O olhar de um artista plástico carioca sobre a capital paulistana resultou em uma mostra que promete refletir sobre coisas encobertas, que não são notadas no dia a dia


Antonio Bokel estreia mostra ‘Tudo o que está coberto’, em São Paulo, com cerca de vinte obras

É biscoito ou bolacha? Apesar de vizinhos, a relação entre paulistas e cariocas é cheia de brincadeiras tipicamente brasileiras, mas o artista Antonio Bokel encontrou um jeito de abraçar as duas cidades, usufruindo o que as duas têm de melhor a oferecer. O morador do Rio de Janeiro estabeleceu residência temporária em São Paulo em fevereiro quando estava lançando seu livro Ver. “Desde fevereiro resolvi continuar nesta ponte aérea, até porque São Paulo está me estimulando muito artisticamente por causa da vida cultural que temos aqui. Quando me entreguei à cidade, ela parece ter me recebido de braços abertos”, garantiu o artista. Ao conhecer melhor a metrópole, Antonio passou a gostar do local e ver um grande potencial no aumento do diálogo entre as capitais. A barreira, segundo o artista, deve ser vencida para que a natureza do Rio e a cultura de São Paulo se unam, produzindo algo ainda melhor, já que os paulistas são conhecidos por consumir e produzir mais arte. “O que o Rio tem de belezas naturais acaba se manifestando através das pessoas em São Paulo, com a arte e a cultura. Os SESCs, por exemplo, são quase a praia do paulista. A falta da natureza acaba sendo suprida pelas galerias de artes. Eu, por exemplo, acredito que recebi muitos estímulos porque estava longe do Rio, por isso acho que as grandes cidades acabam instigando mais os criadores. Por isso acho que a arte é uma planta que precisa ser regada o tempo todo por todos”, contou.

Antonio Bokel exibe mostra inspirada na capital paulista (Foto: Divulgação)

A passagem pelo parque Ibirapuera e pela selva de pedra despertou novos sentimentos no pintor que resolveu criar obras que pudessem exemplificar seu olhar sobre a maior capital do país. A exposição ‘Tudo O Que Está Coberto’ conta com aproximadamente vinte obras sendo destas dezessete pinturas e três esculturas feitas em concreto e bronze. “Transformei esculturas de pano em bronze, porque andando pelas ruas percebi muitas coisas cobertas por pano e o fetiche desta cobertura acabou despertando meu lado artístico. A nossa pele, por exemplo, colocamos por cima roupas assim como a tela a colorimos com a tinta. No meu trabalho, gosto de deixar rastros mostrando o caminho que percorri até chegar aquele resultado”, explicou o artista sobre a exposição. O nome saiu de uma conversa com o curador Paulo Gallina que mostrou a ele vários objetos cobertos enquanto passeavam pelas ruas e o próprio Antonio afirmou que tudo o que estava coberto o interessava. A partir deste ponto, ele percebeu que poderia usar esta inspiração tanto em pinturas quanto esculturas.

O quadro foi feito com tinta acrílica e spray sobre tela (Foto: Divulgação)

A produção, portanto, irá utilizar diversos elementos em sua composição como, por exemplo, tecidos e lonas. Os elementos foram se incorporando na medida em que o olhar do artista foi reconhecendo novos objetos enquanto passeava pelas ruas de São Paulo. “Cada material que eu uso já vem com uma intensa pesquisa no meio do caminho. Uma série de trabalho dá em outras porque um acidente mostra o melhor percurso. Estar constantemente produzindo, vai direcionando o profissional, principalmente, porque eu experimento bastante e sempre me permiti errar o que vai me abrindo portas”, contou.

Quadro feito com tinta spray e acrílica sobre algodão e linho
(Foto: Divulgação)

Na mostra, o artista plástico pretende trazer a arte como protagonista dela mesma recuperando a estética parnasiana. A ideia se fortaleceu em sua passagem pela cidade paulista.  “São Paulo reúne uma ótima qualidade de artistas do Brasil e do mundo e isto me fez pensar muito sobre a minha trajetória de trabalho. A arte, hoje em dia, está indo muito para um viés político e eu estou caminhando contra a maré porque quero falar da arte pela arte, quero ir além deste eixo. Nesse momento de polarização, onde se discute se é de esquerda ou direita e entre outros, tento mostrar que a arte é um lugar que deve ser preservado para além destas questões. Não quero ter um cunho ativista político ou social”, informou.

O quadro foi feito com tinta acrílica e bastão oleoso sobre papel (Foto: Divulgação)

Antonio Bokel é apaixonado por todos os tipos de artes o que pode ser resumido no fato dele ser um artista tanto do estúdio quanto da rua. Há mais de quinze anos, ele transita pela linguagem urbana dos lambe-lambes, das pichações e dos grafites e também produz colagens, fotografias, esculturas e telas. “Sempre tive muitas influências em todos os ramos como na arte naif, com professores que me mostravam os diferentes universos o que me fez gostar de circular entre os nichos sociais sendo do ateliê e da rua ao mesmo tempo. Comecei como pintor e com o tempo fui pesquisando sobre outro viés. Procurei entender como funcionava a rua para então poder criar uma ponte trazendo o trabalho do estúdio para fora e vice e versa. Esta ideia era algo que fazia no dia a dia. Sempre gostei de passear por outros núcleos, sendo uma pessoa eclética, valorizando o que cada ambiente tem para dar”, explicou. Já que Antonio percebe os dois mundos, ele possui um olhar crítico sobre as diferentes formas de recepção da arte. A academia e as instituições artísticas ainda são mais restritas a diferentes tipos de obras, enquanto a mídia aceita de bom grado a street art.

Antonio é artista de estúdio e de rua (Foto: Divulgação)

Inicialmente, seu livro Ver, lançado durante a SP-Arte, falaria sobre o universo da arte urbana, mas acabou se tornando um material que compilou todas as suas obras artísticas.  A ideia foi falar sobre sua trajetória e produção. “Queria escrever um livro mais voltado para o street art, mas de repente mudei tudo porque era uma coisa que não estava mais vivenciando tanto e pensei em mostrar uma fase mais madura do meu trabalho. Minha ideia era olhar o que tenho feito com certa distância e organizar a obra, ao mesmo tempo, que é um cartão de visita do artista para o mundo, materializando isto”, comemorou.

(Foto: Divulgação)

SERVIÇO
Visitas: de 29 de agosto a 30 de setembro de 2017; terça a sábado, das 14h às 19h.
Onde: Galeria Aura Arte – Rua Wisard, 397, Vila Madalena, São Paulo.
Tel. 3034-3825