Envolvido em “O Camareiro” ao lado de Tarcísio Meira, Kiko Mascarenhas diz: “O governo não tem capacidade de avaliar projetos da Lei Rouanet”


Além de atuar, Kiko é idealizador do projeto. A peça, que estreou em setembro em São Paulo, chega a Vitória para startar o oitavo Circuito Banescard de Teatro, sob batuta da WB Produções

Kiko Mascarenhas precisa descansar. Ele quer férias. Também pudera: deixou o Tavares de “Tapas e beijos” e logo assumiu o Gomes de “Mister Brau”. Sem contar que, no meio, viveu o Galeão Cumbica na “Escolinha do Professor Raimundo”; tudo na Rede Globo, e, no teatro, produz e atua em “O Camareiro”, ao lado de Tarcísio Meira e grande elenco. A peça, que estreou em setembro em São Paulo, chega a Vitória para startar o oitavo Circuito Banescard de Teatro, sob batuta da WB Produções. Nos dias 06, 07 e 08 de maio, o espetáculo será encenado no Teatro Universitário. A peça se passa durante a segunda Guerra Mundial, quando um ator de teatro à beira de um colapso nervoso luta no limite de suas forças para interpretar mais uma vez o Rei Lear de Shakespeare. Mesmo senil e com sua saúde debilitada, Sir (Tarcísio Meira), como é chamado por todos, lidera com tirania sua companhia, que começa a desmoronar. Ele conta com Norman (Kiko), seu dedicado camareiro, que desdobra-se para atender às exigências de seu patrão, cuida de sua saúde e tenta ajudá-lo a lembrar suas falas, já que o senhor encontra-se confuso e desorientado. Kiko conversou com HT sobre o projeto – sua estreia como produtor -, o andamento de “Mister Brau”, política e incentivos fiscais para a cultura. Siga o fluxo.

Kiko Mascarenhas em cena (Foto: Divulgação)

Kiko Mascarenhas em cena (Foto: Divulgação)

HT: Soube que foi você quem convidou o Tarcísio Meira para protagonizar “O camareiro”, já que é o idealizar do projeto e tem os direitos da peça. Ele foi o primeiro nome que veio a sua cabeça?

KM: Quando eu li o texto, ele tinha uma descrição física do personagem principal, o Sir. Ele precisava ser uma figura imponente, com uma idade avançada, uma presença muito poderosa, ser alto, e mais, do que tudo, precisava ser uma figura que o público identificasse como grande ator. Aí minha lista de possibilidades se limitou.

HT: E o Tarcísio aceitou de cara?

KM: Começaram a me falar: ‘Ah, o Tarcísio não faz teatro, ele não está nos palcos, ele tem coisas para gravar’. Pensei: ‘Já sei que ele não vai fazer, então o ‘não’ já tenho’. Foi quando o Ulysses Crus, o diretor, entrou em contato e o Tarcísio, inicialmente, pediu o texto. Aí ele ligou marcando uma leitura. Lemos a peça com ele, uma semana depois, em São Paulo, e na sequência mais uma, com um grupo de amigos meus, para que pudéssemos ler todos os personagens. Foi quando o Tarcísio acabou aceitando.

HT: Era uma situação de mais pessimismo ou otimismo?

KM: Eu tinha muita esperança, porque o Sir é um grande personagem, é uma oportunidade única. Esperava muito que ele pudesse ver isso naquele personagem. Até porque a peça homenageia todo os atores e o teatro de uma maneira geral.

HT: O texto fala sobre continuar ou desistir, cumprir sua missão ou desertar, e toca em assuntos como dedicação, devoção, paixão e mostra o avesso do teatro, seus bastidores e sua intimidade. Partindo disso, qual reflexão você espera provocar, enquanto produtor e membro do elenco?

KM: Quando eu li o texto pela primeira vez, achei que só interessaria a quem faz teatro. Depois eu também vi que aquela companhia teatral da história, na sequência a peça fictícia, e percebi que eram metáforas para se falar de um mundo que está de desabando, em ruínas, que lutam pela sobrevivência. Quero que todo mundo volte para casa com a ideia de que é importante não desistir até conseguir o que se almeja. Porque, querendo ou não, os personagens conseguem fazer a peça. Você tem o camareiro querendo que tudo dê certo a todo custo, tem um ator que não sabe se vai conseguir, e outros personagens querendo que a peça não aconteça. Então temos a força desses dois lados.

HT: Como é que agiu o Kiko produtor?

KM: Eu me preocupei com muitas etapas da produção. Eu deixe na mão da Rica (produtora parceira na empreitada) a administração financeira, toda parte burocrática. Me preocupei com a parte artística, figurino, cenário, trilha, com os cabeças de criação. Também tive e tenho muito envolvimento com a programação visual e com o relacionamento entre a produção nacional e o produtor local.

HT: Agora que “O Camareiro” deu certo, quais seus próximos planos enquanto produtor?

KM: Tenho três textos na gaveta – todos com tradução do Diego Teza, que traduziu “O Camareiro”. Eu estou esperando um pouco,  preciso encerrar a produção dessa peça primeiro para começar outra.E eu também preciso descansar.

Kiko contracenando com Tarcísio Meira (Foto: Divulgação)

Kiko contracenando com Tarcísio Meira (Foto: Divulgação)

HT: Porque também tem “Mister Brau”, né. Falando na série, a primeira temporada, mesmo que nas entrelinhas, abordou o preconceito racial. E parece que, nessa segunda, o caráter social não ficará tão latente. É isso mesmo?

KM: Continuam com os mesmos elementos, contando a história de um casal muito bem sucedido, talentoso, e mesmo artistas, ainda lutando contra o preconceito dos vizinhos que se sentem incomodados com eles vivendo no mesmo condomínio de luxo. A Michelle continua tendo o Gomes, meu personagem, como o assistente dela, um quase lord inglês. As questões continuam ali, mas focadas na parte artística. A gente já vê os dois fazendo muito sucesso, com carreira internacional. O que acontece é que a série está mais divertida e com os personagens periféricos ganhando mais destaque.

HT: A série começa por volta de 22h30, na faixa de shows, liderando a audiência, conversando com uma grande massa. Abordar esses problemas sociais é a função da arte? Mesclar entretenimento com alerta?

KM: Quando tem esse elemento, enriquece qualquer trabalho, seja na televisão, no cinema. Quando você consegue transformar o entretenimento em questão social, seja da maneira que for, mesmo que superficialmente, já conta pontos a favor. Eu acho que a série não tem muita pretensão de discutir isso,mas aponta. Se o foco fosse a discussão ficaria chato. Mas como é um plano de fundo para tudo que acontece, ganha um sabor especial. E enriquece, claro.

HT: Muitos produtores e diretores de companhias teatrais do país, incluindo atores de grosso calibre vieram a público se posicionar politicamente contra ou a favor do dito golpe com um vídeo chamado “Roda viva” – por causa da música de Chico Buarque. Qual a linha tênue entre a liberdade de expressão e o abuso do poder de voz de uma celebridade?

KM: Eu acho tudo bem perigoso. Da mesma forma que eu vi artistas se reunindo a favor da democracia, eu vi atores defendendo veemente o impeachment, a mudança de governo. Eu acho que os atores, nessa situação, estão representando a sociedade como ela se encontra agora: partida. Eu encontro um grupo de formadores de opinião pró e um grupo contra. Isso é um retrato. Me preocuparia muito ver uma clássica artística e formadora tendendo para um lado só. Acho saudável a discussão. Perigosa, mas saudável. Metade vai se influenciar. Eu tenho antipatia por diversos políticos e talvez demonstre, socialmente, mais a minha antipatia do que a empatia.

HT: Ok, você não se posiciona diretamente, mas na Era PT, a cultura foi bastante pautada pela Lei Rouanet. E, recentemente, o Tribunal de Contas da União determinou ao Ministério da Cultura que produções que seu autossustentem não sejam aprovadas no editorial. Qual sua opinião?

KM: A partir do momento que você produzir, as coisas vão ser sempre difíceis. Eu aprendi isso desde antes da posição de produtor. Enquanto ator, sempre vi o quão difícil era. Eu tenho criticas – até um pouco severas – enquanto a forma como a lei é aplicada. Eu acho que ela abre brechas para muitas coisas que não deviam acontecer. O governo não tem capacidade de avaliar esses projetos. O nosso sistema não é aparelhado o suficiente para analisar a prestação de contar que são aprovadas, captações e as respectivas modificações que sofrem. Ainda assim, vejo brechas. Calculando o número de projetos que têm que se reportar o Minc para que se faça um fechamento, seria preciso um pequeno exército para dar conta disso. Desde a hora que o governo terceiriza ou coloca na mãos das empresas a decisão do que vale a pena ser produzido. Ah, isso sem contar que os editoriais podem gerar negociações escusas: como você sabe quem aprova o quê?

HT: Para encerrar, a nova “Escolinha do Professor Raimundo” volta para uma segunda leva de episódios ou não?

KM: Não chegou nada. Eu ouvi falar que talvez haja uma segunda temporada. Não me foi feito nenhum convite oficial. É só um comentário.

HT: Se rolar, você vai, né?

KM: Imagina! Seria uma graça. Olha, eu sou um ator que não fico nervoso antes de entrar em cena. Não tenho mais aquele desespero que é tão comum de se ouvir. Mas fazendo a “Escolinha” eu senti isso. Eu vi um time que eu julgo de primeira linha bem nervoso. É uma grande responsabilidade.

Serviço

8ª Edição do Circuito Banescard de Teatro com a peça “O Camareiro”, com Tarcísio Meira, Kiko Mascarenhas e grande elenco

Direção: Ulysses Cruz

Texto: Ronald Harwood

Data: 6, 7 e 8 de Maio

Horários: sexta e sábado às 21h, domingo às 18h

Local: Teatro Universitário – UFES

Endereço: Av. Fernando Ferrari, 514, campus da UFES – Goiabeiras

Preço: Térreo – Setor A e B : ​R$100 (inteira), R$50 (meia-entrada)

Mezanino: R$ 60,00 ( inteira) , R$ 30,00 ( meia entrada)*

Bilheteria: de terça-feira a sexta, das 15h às 20h, e sábado e domingos do evento, ou pelo site www.ingresso.com.br