poderemos reverter esse quadro. E o próximo não precisa ter a mesma cor, classe social, tipo físico ou sexo que nós. Só precisa ser o próximo. E entender que a gente é natureza, a gente vem da natureza e sem ela deixamos de existir. O Blec traz esse conceito plural e sustentável através do amor, a partir da primeira infância, assim poderemos mudar uma geração”, analisa David.

“Só através do amor ao próximo, poderemos reverter esse quadro.E o próximo não precisa ter a mesma cor, classe social, tipo físico ou sexo que nós, só precisa ser o próximo” (Divulgação)

Você cresceu sem essa representatividade no entretenimento infantil. Como afeta uma criança?  “Afeta a sociedade! Se a arte que constrói todo imaginário social não apresenta opções representativas de forma equitativa, alguém fica sobrando nessa história e isso influencia diretamente em como serão nossas relações. Meus pais me deram tudo o que estava ao alcance para que eu pudesse construir uma relação que me levasse ao Blec. Aprendi a me defender e a ver o outro como igual, o que me ajudou a ocupar todos os lugares e a me impor, quando preciso”.

No “Papo de Segunda”, você contou um episódio no qual não conseguiu fazer uma homenagem para o seu pai, policial civil, raspando o cabelo, porque ele queria o proteger, não queria que chamasse a atenção. “Meu pai trabalhava no IML do Rio de Janeiro. A quantidade de corpos negros que chegavam; e junto deles a família, alegando que eram inocentes, era enorme! Seu maior medo era que eu me tornasse estatística. Então, ele me ensinou a ser uma pessoa notória. Por que eu posso ser invisível sendo subserviente, mas quando passo a ocupar lugares incomuns para pessoas negras como eu me torno visível do dono do estabelecimento ao segurança”.

“Se a arte que constrói todo imaginário social não apresenta opções representativas de forma equitativa alguém fica sobrando nessa história”

David fala ainda sobre como pretende lidar com o tema em relação à filha, Amora: “Mudarei alguns padrões de comportamento que meus pais seguiam, me ensinaram a ter um pouco de Martin Luther King (1929-1968) e Malcolm X (1925-1965), mas prefiro a pureza das respostas das crianças e tenho uma esposa que pensa o mesmo, então teremos mais a aprender do que ensinar a nossa filha. É uma nova geração e espero que estejamos por aqui, tempo o suficiente para podermos balizar os caminhos dela”.

“Prefiro a pureza das respostas das crianças e tenho uma esposa que pensa o mesmo, então teremos mais a aprender do que ensinar a nossa filha” (Reprodução Instagram)

Equidade social e antirracismo

Aos 34 anos, depois de viver seu primeiro protagonista em “Bom Sucesso” (2019), o ator aguarda o retorno das gravações da série “Fim”, baseada no livro de Fernanda Torres, e também se prepara para fazer um neurocirurgião em “Sob Pressão”, que terá episódios especiais falando sobre a questão da Covid-19. Em Sob Pressão – Plantão Covid’ a série vai abordar a pandemia do novo coronavírus. A produção foi idealizada como uma homenagem a todos os profissionais de saúde que atuam na linha de frente contra a doença que vem assolando o mundo, e já começou a ser gravada.

“Em “Fim” meu personagem é um cara focado na família, faz de tudo para manter sua casa segura e confortável e é muito fiel aos seus amigos. Já em “Sob pressão” temos um desafio incrível que é retratar algo que ninguém dentro daquele set passou: uma pandemia.Temos ao nosso lado o Dr. Marcio Maranhão, que nos auxilia tecnicamente em todos os momentos e o resto é o coração que manda. Representamos as mortes de mais de 100 mil famílias que perderam seus entes queridos, com o respeito que é devido, tentando eternizar a luta dos nossos profissionais de saúde, que são nossos heróis nesse momento”.

Com Marjorie Estiano, Bruno Garcia e Julio Rocha: “Representaremos as mortes de mais de 100 mil famílias que perderam seus entes queridos para a Covid-19”

David Junior nasceu em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e conheceu a realidade do racismo muito cedo. E acredita que a comunicação com a criança é a semente de equidade social. Por isso, no centro da animação que criou com Yasmin, está Blec, um menino negro que tem no seu cabelo black power um símbolo de poder, beleza e magia.

O que o poder do black traz hoje? “Identidade. Tiraram do negro escravizado o direito a cultura, o idioma, a religião, a autoestima. Dar poder ao black é ressignificar uma vida. Gerações de olhares negativos sobre si. Mostrar que nosso cabelo é bonito, tem forma, tem volume, é admirável e que esse olhar venha de todas as etnias. Nosso cabelo é bom, a gente penteia e não gosta que toque sem nossa permissão!”.

No seu ponto de vista, o que um branco precisa entender definitivamente sobre ser antirracista? “A ouvir mais e falar menos. Exercitar a empatia, se colocar no lugar do outro. Reavaliar padrões antes de reproduzi-los é a melhor forma de ser antirracista. Se minha mulher diz que o eu faço a machuca, eu não posso questionar antes de me auto avaliar, a dor não foi minha”, esclarece.

“Dar poder ao Black é ressignificar uma vida. Gerações de olhares negativos sobre si” (Divulgação/Globo)

Viver o isolamento social com Yasmin tem fortalecido a relação de dois anos. Eles moram juntos no Recreio dos Bandeirantes, com dois cachorros, os “filhos de quatro patas”, e pretendem um dia celebrar a relação entre amigos e a família. Refletindo cada dia mais sobre o período que vivemos, David tenta equilibrar os medos e as esperanças. “Me assusta a falta de humanidade. A vida é descartável faz muito tempo. Apesar de controverso, eu tenho fé na humanidade através do amor. Vejo pessoas em lugares de opressão, lutando por um futuro melhor e com mais igualdade”. E conclui: “Não penso no mundo que minha filha vai habitar, na verdade, penso em como minha filha vai se colocar diante dele. O mundo é controverso, as pessoas são controversas, espero que ela tenha resistência para lidar com isso”.