*Por Vítor Antunes
O suicídio é um tema tabu. Já a depressão, varia entre extremos: ou com grande solenidade ou de forma superficial. No livro “Meu Lugar no Mundo”, Walcyr Carrasco aborda a delicadeza dos temas e destina-os a um público que responde por uma fatia considerável dos casos de suicídio no Brasil: o dos adolescentes e jovens. O livro, que é ficcional, conta a história de Aleph, rapaz que é, frequentemente, comparado com seu irmão, Ariel, que segundo seus pais é um “modelo a ser seguido”. O autor também fala acerca das adaptações de clássicos da literatura que fizera a fim de torná-los conhecidos aos jovens leitores. Walcyr Carrasco está com praticamente quatro novelas exibidas simultaneamente – “O Cravo e a Rosa”, que inaugurou a faixa de “Edições Especiais”, na TV Globo, e será sucedida por “Chocolate com Pimenta”; a vindoura estreia de “Verdades Secretas 2” na TV aberta e a transmissão de “Alma Gêmea” no Canal Viva, além de ser o autor da sucessora de “Travessia”, no horário das 21h.
Perguntamos ao autor qual a importância em se debater esse tema, que é visto como tabu, especialmente junto ao público infanto-juvenil. E não apenas isto, mas o porquê de se divulgar mais inciativas como o “Setembro Amarelo”. Segundo ele, a iniciativa é “muito importante, pois leva ao debate em torno de uma questão essencial: a valorização da vida. Muitos jovens hoje caem em depressão e tomam atitudes radicais”
Foi por esta razão que escrevi “Meu Lugar no Mundo”, um livro para adolescentes que aborda a questão do suicídio, depressão, automutilação. Sei que é um tema tabu. Mas é importante discutir, conscientizar, para formar – Walcyr Carrasco
Além do projeto de “Meu Lugar no Mundo”, Walcyr comenta sobre um antigo projeto literário seu, que, por razões contratuais, precisou ser assinado com o pseudônimo Adamo Angel. O livro “O Caminho das Fadas”, publicado em 1996, mesmo ano em que estreou “Xica da Silva”, na extinta TV Manchete, trama que Walcyr também assinava com este cognome.
DEPRESSÃO E SUICÍDIO ENTRE JOVENS: UM TEMA A SER DISCUTIDO
Em “Meu Lugar no Mundo”, Walcyr Carrasco traz à tona a pauta da saúde mental, voltada ao público infanto-juvenil. A problematização proposta por ele encontra eco em dados oficiais. Segundo a OMS, a morte voluntária é a segunda principal causa-mortis em pessoas com idade compreendida entre 15 e 29 anos. No campo contemporâneo, segundo a pesquisa “Violência autoprovocada na infância e na adolescência” publicada pela Fiocruz, há motivos disparadores que induzem aos jovens e adolescentes a praticar a autoquíria e que passam por “violências e problemas na família, desentendimentos e rompimentos com namorados, abuso sexual, bullying, abuso álcool e drogas, assalto, pressão escolar e obesidade”. A mesma pesquisa destaca que “a interação em redes sociais virtuais, como Youtube, WhatsApp e comunidades especializadas” também agem como gatilhos. E é justamente sob este olhar que Walcyr Carrasco apoia seu livro.
Fala-nos o autor que “as redes sociais são ótimas, porque dão acesso a informações, notícias, novos universos. Mas há dentro delas um mundo fake, com mentiras, invenções. E informações. No livro eu mostro como a exposição em redes sociais se tornou um novo tipo de bullying, capaz de levar alguém à depressão mais profunda”, frisa.
Na trama, Aleph, o protagonista, sofre por não reconhecer um espaço de pertencimento, já que é, com recorrência, comparado a seu irmão, Ariel. Ainda que se trate de uma obra ficcional, trata-se de uma história que teve como base acontecimentos reais. Walcyr revisitou memórias de sua juventude e de uma antiga amizade, bem como aborda as experiências comuns da adolescência, que hoje vive os desafios da grande penetração das redes sociais.
A pesquisa elaborada pela Fiocruz destaca que “apesar de praticamente não haver estatísticas sobre o comportamento suicida em crianças no mundo, no período de 2006 a 2017, foram identificados 58 óbitos de crianças brasileiras decorrentes desta causa, sendo a maior parte delas do sexo masculino, de cor branca e com 9 anos. As internações por tentativas de suicídio, no mesmo período, somaram 1.994 casos, com predominância entre os meninos em todas as regiões do país. No que se concerne às notificações, a maioria está relacionada a crianças entre 8 e 9 anos, com cor da pele parda e do sexo feminino, com destaque à autointoxicação”.
O posfácio do livro do romancista é assinado por Vera Iaconelli, psicanalista, autora, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e colunista do jornal Folha de São Paulo, que louva a iniciativa, dizendo em seu texto, que “o autor acerta ao abordá-lo diretamente, pois sabemos como os números de suicídios de crianças são cada vez mais alarmantes”.
CLÁSSICOS MODERNOS
Em 2017, Walcyr Carrasco recebeu uma das mais importantes premiações literárias brasileiras, que é o Prêmio Jabuti. A deferência deu-se por conta da adaptação de “Romeu e Julieta”, de Shakespeare (1564-1616), publicada pela Moderna, mesma editora que lançou “Meu Lugar no Mundo”. O autor comenta: “Trata-se de um trabalho que adoro fazer. Eu sempre amei os clássicos, quando assino a tradução e adaptação de um deles, quem está aprendendo sou eu, pois entro profundamente no universo de um autor que admiro”. “Romeu e Julieta“, aliás, não é a sua única experiência como adaptador. De Shakespeare fizera “Sonho de Uma noite de Verão” e “A Megera Domada”, que, coincidentemente, servira de base para a novela “O Cravo e a Rosa” cuja reprise foi recentemente encerrada na TV aberta. Além destas, Walcyr adaptou “O Médico e o Monstro”, de Stevenson (1850-1894); “Viagem ao Centro da Terra” e “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Jules Verne (1828-1905); Dom Quixote, de Cervantes (1547- 1616) e outros quatro títulos, que compõem a série “Clássicos Universais”. Inclusive, importante destacar, que o autor foi o responsável por adaptar para a TV o clássico do romantismo brasileiro, “O Guarani”, de José de Alencar (1829-1877), para a TV Manchete.
Vinte e um anos antes de haver recebido o Jabuti, Carrasco estava contratado por duas emissoras de TV: Manchete e SBT. Na primeira assinava com um pseudônimo, Adamo Angel, já que, na segunda, não houvera conseguido emplacar nenhuma novela, ainda que fosse um autor da casa. A TV dos Bloch abrigou o primeiro grande sucesso televisivo do autor, que chegou à extinta televisão por conta do convite de Walter Avancini (1935-2001). Foi o diretor quem sugeriu que Walcyr assinasse a trama com um nome fake e apresentou-o aos jornais como sendo um “autor discreto, que escreve livros místicos”. De fato, na mesma época da exibição de “Xica da Silva” chegou às livrarias a publicação “Meditando com as Fadas”, assinada pelo misterioso Angel.
Ao livro “A Seguir Cenas do Próximo Capítulo”, dos jornalistas André Bernardo e Cíntia Lopes, o autor diz haver escolhido este nome em face de ser “carrasco a vida inteira”, pois que este é o seu sobrenome. Perguntamos a ele, justamente, sobre “Meditando com as Fadas”, livro que nunca foi reeditado e cujas cópias só podem ser localizadas em sebos. Ele conta um pouco sobre o universo do livro: “Acredito muito que nossas estruturas de personalidade, muitas vezes, refletem culturas e valores do universo dos contos de fadas. Eu queria dar um caminho para as pessoas meditarem sobre isso”.
QUANTO À TELEDRAMATURGIA: DISCRIÇÃO
Perguntamos a Carrasco sobre como ele enxerga e o que projeta sobre um verdadeiro lote de produções escritas por ele e de estilos tão diferentes no ar atualmente. “Cada novela tem seu público, seu horário, seu tom. Acredito no valor de cada obra”, disse. Assim como optou por não apresentar nada sobre sua trama inédita. Preferiu manter o mistério sobre ela, ainda que se diga estar, no elenco cotado, os atores Tony Ramos, Isabel Teixeira, Agatha Moreira, Cauã Reymond e Leandro Lima. Consta que Glória Pires, que já estava escalada para “Fuzuê”, de Gustavo Reiz, e inclusive detalhou sua personagem ao Site HT, foi remanejada para a trama de Carrasco.
Inegavelmente, Walcyr Carrasco é a chancela do sucesso. Das 17 novelas das quais assinara como autor principal, ao menos 14 são bem sucedidas. Vencera o Emmy de “melhor novela”, além do Jabuti e prêmios relevantes como o APCA. Ainda que Aleph, personagem do romance infanto-juvenil recém lançado, esteja na luta para encontrar seu lugar no mundo, Carrasco já encontrou o seu: o coração do brasileiro.
Artigos relacionados