A cenógrafa, figurinista e carnavalesca, Rosa Magalhães se aventurou na criação de mais um incrível livro. Dessa vez, possuindo um título bem-humorado, a obra “E vai rolar a festa…” é um relato sobre a experiência de criar e produzir a festa de encerramento das Olimpíadas 2016 e as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Panamericanos de 2007. Desenhos, plantas, croquis e perspectivas compõem o livro, que já está no mercado. Em nossa conversa com Rosa: experiências marcantes, realidade do carnaval, mulheres bem-sucedidas e opiniões fortes.
Há quem não acredite, mas a maior carnavalesca do Rio de Janeiro, Rosa Magalhães, afirma ter entrado no mundo das las e carros alegóricos por acaso. Quando ainda era estudante do curso de Belas Artes, ela auxiliou na confecção de figurinos do Salgueiro, mesmo sem possuir os conhecimentos necessários, pois havia uma vaga disponível. Nesse trabalho, que ajudou a Escola a conquistar o título de campeã, Rosa esteve ao lado de grandes nomes como Maria Augusta e Joãosinho Trinta. “Foi quando eu vi que não sabia nada de figurino, não sabia nada desse lado que envolve cenários, carros alegóricos. Não sabia nada de carnaval. Eu costumo dizer que fiz o inverso: primeiro trabalhei e depois fui estudar”, contou a artista que, logo em seguida se matriculou no curso de cenografia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Desde então, ela conquistou sete campeonatos (1982, 1994, 1995, 1999, 2000, 2001 e 2013) e passou por importantes escolas, como Imperatriz, Vila Isabel, Portela e Beija–Flor. Com a experiência de todos esses anos, ela admitiu que no início de seu trabalho, o contexto do regime militar era quase sufocante: “Eu tinha que mandar os desenhos e o enredo para a censura, para serem aprovados. Era uma outra vigilância. Hoje, você critica abertamente sobre governos e personalidades e é muito mais confortável”. Ainda assim, com todo o bom humor que lhe é característico, Rosa enxerga o lado positivo dessa situação. “Acho que ter alguém para discordar é muito bom na formação geral enquanto pessoa. Você percebe que tem direito a ter opinião, a ter a sua voz e passa a lutar por isso”, afirmou. Para ela, além de permitir maior liberdade, a recente festa anual é maior e mais organizada: “O carnaval agora é quase que assustador. São tantas pessoas, tantas roupas, tantos carros alegóricos. Antes, nós tínhamos algo mais romântico, que foi substituído por uma organização mais técnica e bem direcionada”.
Essas mudanças, para Rosa, são inerentes às transformações do país. Em tom de brincadeira, ela contou que busca não se preocupar tanto com a desvalorização do carnaval e da arte como um todo, entendendo com naturalidade os altos e baixos financeiros: “As dificuldades na arrecadação de fundos são evidentes, mas eu tento ver de forma positiva. Os blocos de rua, por exemplo, cresceram. Isso é a ocupação do espaço público com alegria. Só que esse departamento de arrecadar dinheiro é com outra pessoa, o meu é de gastar, o que é bem mais interessante”. Comparando o carnaval a uma casa, que às vezes recebe mais dedicação e às vezes fica mais esquecida, por causa das dificuldades, ela disse: “Tem hora que você pinta todos os cômodos, tem hora que você só conserta um ladinho. E assim é o carnaval, vamos acompanhando as ondas do país”.
Ao longo dos seus mais de 40 anos de experiência profissional, a artista trabalhou não só com o carnaval, mas também em espetáculos de ballet, ópera, na televisão e até no magistério. Com todo esse leque de atuação, Rosa afirmou gostar de desafios e relembrou alguns trabalhos: “Essa coisa de fazer grandes espetáculos é muito interessante. As Olimpíadas de 2016, algumas grandes exposições, o desfile de 500 anos da Bahia, onde 4 mil pessoas compareceram. Eu fico muito envolvida com tudo isso”. Um dos seus maiores desafios, ao longo de sua carreira, foi a produção das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Panamericanos de 2007. A carnavalesca, que nunca tinha feito algo parecido, esclareceu que houve uma preparação técnica anterior, mas que ainda assim, foi um trabalho arriscado: “Como foi um espetáculo que passou no mundo inteiro, eu fiquei pisando em ovos. Eu não podia fazer piadas, por exemplo, porque eu poderia ser mal interpretada e arruinar tudo”. Mesmo com a pressão, o evento trouxe bons frutos para a carreira de Rosa, que foi indicada ao Emmy, mas não sabia que estava concorrendo. “Para falar a verdade, eu não sabia que havia sido indicada na categoria Melhor Figurino. Quando descobri, foi uma correria para organizar a viagem. Eu não esperava nunca ganhar, tanto que nem preparei um discurso. Na hora, jogaram um papel na minha mão e eu li para não passar vergonha, mas eu realmente não estava acreditando”, admitiu a vencedora.
Quando questionada sobre ser uma mulher bem-sucedida em um ambiente majoritariamente masculino, Rosa admitiu que já passou por algumas situações constrangedoras, mas mantém o otimismo. “Eu estava fazendo a decoração da avenida e já era madrugada, quando chegou uma pessoa perguntando se a minha família sabia que eu estava ali naquela hora. Quer dizer, eu enquanto mulher não poderia estar ali duas horas da manhã trabalhando? Ou seja, ainda têm pessoas que pensam assim, mas já está muito melhor”, explicou ela.
É nesse contexto de sucesso profissional e amor à arte que a carnavalesca lança o seu novo livro: “é uma leitura descompromissada. Você vai rir, ficar preocupada e no final, vai entender como grandes espetáculos podem ser feitos”. Dessa forma, com bastante humor e paixão, ela desabafa: “A arte é uma válvula para escapar da realidade, para delirar. Desde a criança que desenha, até o escultor experiente. É muito bom, eu saio daquela vida cotidiana e entro em outro plano mais enlouquecido, mais delirante”. E apesar de toda essa experiência, Rosa possui a leveza e tranquilidade de tentar não se preocupar muito com o seu futuro profissional: “É algo efêmero. Todo trabalho a gente começa e termina, então, eu não sei o que esperar do futuro”.
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