Da peça “Horácio” ao fechamento da Casa Daros, passando pela importância do MAR no Porto Maravilha: um papo cabeça com Carlos Gradim


Diretor do Museu de Arte do Rio, Gradim é também o responsável pelo espetáculo “Horácio”, que está em cartaz até o dia 26 de julho no Teatro Poeirinha, em Botafogo. Em entrevista ao HT, ele disse que “a profissão de artista é muito cruel, ora em baixa, ora em alta”

Não é só o nome que aproxima Horácio do filósofo romano. Reflexão também é o forte do personagem de peça homônima que está em cartaz até o dia 26 de julho no Teatro Poeirinha, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Horácio é um personagem multifacetado pelo tempo. Interpretado por três atores, sonhava em ser poeta aos 23 anos. Aos 46, acabou por se transformar em um advogado distante dos objetivos iniciais. Aos 72 anos, é um homem maduro que olha para trás e consegue enxergar toda a sua história. É daí que ele tenta se reconhecer, se autoanalisa. Pesa na balança o que queria ser, o que é o que será.

11218463_672286942901769_3507919383930571820_n

“Horácio”, agora no Rio (Foto: Divulgação)

Qualquer semelhança entre o diretor da peça Carlos Gradim e Horácio, não é mera coincidência. Assim como o personagem, Gradim também se coloca em uma balança. “É um autorretrato. Eu me vejo, de fato, espelhado no Horácio com meia idade, e me projeto nele com 80 anos. O argumento é meu e por isso mexi no texto o tempo inteiro. Em alguns momentos dava quase uma inflexão. As minhas escolhas na direção estão sempre ligadas à esses questionamentos de existência, de alguma coisa da vida”, contou, traduzindo para HT o real fio condutor da história. “É uma reflexão sobre o quanto nos aprisionamos diante de certos acontecimentos da vida e como eles limitam nossa existência”.

11401164_673073042823159_1516264149782777342_n

Cena de “Horácio” (Foto: Divulgação)

“Horácio”, que já foi montada em Belo Horizonte no ano de 2013, foi indicada ao Prêmio Copasa Sinparc de Artes Cênicas em quatro categorias: diretor, espetáculo, iluminação e ator. Ela só chega ao Rio dois anos depois por causa de alguns caminhos diferentes que a vida de Gradim tomou. “Eu já tinha o patrocínio para fazer a peça em BH. No Rio, não. Acabou também que eu me mudei para assumir a direção do Museu de Arte do Rio (MAR) e meu tempo ficou tomado. Hoje eu já consigo voltar um pouco para outras atividades como produção e direção de teatro”, contou ele que também justifica a demora no caráter experimental de seu trabalho. “Tivemos que ensaiar muito e aconteceu a substituição de um ator. Tudo isso demanda tempo e identificação. E tem a questão do patrocínio que só chegou agora”.

CarlosGradim_Foto-ThalesLeite_4a

Carlos Gradim (Foto: Thales Leite)

Contratempos (alguns positivos) à parte, “Horácio” chega perto dos cariocas provocando essa reflexão sobre as várias faces da nossa existência, e não deixando de se aproximar – passe o tempo que for – da história de Gradim. Assim como Horácio, que sonha em ser poeta, mas se torna advogado para se ver incluso na sociedade tradicional, o diretor se viu saindo – vezes sem querer – do meio artístico em sua essência. “Eu fui artista somente 18 anos da minha vida. O meu foco era o produto artístico até o dia em que eu fui convidado pelo Governo de Minas Gerais para trabalhar no projeto com jovens de rede público utilizando ferramentas artísticas. Era o ‘Valores de Minas'”, lembra.

À época, Gradim tinha acordado ficar um ano no projeto e dali continuou a serviço do governo até que se tornou gerente do Circuito Cultural Praça da Liberdade. “Foi nesse momento que eu li o livro que gerou a peça e percebi que estava completamente desvirtuado do meu caminho. Isso me causou angústia. Eu estava em meia idade (aqui outra semelhança com Horácio) e de fato comecei a confrontar minha própria imagem. Eu havia me transformado num executivo da cultura”, admite.  Não que fosse ruim, mas Gradim sabia que não era mais um artista tradicional. “Eu já tinha o hábito do salário mensal, coisa que, de alguma forma, cria uma falsa ilusão. Eu só consegui entender com clareza como estava a minha vida a partir dos 44 anos”.

Falando tudo isso sem arrependimento e confirmando ter tido “muitos prazeres”, o diretor teatral viu no convite para assumir o MAR como a oportunidade certeira para retomar – enquanto havia tempo – as rédeas da vida. “Entrei para o museu, ganhei a licitação e voltei a fazer com que o ‘Horácio’ acontecesse. Comecei a dividir meu tempo entre dois prazeres. Encontrei meu lugar na gestão, mas sem perder o espaço de viver o sonho”, contou. E, assim, com os trilhos encaixados, colocamos Gradim para fazer o mesmo que o personagem nos teatros: analisar sua própria vida. O resultado? “Análise bastante positiva. Eu realizei muitas vontades. Quis fazer teatro e fiz. Felizmente, fui muito reconhecido. Tenho vários prêmios. Tive reconhecimento de crítica e público, fiz dois longa metragens produzi música e agora estou nas artes visuais”, listou sem modéstia.

E é exatamente a arte visual que HT traz para o centro da roda de conversa. A começar pelo lamentável fechamento da Casa Daros, importante centro cultural de iniciativa privada do Rio de Janeiro. O local fechará em dezembro deste ano após dois anos de funcionamento. Gradim nos conta que o fechamento o deixou bastante assustado. “Como a gente consegue ter um investimento que me parece girar em torno de R$ 82 milhões para restauro e manutenção, e de repente as portas se fecham? Tem questões aí que a gente desconhece”, questionou sem deixar de lembrar do “acervo invejável” da Casa. “Fizeram um trabalho magnífico de restauro. Deram outra cara para um prédio abandonado. A Casa Daros tinha se tornado um espaço do carioca, já estava no roteiro cultural da cidade”, lamentou.

Casa Daros (Foto: Guito Moreto)

Casa Daros (Foto: Guito Moreto)

Com outro tom, Gradim já lembra de uma iniciativa superbacana que é a Operação Urbana Porto Maravilha, que atuou no preparo da Região Portuária para se integrar ao processo de desenvolvido do restante da cidade. De cadeira, ele foi tácito ao afirmar que “o MAR é o precursor do projeto”. “O MAR traz essa concretização. Ele fez com que toda uma população enxergasse que o projeto era real e que traz uma mudança incrível para o Rio. E falo de mudanças sociais e históricas”, disse.

mar

Museu de Arte do Rio (Foto: Reprodução)

Por fim, após discorrer sua experiência como gestor e entre coxias, Carlos Gradim, ao ser questionado sobre os principais desafios como diretor do museu e diretor da peça, não conseguiu encontrar uma linha tênue. O motivo? “São dificuldades diferentes”. “No caso do meu, as dificuldades são de gestão, de práticas, são coisas mais racionais. No caso do teatro, claro que passo por isso também, mas as dificuldades são mais de alma. A cada novo desafio a gente está à beira do abismo. A profissão de artista é muito cruel, ora estamos em baixa, ora em alta. Estamos o tempo todo nesse embate”, falou. Em qual nível ele está? Coitado de quem achou que a resposta seria alguma diferente de “em alta”.

Serviço

“Horácio”

Uma reflexão sobre o quanto nos aprisionamos diante de alguns fatos da vida e como eles acabam limitando nossa experiência diante dela. Horácio, interpretado por três atores, vive um drama existencial durante um diálogo absurdo em três fases da vida em seu próprio velório.

Direção geral de Carlos Gradim.

Com Leonardo Fernandes, Alexandre Mofati e Geraldo Peninha.

Teatro Poeirinha: Rua São João Batista, 104, Botafogo.

Telefone: (21) 2537-8053. Quartas, quintas, sextas às 21h; sábados às 19h e 21h; domingo às 17h e 19h. R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada).