Denílson Machado comemora quinze anos de carreira com livro que mostra seu olhar poético da fotografia


Uma homenagem à mãe e à avó, o exemplar ‘Não me obrigue a fazer sentido’ busca trazer o olhar diferenciado do artista em suas produções fotográficas

Há quinze anos, Denílson Machado viaja por casas de diferentes estilos para tentar captar a essência do arquiteto que projetou baseado na família que vai morar ali e o resultado dessas andanças pode ser conferido no livro recem-lançado, com tiragem limitada, ‘Não me obrigue a fazer sentido. Denilson, que também é sócio do estúdio MCA, um dos maiores do ramo de arquitetura no país, busca fazer uma síntese de seu olhar incomum e conta que procura trazer algo diferente para a foto, para criar uma ambientação mais acolhedora. Traços retos e  minimalista não importam, Denílson sempre vai achar uma curva que merece ser destacada. De acordo com o fotógrafo, alguns fatos sobre a sua vida o fizeram ser quem é hoje. “Sou carioca, o que me permite valorizar muito a luz, porque temos o sol em quase todos os dias do ano. O fato de não ser arquiteto me abre outras possibilidades. Sou virginiano, um cara muito detalhista e perfeccionista. Sou gay o que me faz ter uma sensibilidade maior”, acredita o autor. Suas imagens foram publicadas em revistas pela Grécia, Singapura, Estados Unidos, França, Panamá, Austrália, Itália e muitos outros países. Dono de mais de cem fotos expostas em capas de revistas internacionais e nacionais, a publicação é resultado de dois anos e meio de cliques que contam a história de cada espaço.

Além de estampar muitas revistas, o nome do autor já esteve na capa de nove livros, feitos em parceria com o sócio Juliano Colodeti. A série de livros chamada ARQTE começou em 2006 e tem outra edição quase saindo da gráfica. Os exemplares são referência no mundo arquitetônico nacional. Os dois buscam inspirarar e trazer sentimentos para os leitores que comprarem um exemplar. “Adoro os livros que eu faço com o Juliano. Não seria nada sem ele, mas chegou uma hora que precisava fazer livros mais autorais, sozinho. Expor o meu olhar e contar a minha história”, explica. Muitos fotógrafos de arquitetura buscam uma visão ampla do espaço. Ele acredita que a sua visão diferenciada é fruto das poesias que lê e músicas que escuta, pois se diz apaixonado pela palavra. “Utilizo muitos trechos de músicas e poemas para definir minhas obras. Uma sessão que fiz para alguns clientes se chama ‘detalhes tão pequenos de nós dois’. O verso saiu da música preferida da minha avó, Detalhes, do Roberto Carlos“, exemplifica.

(Foto: Divulgação)

É estranho ver uma foto dele sem a presença da natureza, que é tão marcante na sua obra. É como se quisesse mostrar que, desde dentro, podemos encontrar o mundo. O novo projeto do fotógrafo é tirar fotos arquitetônicas com pessoas, algo incomum na sua obra. A música que intitula a série fotográfica é do Nando Reis, ‘As coisas tão mais lindas’. Ele conta que teve a ideia de incluir homens quando estava escutando esta canção. “Percebi que era isto que queria fazer agora”, conta. A coleção já começou a ser fotografada e o verso escolhido foi ‘As coisas lindas são mais lindas quando você está’.

(Foto: Divulgação)

A percepção diferente do fotógrafo culminou neste livro dividido em dois grandes capítulos. Um deles coloca arranjos de flores em evidência, diferente do estilo fotográfico que estamos acostumados a ver nas fotos arquitetônicas. O título é tirado da música do Titãs, ‘Flores’, e se chama ‘Há flores em tudo que eu vejo’, o que resume os detalhes que Denílson busca mostrar nessa produção. “Tenho um olhar próprio e sem influências porque nunca estudei ou fui assistente de alguém. Busco algo com técnica, mas que traga uma poesia”, afirma Denílson.

(Foto: Divulgação)

Apesar de não ter feito faculdade, o fotógrafo participou de algumas palestras e fez um curso onde morava, em Niterói. “Quando era mais jovem vi algumas palestras sobre fotos. E uma vez um rapaz perguntou que curso deveria fazer para ser um bom fotógrafo. O palestrante disse que ele deveria ler Machado de Assis. A explicação era que ao fazer um clique estamos contando uma história e ninguém fazia melhor isso do que o autor. Na época eu não entendi. Mas agora sei”, lembra. Esta explicação foi uma das primeiras vezes que Denílson passou a associar poemas as fotos que tirava.

A paixão pela imagem sempre fez parte do autor, mas o ramo apareceu com o tempo. Ao fazer um curso de foto, ele conheceu o sobrinho da arquiteta Janete Costa, a principal responsável pela escolha do tipo de núcleo fotográfico que iria seguir. “A arquitetura me escolheu e quando vi já estava trabalhando na área”, observa.

(Foto: Divulgação)

Denílson precisou trabalhar alguns anos para comprar sua primeira câmera, sua família era pobre e não podia pagar por algo tão caro. Quando ficou mais velho, trabalhou como comerciante para juntar dinheiro. “Comecei tarde, mas fiquei um tempo treinando sozinho antes de virar profissional. Então, já tinha um olhar mais maduro quando iniciei a carreira. Mas sei que mudei muito e esses quinze anos me fizeram bem. Hoje, minha linguagem tem uma consistência. Conversando com outras pessoas do ramo, sempre falo que precisamos ter um DNA. Algo que diga que você tirou a foto”, aponta o autor. Por causa do início conturbado, ele afirma nunca pensou ser tão respeitado no meio como atualmente.  “Não tem mais nada que possa fazer na minha carreira. Acho que já fiz tudo. Por isso, estou focando em trabalhos mais autorais. Espero deixar um legado para que, um dia, exista uma escola com o meu nome”, sonha.

(Foto: Divulgação)

A inspiração não sai apenas de palavras alheias, a poesia também sai das mãos dele. O fotógrafo também escreve seu olhar sobre o mundo em crônicas que retratam e ilustram suas viagens. Apesar de não ter publicado nada, ainda, a dedicatória que fez no livro ‘Não me obrigue a fazer sentido’ a sua avó mostra uma prévia do talento que podemos esperar. “Todos os dias são assim: o sol se põe a iluminar outros mundos e junto vem as estrelas que se pintam da mesma cor prata do seu cabelo. Junto vem a saudade triste que amarga que nem jiló. Ficam apenas as boas recordações do muito que vivemos. Em cada espelho, vejo a face perdida, pois trago em mim muito de ti. O dormir com os pés descobertos, o amor pelo fluminense, a garra para trabalhar e, principalmente, o olhar doce que tanto influencia minha fotografia. São tantas coisas suas que ficaram em mim. Espero pelo dia que Ele me chamará. Tenho certeza que deitarei de novo no seu colo. Porque sempre foi uma desculpa para carinho. Mas enquanto esse dia não chega, eu fico daqui fazendo da minha fotografia a maneira de dizer o quanto eu te amo, vó. Sempre será dedicado a senhora”, encerra a homenagem. Ela, que já faleceu, junto com a sua mãe são as duas musas inspiradoras do fotógrafo. As palavras talvez tenham vindo enquanto observava o mar junto ao amanhecer, já que Denílson afirma ter escrito enquanto corria pela manhã na praia.

(Foto: Divulgação)

Há dois projetos que o autor pretende publicar. Uma continuação deste livro que está lançando agora e outro com fotos de viagens que fez pelo mundo. Este último vai se chamar ‘Saudades do que eu ainda não vi’ e mostrará um lado diferente do mesmo, pois é um estilo diferente do que estamos acostumados a encontra-lo fotografando. “Quando me separei, há três anos, busquei viajar para lugares diferentes como Islândia, deserto do Atacama e Eslovênia. Percebi que tinha saudades do que ainda nem tinha visto, como diz essa frase”, lembra.

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