Novo seriado na tv, “Under the Dome” lida com microcosmo que reproduz a vilania humana. Nada de novo. Mas precisa?


A série, exibida às segundas-feiras na TNT, apresenta uma comunidade isolada por misterioso campo de força

A nova série exibida na tevê a cabo, “Under the Dome” segue a linha das produções fantásticas que passaram a dominar a telinha desde “Arquivo X”, nos anos 1990, e “Lost”, na década passada. Originariamente desenvolvida para o canal Showtime, acabou sendo oferecida à CBS, nos Estados Unidos. Exibida às segundas-feiras pela TNT aqui no Brasil, a atração tem tudo para agradar os fãs que buscam aqueles enigmas inexplicáveis:  Chester Mills, uma pacata (e fictícia) cidade no estado do Maine, na Nova Inglaterra, acorda literalmente encapsulada por uma misteriosa domo de energia. Ninguém entra, nem sai. Está dada a largada para a ação, em um daqueles roteiros que, através de uma situação inverossímil e mirabolante, procuram desvendar a natureza humana, essa sim, bem real.

O seriado começou bem de público nos EUA. Logo de cara, na primeira temporada, foi assistido por 11,8 milhões de telespectadores, sendo 2.8 entre adultos de 18 a 49 anos, enquanto a estreia da série, em 24 de junho, alcançou 10,8 milhões de pessoas no total, o melhor índice deste primeiro ano, o que já garante um segundo round. Aqui no Brasil, os números ainda não forma divulgados, mas, pelo andar da carruagem, a coisa também vai bem das pernas. Baseada em um romance de Stephen King, que também é produtor executivo da série, junto com Steven Spielberg, a história – uma comunidade isolada do mundo por um campo magnético de energia – não é nova. Sempre que pode, a ficção científica flerta com esse assunto, que já foi até tema de um longa-metragem de “Os Simpsons”, feito para o cinema em 2007. No plôt, Springfield, a cidadezinha onde vive a família que dá nome ao seriado, é isolada do universo através de uma imensa abóbada arquitetada pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Além deste desenho, a cultura pop está recheada de casos que comprovam que o mote de King não é original: o antigo seriado de sci-fi da Fox, “Viagem ao Fundo do Mar”, do mestre do gênero Irwin Allen, já apresentava, em 1961, as aventuras dos personagens vividos por Richard Basehart e David Hedison, a bordo de um submarino nuclear que, em alguns episódios, se deparava com uma comunidade submarina protegida do mar por uma espessa redoma.

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Foto: divulgação

Outro exemplo notório de como a humanidade adora se deixar levar por fantasias onde a civilização humana é representada, em toda sua magnitude, por um microcosmo separado do resto do planeta, é a metrópole kriptoniana de Kandor, nos quadrinhos do Superman. A cidade espacial foi protegida do cataclisma que destruiu o planeta natal do super herói por estar sob uma imensa cúpula de  energia que rodeava todo o seu perímetro e, após lançada ao espaço – inteira! – foi abduzida pelo vilão Brainiac e miniaturizada. Tempos depois, Superman resgatou Kandor das mãos do outro extraterrestre e engarrafou a mini cidade, com seus habitantes. O engarrafamento, neste caso, é literal e não se trata de um nó no trânsito das suas principais artérias de circulação.

E, até mesmo na década de setenta, quando as audiências estavam voltadas para tramas mais realistas que retratavam a vida de gente comum, o cinema não abandonou o tema. “Zardoz”, a delirante sci-fi dirigida por John Boorman em 1974, também traz em seu enredo outra abóbada energética salvaguardando seus habitantes do caos que imperava no mundo exterior. Estrelada por um Sean Connery recém-egresso da franquia 007, com bigodão e rabo de cavalo, vestindo uma risível tanguinha e botas de cano alto, trata-se do suprassumo do mau gosto, uma fantasia que é produto da contracultura e que, por isso, também é puro fetiche. O  filme revela um futuro pós-apocalíptico onde a população sobrevivente da Terra é dizimada por guerreiros brutais, enquanto o que restou da civilização vive sob o Vórtex, uma idílica comunidade paz e amor, livre do mal exterior e isolada por um campo de energia invisível. Sob o comando de gatas frias, com poderes mentais, mas sexualmente libertinas – como convinha à cartilha sexual da época, pré-AIDS – encabeçadas por Charlotte Rampling, a vida dentro da cúpula podia até ser sufocante e tediosa, mas sexo não faltava. Pelo contrário, o furor sexual praticamente brotava das paredes energéticas do lugar, em fina sintonia com o frenesi erótico que pontuava o período em que o filme foi produzido. Uma beleza.

Portanto, a nova atração da TNT não é, nem de perto, novidade. Porém, se conseguir o mesmo sucesso que seus antecessores tiveram – ou ainda têm – na cultura pop, vai confirmar aquilo que todo mundo já sabia: a vida em um habitat separado do mundo por uma redoma é como uma experiência em um tubo de ensaio, reproduzindo a essência da natureza humana. Basta estar confinado nesta prisão que suas piores (ou melhores) qualidades podem vir à tona. É sobre isso que o seriado fala. Medo, angústias, a luta pela sobrevivência conduzida pelos temores mais primários, egoísmos animalescos geradas pelo terror, assim como atos de heroísmo surgidos de onde menos se espera.

Tem aquele herói improvável que pode brotar de dentro de qualquer um, interpretado pelo protagonista da série, o bonitão Mike Vogel. Assim como o mocinho, que estava de passagem e foi tragado pelos acontecimentos extraordinários que motivam a história, existem também aqueles que pretendem lucrar com o desespero alheio e a falta de esperança, como sanguessugas dentro do cárcere involuntário. Ou aquele personagem que, provido de tutano – e com talento nato para liderar – instaura uma nova ordem no pedaço que, diante da histeria coletiva, tem tudo para acabar se tornando uma aviltante ditadura militar. E comparecem também os que, por total incapacidade de crer que para tudo existe uma solução, se entregam a uma vida de prazeres dissolutos, querendo tirar uma casquinha do mundo antes que ele acabe.

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Foto: divulgação

Nenhum desses arquétipos é novo e a ficção constantemente se vale deles para faturar milhões – seja em filmes, seriados, literatura ou o que quer que seja. Contudo, é sempre válido retrabalhar esses velhos conceitos acerca da humanidade, mesmo que muitos já tenham feito uso deles antes no mundo do entretenimento. Afinal, como dizia Daryl F. Zannuck, o antigo chefão da Twentieth Century Fox: “Ninguém nunca perdeu dinheiro por subestimar o público”. Veremos.