Na entrega do Troféu Redentor, “Boi Neon” sai na frente em noite que premiou tanto profissionais estreantes quanto os já consagrados


No auditório do BNDES, o evento que encerra a 17ª edição do Festival do Rio também teve discursos feministas e emocionantes, além de reunir a nata do cinema brasileiro

Apresentada por Zezé Polessa e Otávio Müller, a cerimônia de entrega do Troféu Redentor da 17ª edição do Festival do Rio reuniu a nata do cinema brasileiro no auditório no BNDES, no Centro do Rio, durante a noite dessa terça-feira (13). O evento, que celebrou simultaneamente o sangue novo, distribuindo prêmios para profissionais estreantes no mercado, e os nomes que já fizeram história na produção nacional, teve como grandes vencedores os filmes “Boi Neon”, “Nise – Coração da Loucura”, “Aspirantes” e “Mate-me por favor”. Momentos emocionantes no palco também pontuaram a cerimônia com discursos repletos de ideologias, da luta feminista à celebração da nossa força cultural. Abaixo, HT conta tudo o que rolou por lá.

Escrito e dirigido por Gabriel Mascaro, “Boi Neon” faturou o prêmio de Melhor Ficção pelo júri especializado, além de Melhor Roteiro, Melhor Fotografia (Diego Garcia) e Melhor Atriz Coadjuvante (Alyne Santa), enquanto a produtora Rachel Ellis subia ao palco com a filha no colo, completamente emocionada. Juliano Cazarré, protagonista do filme, comentou com HT: “Estou bastante feliz com essa recepção do longa, muito orgulhoso de fazer parte dessa produção. Desde o início, vi que esse era um personagem com muitas nuances, masculino e delicado ao mesmo tempo. Logo de cara, esse aspecto me interessou”.

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Enquanto isso, “Nise – Coração da Loucura”, de Roberto Berliner ganhou como Melhor Longa-Metragem de Ficção pelo voto popular e, em conversa com HT, Fabrício Boliveira, que estava indicado como Melhor Ator Coadjuvante pelo seu papel na produção, comentou: “Esse foi um filme que a equipe toda teve muita dedicação. Passamos 13 anos pesquisando essa história e perceber que o público também sentiu a troca e o envolvimento é muito bonito”.

Antes disso, o tapete vermelho da premiação fervia, à medida que indicados e convidados VIPs chegavam para a cerimônia. Por ali, uma das diretoras do Festival do Rio, Ilda Santiago, comentou animada sobre a emoção das últimas horas do evento. “É muito coração na boca ainda. Estamos esperando os últimos minutos, mas já sinto que 2015 foi um ano muito bom para nós, e que tivemos uma conexão ainda maior com o público”, disse, acrescentando que em dois dias ela já volta à maratona de filmes, enquanto começa a se preparar para a próxima edição do festival.

Em seguida, chega Marina Person, que estreou na direção com o longa “Califórnia” (saiba mais aqui), comentou com HT sobre a empolgação de estar concorrendo na Mostra Competitiva já em seu début: “Para nós é uma emoção muito grande. São poucos filmes competindo e só de estar aqui já vale o reconhecimento. Foram oito anos para fazer esse projeto e depois de tanto tempo eu me sinto muito realizada, é como se meu bebê tivesse nascido. E, mesmo não sendo uma história autobiográfica, esse longa tem muito elementos da minha vida, o que mexe bastante comigo”, comenta, que aproveitou o Festival do Rio para assistir a “Boi neon”, “O olmo e a gaivota” e “Nise – Coração da loucura”.

Caio Horowicz, uma das estrelas principais de “Califórnia”, estreou na sétima arte ao lado da diretora e contou para HT como foi a experiência: “Recebi o convite para o teste através da Renata Kalman (produtora de elenco), e estar aqui hoje é uma felicidade muito grande. A Marina é uma grande parceira, ficou sempre do nosso lado, estava disponível para tudo e nós continuamos amigos mesmo depois do filme. Tanto que hoje viemos juntos”. O ator, que vive o adolescente espertinho, dark e fã de The Cure na produção, comentou que precisou mergulhar fundo no universo do personagem. “Os universos dos adolescentes daquela época e da nossa são muito parecidos, a minha maior dificuldade mesmo foi essa ambientação na era pós-punk. Eu só conhecia ‘Boys don’t cry’ da banda, então fiz toda uma pesquisa sobre músicas daquela época que a Marina me indicou. Muito New Order e Joy Division, por exemplo”, explicou, recebendo mais tarde o reconhecimento pelo seu trabalho com o Troféu Redentor de Melhor Ator Coadjuvante.

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Concorrendo na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante por seu desempenho em “Nise- Coração da loucura”, Simone Mazzer (leia uma entrevista exclusiva com ela aqui) não escondia a felicidade de fazer parte de um dos principais títulos nacionais do Festival do Rio 2015. “Foram quase quatro anos desenvolvendo esse projeto e, para nós que vimos isso sendo construído, só ter as indicações já nos deixa felizes. Acho que o filme levanta uma bandeira muito importante sobre as formas cruéis de tratamento psiquiátrico que existem. Claro, isso melhorou muito, mas ainda é uma realidade em lugares mais afastados e carentes”, comentou a atriz, contando ainda que todo o elenco passou cerca de três meses no Museu de Imagens do Inconsciente, em Engenho de Dentro, onde Nise cuidava de seus pacientes e o diretor Roberto Berliner rodou o filme.

Enquanto isso, dentro do teatro, convidados, imprensa, indicados e celebridades começavam a se acomodar nas cadeiras. Por ali, Nanda Costa exibia o cabelo recém-tingido de rosa, enquanto aguardava o início da cerimônia. “Eu amei mudar o visual, adoro isso! As pessoas estão comentando  e, na verdade, o que a gente quer é isso: causar impacto”, explicou a atriz, que já terminou as filmagens da série “Romance Policial: Espinosa”, a qual estreia no GNT amanhã. “É uma personagem muito misteriosa, diferente de tudo o que eu já fiz. Ela dança na boate onde há um assassino e está envolvida de alguma forma nos crimes, mas não posso revelar muito senão estraga a surpresa”, confidenciou Nanda, que teve seu primeiro gostinho da direção durante a Maratona Geração do festival, na qual rodou um curta-metragem com jovens cinéfilos. “Eu gosto de experiências diferentes, de ousar e de ter novos desafios. Por quê não?”, responde ao ser questionada se pretende investir um pouco mais na faceta de diretora.

Uma das apresentadoras da noite, Letícia Sabatella estava deslumbrante com um vestido preto de renda e fenda poderosa. A atriz, que se prepara para voltar às telinhas em “Velho Chico”, próxima novela das 21h da Rede Globo, com texto de Benedito Ruy Barbosa, Edmara Barbosa e Bruno Barbosa. “Estamos nos estágios iniciais ainda. Eu e o (diretor) Luiz Fernando Carvalho estamos tentando desenvolver essa personagem e descobrir como ela pode se tornar”, contou Letícia, que vê no Festival do Rio uma ótima chance de disseminação da cultura brasileira, principalmente através de iniciativas como o Programão Carioca. Do outro lado da sala, Vera Fischer, que estava encarregada de entregar o Troféu Redentor de Melhor Curta-Metragem, relembrava sua história com o cinema nacional: “A minha ligação é muito grande. Já fiz desde pornochanchadas a sucessos românticos. Tenho uma sintonia muito forte com o cinema nacional”, disse, declarando mais tarde no palco que a tradição foi passada à frente e que seu filho, Gabriel Camargo, de 22 anos, se formou recentemente em Cinema, na PUC.

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Ali perto, Bárbara Paz comentava sobre a diversidade da curadoria do Festival do Rio: “Assisti a filmes belíssimos, produções muito boas da França e da Bélgica, além de quase todos os brasileiros”, comentou a atriz, que está voltando a trabalhar como diretora e planeja para 2017 o lançamento de um documentário sobre o diretor Héctor Babenco, com quem foi casada por quatro anos. “Eu quero transformar a paixão que eu sinto por essa pessoa em um quadro, mostrar através das lentes toda a genialidade dele”, contou.

Momentos antes de a cerimônia de entrega começar, HT ainda conversou com o diretor Walter Carvalho, presidente do Júri Première Brasil. “O critério de escolha para o vencedor é difícil. Julgar os colegas é uma tarefa impossível, e precisamos reunir uma equipe que saiba avaliar com bom senso. Claro, a partir do momento que um vence, alguém que também merece sempre é deixado de lado”, comentou, opinando também sobre o estado da atual indústria cinematográfica brasileira. “O nível dos filmes está muito bom. Vi muita gente jovem interessada em buscar novas estéticas e linguagens em suas produções. Sempre temos muitas surpresas no Festival, mas a maior, para mim, foi ver como o cinema está se mantendo em pé no país, desde as bilheterias (apesar de não serem todos os filmes que conseguem, claro) à relação com o público. A grande dificuldade de hoje é produzir e levantar dinheiro para o audiovisual. Profissionais capazes e talentosos nós temos de sobra”, constatou.

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Eis que Otávio Müller e Zezé Polessa dão início à entrega do Troféu Redentor, em um cerimônia que foi repleta de momentos divertidos e importantes para o cinema. Ao fazer seu discurso de abertura, Walkiria Barbosa declarou sobre a 17ª edição do Festival do Rio: “A palavra de ordem desse ano foi a ‘liberdade de expressão’. Temos o direito de fazer o que, quando e com quem quisermos”, disse, sob uma chuva de aplausos. Em seguida, a diretora Carla Camurati foi homenageada por ter dado início à “retomada do cinema brasileiro”, ao lançar Carlota Joaquina – Princesa do Brazil” em 1995, após um período de grandes fracassos de bilheterias na nossa produção audiovisual.

Após vencer o Prêmio Félix de Melhor Longa de Ficção (como mostramos aqui), “Beira-mar” ainda faturou o Troféu Redentor da Mostra Novos Rumos, enquanto os diretores, Marcio Reolon e Filipe Matzembacher comemoravam sete anos de namoro no palco do evento. Momentos depois, ambos conversaram com HT sobre a dobradinha: “Sair com esses dois prêmios do Rio é incrível, ainda mais depois de passarmos cerca de três anos nesse processo. Uma dos nossos maiores objetivos é dialogar com o público LGBT. Ficamos muito felizes em constatarmos que o ‘Beira-mar’ foi tão bem aceito. Vivemos um momento muito complicado no país, em que tudo está mais fácil e aberto socialmente, mas ao mesmo tempo vemos um grande conservadorismo de algumas camadas. Isso assusta um pouco, mas a arte tem um papel fundamental de se posicionar nesse quadro e levantar um debate acerca do tema”, comentou Filipe, que já está desenvolvendo com Márcio um próximo longa, que contará uma história de amor entre dois atores eróticos.

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A noite também teve espaço para o protagonismo feminino. A sambista Tuane Rocha, estrela do documentário Pele de Pássaro”, dirigido, escrito e produzido por Clara Peltier, se emocionou ao subir ao palco para receber o Troféu Redentor por Melhor Curta-Metragem, escolhido pelo júri oficial: “A Clara soube retratar com muita delicadeza e sensibilidade a minha história. Eu tive uma filha aos 12 anos e, hoje, é muito gratificante receber esse reconhecimento”.  E, enquanto o júri da Mostra Novos Rumos era presidido apenas por figuras femininas (Rosane Svartman, Diana Almeida, Karen Sztajnberg e Natália Lage), a diretora Petra Costa, que venceu Melhor Longa-Metragem Documentário – Escolha do Júri por “Olmo e a gaivota”, não deixou de citar o tema em seu discurso: “Eu espero que um dia haja a soberania feminina total, para que a mulher possa decidir sobre o próprio corpo, seja por um aborto ou não. E desejo também que um dia nós não vejamos mais nenhum discurso machista, seja contra uma presidente ou contra uma cineasta”, disse, enquanto usava uma peruca azul como parte de uma homenagem ao filme e saía do palco sob aplausos entusiasmados.

O passado e o futuro também se encontraram ao longo da premiação. De um lado, Walter Carvalho fez uma homenagem emocionante a Ruy Guerra, nome fundamental para a construção do audiovisual nacional e que ganhou o Prêmio Especial do Júri por “Quase Memória”. Aos 84 anos, o cineasta subiu ao palco brincando: “Esse troféu me coloca, de certa maneira, em uma prateleira. Mas eu não vou largar a profissão tão cedo! Quero fazer parte desses jovens loucos que têm vontade de buscar novas estéticas e linguagens que aproximem o cinema do público”. E, ao receber o prêmio de Melhor Curta-Metragem por voto popular por “Até a China”, Letícia Friedrich declarou que o Brasil passa pela “aurora da animação”.

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Como é possível perceber, a 17ª edição do Prêmio Redentor do Festival do Rio foi marcada pelo incentivo aos novos agentes da indústria cinematográfica brasileira, sem deixar de celebrar os nomes de respeito do nosso audiovisual, mas com um olhar mais atento do que nunca ao futuro do cinema no país. Por onde se olhava, a força e resistência da cadeia produtiva ficava evidente, como bem explicaram Ilda Santiago e Walter Carvalho ao longo da cerimônia, reforçando ainda mais a importância do evento na fomentação da sétima arte.

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Confira abaixo a lista completa de vencedores:

Première Brasil

JÚRI OFICIAL presidido por Walter Carvalho e composto por Christian Sida-Valenzuela, Alan Poul, Pape Boye e Vivian Ostrovsky.

MELHOR LONGA-METRAGEM DE FICÇÃO –  BOI NEON, de Gabriel Mascaro

MELHOR LONGA-METRAGEM DE DOC –  OLMO E A GAIVOTA, de Petra Costa

MELHOR CURTA-METRAGEM –  PELE DE PÁSSARO, de Clara Peltier

MELHOR DIRETOR DE FICÇÃO –  Ives Rosenfeld (ASPIRANTES) + Anita Rocha da Silveira (MATE-ME POR FAVOR)

MELHOR DIRETOR DE DOC –  Maria Augusta Ramos (FUTURO JUNHO)

MELHOR ATRIZ – Valentina Herszage (MATE-ME POR FAVOR)

MELHOR ATOR –  Ariclenes Barroso (ASPIRANTES)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE – Julia Bernat (ASPIRANTES) e Alyne Santana (BOI NEON)

MELHOR ATOR COADJUVANTE – Caio Horowicz (CALIFÓRNIA)

MELHOR FOTOGRAFIA – Diego Garcia (BOI NEON)

MELHOR MONTAGEM –  Sérgio Mekler (CAMPO GRANDE)

MELHOR ROTEIRO –  Gabriel Mascaro  (BOI NEON)

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI – QUASE MEMÓRIA, de Ruy Guerra

NOVOS RUMOS Júri presidido por Rosane Svartman e composto Diana Almeida, Karen Sztajnberg e Natália Lage

MELHOR FILME –  BEIRA-MAR, de Filipe Matzembacher, Marcio Reolon

MELHOR CURTA – OUTUBRO ACABOU, de Karen Akerman, Miguel Seabra Lopes

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI –  JONAS, de Lô Politi

PRÊMIO FIPRESCI  Júri composto por Christian Petterman, Flávia Guerra e Ricardo Cota

MELHOR LONGA LATINO-AMERICANO – TE PROMETO ANARQUIA, de Julio Hernández Cordón

JURI VOTO POPULAR:

MELHOR LONGA FICÇÃO: Nise – O Coração da Loucura, de Roberto Berliner

MELHOR LONGA DOCUMENTÁRIO:  Betinho – A Esperança Equilibrista, de Victor Lopes

MELHOR CURTA:  Até a China, de Marão