Em um tempo que muitos atores têm começado a se produzir para estar em cena, Virgínia Cavendish fala com propriedade sobre o assunto, afinal, há muito tempo ela tem experiência no meio de produção. Em cartaz com a peça “Não vamos pagar!”, que atua e produz, ela contou: “Desde cedo tenho esse espírito de empreendedora, de ir atrás das minhas coisas. Gosto de ser atriz, mas adoro criar, escolher as pessoas com quem vou trabalhar para aprender com elas. Se a gente não tiver pulso firme, fica nas mãos dos outros, não desenhamos a carreira que queremos. Para crescer como atriz, tem que passar por certos personagens e trajetórias. Minhas referências de grandes atrizes conduzem a carreira de produtora paralelamente, como é o caso da Fernanda Montenegro. Óbvio que é bom receber convites também, porque experimentamos um lugar que não imaginamos antes. Mas é legal ser dona do projeto, ter domínio maior sobre a qualidade artística”, disse ela, que, por outro lado, afirma: “tem que ter vocação para ser produtor”.
“Não é só ter as ideias, tem que saber o que quer fazer e convencer as pessoas que você sabe. Acho bom que os artistas comecem a ir por esse caminho. Dá mais poder nas decisões da carreira. A vida é muito imprevisível, mas, de alguma forma, é legal saber o que estamos fazendo. Produzir não é fácil, é um talento completamente diferente da atuação. Se olharmos bem, nos Estados Unidos a maioria dos atores de cinema também se produzem e produzem, inclusive, filmes dos quais não participam como atores. Aqui, no Brasil, também temos esse histórico. Tinham as companhias de teatro. Se produzir é natural. no audiovisual é novidade, mas no teatro é antigo”, lembrou ela, que também encarou a produção do longa “Através da sombra”, que estreia em maio.
Atualmente, Virgínia se dedica 100% ao teatro. A comédia “Não vamos pagar!” é um texto do dramaturgo italiano Dario Fo e a nova temporada começa no próximo dia 24, no Sesi Centro. “O que mais me atraiu nesse texto foi a comédia. É uma peça politica inteligente e atual, só que tratada com humor. Fazia tempo que não fazia comédia no teatro, eu fiz no cinema, mas nos palcos tinha uns oito anos. Os personagens de ‘Não vamos pagar!’ parecem com os do Ariano Suassuna. A história fala dos trabalhadores de uma cidade que têm dificuldade de sobreviver, pagar as contas, e decidem fazer um saque no supermercado. Os maridos são honestos, não roubam, e as mulheres tentam esconder deles”, adiantou ela, sobre a trama que dialoga com o momento atual do país. “No momento que estamos vivendo agora, uma loucura do que está acontecendo no país, essa peça vem muito a calhar. Além da diversão com o assunto, o espectador se coloca no lugar do personagem e levanta questionamentos de que cidadão ele quer ser. Não dá para ser alienado, não entender de politica hoje. Todo mundo tem que tomar uma posição. A história faz refletir sobre o que cada um faz pela cidade, como lidar com a situação quase beirando o perigo, com pessoas de posições radicais”, comparou.
Realmente, o protesto das personagens contra os preços altos nas gôndolas de um mercado é um tema atual e serve como crítica. “O Dario sempre escreveu pensando nas classes menos favorecidas. Li um livro sobre ele que fala que o Dario estava fazendo turismo na Capela Sistina e, do lado de fora, tinha um mendigo pedindo esmola e ele escreveu sobre o mendigo, não sobre os visitantes da capela. Ele olha para os cidadãos em condições difíceis. Essa peça fala disso mas é com alegria, humor. Minha personagem tem muito do João Grilo de ‘O auto da compadecida’, que não tinha dinheiro, mas humor e enrola todo mundo para se dar bem. Mas, no fundo, é uma boa pessoa. São histórias que o personagem se enrola, não por maldade, mas por necessidade de sobrevivência naquele momento”, analisou.
Fazendo um paralelo entre a ficção de “Não vamos pagar!”, escrita em 1974 na Itália, e o momento político atual brasileiro, Virgínia encontra muitas semelhanças. “A peça foi escrita em uma época que a Itália vivia um regime severo, auge de uma enorme crise política e econômica. Nós estamos vivendo um momento muito confuso no Brasil. Não tem tempo de entender o que está acontecendo, a política brasileira está uma novela, cada dia um episódio e coisas nunca antes acontecidas. Mas eu espero que a mexida nesse caldeirão seja para irmos pra um lugar melhor. Independente de posição politica, que seja esclarecedor para o país como um todo. E sem abrir mão da democracia, claro”, disse.
A nova turnê passa por lugares como Duque de Caxias, Jacarepaguá, Itaperuna e outros e leva o teatro para lugares que, às vezes, são menos lembrados como público, mas Virgínia declarou: acha fundamental levar cultura para o interior dos estados. “Essa coisa de só ter peças na capital não é bom. Todos os estados do país inteiro deveriam exercer essa forma de levar cultura para dentro do estado. São Paulo faz muito isso, mas acho que os governos estaduais de cada estado deveriam ter como obrigação, na parte de cultura, levar peças, cinemas e outros para os interiores e não o povo ter que vir para a capital. Eu tenho alegria de ir para esses lugares que não iria se não tivesse um trabalho para mostrar. O Brasil é imenso e é uma honra ter esse diálogo”, comemorou uma Virgínia que já passou por 22 cidades com a história. “A recepção tem sido maravilhosa em todos os lugares que passamos. Fizemos exibições gratuitas e agora são preços populares. Como logística é uma canseira, mas uma canseira muito bem-vinda, porque é bom viajar, sair dos lugares comuns, levar a história para gente que normalmente não tem possibilidade de ver isso. Já fizemos em escolas, para adolescentes, no escuro uma vez que faltou luz e o povo não saiu, bateram palmas no final. Dá muita satisfação, porque a peça comunica profundamente e cada um pode pegar o entendimento dela como quiser, porque é farsesca, tem comédia dell’arte e pensamento politico. É um espetáculo para a família inteira”, garantiu.
O elenco, que antes era formado por Marcello Vale, Luana Martau, George Sauma e Zéu Brito, além, é claro, de Virgínia, agora é composto por Guilherme Piva, Elisa Pinheiro, Virgínia, George Sauma e Zéu Brito. “Hoje em dia essas trocas são comuns no ãot eatro, porque as pessoas precisam sobreviver e, infelizmente, a TV e o cinema ainda pagam mais. Não tem como competir. Então temos que assumir que é assim e pronto. O certo é todo mundo trabalhar com revezamento, na Broadway isso acontece. A sorte desse espetáculo é que trocamos por pessoas tão boas quanto e acaba sendo uma reciclagem da própria peça. Dá um frescor. A peça não cai de qualidade, vai se autoalimentando a partir das mudanças”, disse ela. Ninguém duvida.
Serviço:
Não vamos pagar! – Teatro Sesi Centro
Temporada: 24 de março a 14 de maio
Horário: Quintas e sextas-feiras às 19h30min e sábado às 19h
Local: Av. Graça Aranha, 01, Cinelândia – Centro.
Capacidade: 350 lugares
Duração: 100 minutos
Classificação indicativa: 16 anos. Menores de 16 podem entrar acompanhados de responsável, mediante preenchimento de autorização diretamente no teatro.
Gênero: Comédia
Mais informações: 21 2563-4163
Valores: R$ 34 (inteira) e R$ 17 (meia)
Ponto de Venda: Bilheteria, segunda a sexta-feira, das 12h às 20h. Sábados e feriados, quando houver espetáculo, duas horas antes.
Site oficial da peça: www.naovamospagar.com.br
Ficha Técnica:
Idealização: Virginia Cavendish
Autoria: Dario Fo
Tradução: José Almino
Direção: Inez Viana
Elenco: Virginia Cavendish (Antônia), Guilherme Piva (João), Elisa Pinheiro (Margarida), George Sauma | André Dale (Luís) e Zéu Britto (sargento, capitão e pai).
Stand in: Luisa Arraes (Margarida)
Iluminação: Renato Machado
Direção musical: Ricco Vianna
Figurino: Juli Videla
Cenário: Omar Salomão
Cenotécnia: André Salles
Operação de luz e som: Jorge Maciel Filho
Camarim e contrarregragem: Marcelo Gomes e Cedelir Martinusso
Design gráfico e fotos de divulgação: Omar Salomão
Assistência de direção: Luis Antonio Fortes
Assistência de figurinos: Alessandra Padilha
Assistência de produção: Bruno Fagotti
Produção executiva | Direção de produção: Virginia Cavendish
Realização: Casa Fortes Produções
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