A pluralidade e a sensibilidade da carreira de Maria Bethânia foram o mote principal do 26º Prêmio da Música Brasileira, que lotou o Teatro Municipal com os maiores nomes do cenário artístico nacional na noite desta quarta-feira (dia 10), sob a direção-geral de José Maurício Machline. A importância de Bethânia foi retratada no prêmio de forma grandiosa, onde alguns de seus amigos e, consequentemente, grandes nomes da música, se dividiam entre seu vasto repertório de 49 álbuns, ao mesmo tempo em que outras figuras importantes da nossa dramaturgia declamavam textos assinados ou lidos por ela durante suas turnês. O evento foi apresentado por um quase tímido Alexandre Nero e uma radiante Dira Paes. Ambos lendo o roteiro afetuoso assinado por Zélia Duncan, que também se apresentou na premiação com uma interpretação emocionada de “Rosa dos Ventos”, terminando com um “Viva a música brasileira! Viva Bethânia!”.
A noite, como era de se esperar, foi repleta de grandes momentos históricos para a música brasileira, em uma celebração inédita e merecida. Entre as apresentações, fica difícil escolher um ou outro destaque. Renata Sorrah, trêmula de emoção no palco do Municipal, declamou um pedaço do texto assinado por Fauzi Arap para o show “Rosa dos Ventos”, de 1971. E o que dizer de Johnny Hooker, vencedor do prêmio de Melhor Cantor na categoria Música Popular e uma das melhores revelações dos últimos anos, duelando versos com Alcione e Letícia Sabatella, os três em sincronia poética?
Alcione, por sinal, foi um dos grandes nomes da noite. Além de cantar “Negue” e “Lama” e levar para casa o troféu de Melhor Cantora de Samba, Marrom ainda protagonizou um dos melhores momentos da noite e mais espontâneos – algo difícil em premiações televisionadas e roteirizadas como essa. Pedindo para o “Comendador” esperar um pouquinho, a cantora icônica pegou o microfone de Dira Paes e começou a contar uma história de quando ela e Bethânia foram a Salvador, provocando risos na plateia e gargalhadas de felicidade na homenageada, a quem chamou de “Diva das divas diviníssimas do Brasil”. Para concluir, declarou: “É por isso que ela será a homenageada, ‘A Menina dos olhos de Oyá’ da Estação Primeira de Mangueira“, disse, fazendo referência ao enredo da escola de samba que também homenageará as cinco décadas de carreira da irmã de Caetano Veloso.
Caetano também foi um dos grandes nomes da noite, como não poderia deixar de ser. Cantando “É de manhã”, sua composição para a irmã, o artista emocionou o público – muitos com os olhos marejados – enquanto o telão exibia fotos dos dois. Mais cedo, durante o tapete vermelho, HT falou com Moreno Veloso, que também foi lá para prestigiar a tia: “Eu sou muito fã dela. Minha tia merece tudo isso e muito mais”, disse.
Outra figura que cresceu ao lado de Bethânia e não poupou elogios à cantora foi Bela Gil, um espécie de ‘sobrinha emprestada’ da cantora. “Ela é uma pessoa muito particular e reservada. Eu tive o privilégio de conhecê-la desde pequena graças ao meu pai, mas tive mais contato com a artista Bethânia. Sua voz, sua presença no palco, são incríveis”. Sobre o Prêmio de Música Brasileira, Bela foi tácita: “Um pedaço da história do Brasil está aqui hoje. Essas pessoas quebraram tabus e tendências, e esse tipo de homenagem faz com que o público valorize a importância que eles tiveram para nós”, enfatizou.
Voltando aos números musicais: Lenine, que nunca decepciona, fez um medley de “Pau de arara” e “Último pau de arara”, em mais um ponto alto da noite. Momento antes, durante o tapete vermelho, ele confessou ao HT: “É uma maravilha estar aqui hoje, ainda mais com essa homenagem à Bethânia, quem admiro tanto. Ela já gravou algumas composições minhas e é algo que dá uma exposição sem tamanho”, disse o músico, que lança seu espetáculo “Carbono” na próxima terça-feira (dia 16), no Rio.
Outro espetáculo de arrepiar foi o pot-pourri ‘incorporado’ por Mariene de Castro e aquela voz divina da artista. Responsável por homenagear a faceta religiosa da obra de Bethânia, a cantora apresentou, entre dançarinos, rodopios e arrepios, “Paiol de Ouro”, “Cabocla Jurema”, “Iansã” e “As Ayabás”, completando o número com uma declamação enérgica e poderosa de “Quero ser tambor”, por Elisa Lucinda. Ao final do evento, a atriz e poetisa comentou com HT: “Aquele palco foi histórico! Quando você entra, ele é uma fogueira! Estava quente, fervendo. Tenho honra de ter participado dessa festa. Devo muito à Bethânia, foi ela quem me ensinou que é possível unir música com poesia e ainda assim tocar nas rádios”.
“Iansã” é também a música que dá nome ao disco, turnê e fase atuais de Alice Caymmi, que concorria nas categorias de Melhor Cantora e Melhor Álbum das categorias Pop/Rock/Reggae/Funk/Hip Hop. “Bethânia significa tudo, né?!”, comentou a Rainha dos Raios com HT. “Hoje, ver minha tia cantando e ela também será uma experiência sensorial!”, contou.
Claro, cantoras de todas as gerações encontram em Bethânia não apenas um ícone, mas um exemplo de como levar uma carreira impecável e longeva, sempre no auge do talento. Logo, o que não faltaram foram elogios à homenageada. Nina Becker, por exemplo, que disse estar feliz apenas por concorrer no prêmio – a artista disputava a categoria de Melhor Cantora de MPB -, comentou: “Para mim, ela é como o sol, as montanhas, o céu. É uma força da natureza que a gente não questiona”. Já Gaby Amarantos, que estava deslumbrante em um vestido cheio de rendas e transparências, enfatizou: “Só vim por causa dela que, para mim, é maior que tudo”. Fernanda Takai, que levou para casa os prêmios de Melhor Projeto Visual e Melhor Álbum de Canção Popular, falou: “Quando eu era mais nova, lembro de escutar o [disco, de 1973] “Drama 3º Ato” com meu pai. Eu não entendia muito bem aquelas letras tão densas, mas adorava. E, hoje, revisitando, vejo como me identifico”. Emanuelle Araújo, baiana arretada também, faz coro aos ‘agradecimentos’: “Todos esses ‘doces bárbaros’ são minha influência direta. Até hoje escuto e me inspiro”. E tem alguma preferida? A morena logo começa a cantarolar no gogó “Não mexa comigo que eu não ando só!”, versos de “Carta de amor”.
As cantoras não são as únicas a se derreterem por Bethânia, obviamente. Atrizes que passaram pelo red carpet da premiação também não pouparam elogios e memórias à artista baiana. Leandra Leal, por exemplo, disse: “Eu ouvia muito muito muito Maria Bethânia quando era adolescente. Foi importante para mim”. Aracy Balabanian, que também completa 50 anos de carreira em 2015, comentou: “Sou fã dela desde o início da vida!”. Já Luana Piovani, gravidíssima ao lado de Pedro Scooby, disse: “Meus bebês já ouvem as músicas dela desde já. Está no top 5 de artistas que mais tocam lá em casa”. Ela ainda enfatiza um texto específico da cantora: “Não tenho como escolher só uma música ou disco que me marcou, mas, agora, acho que a interpetação que ela fez de ‘Navio Negreiro’ cabe muito bem no momento que o Brasil e o mundo todo estão passando. Só de lembrar eu já estou arrepiada!”.
E, realmente, no palco do Teatro Municipal, Maria Bethânia conseguiu, aos 68 anos, mostrar por que merece todo esse carinho e homenagem no Prêmio da Música Brasileira. Ao esquecer parte da letra de “O Quereres”, ela mostrou humildade e pé no chão em meio à pompa e, longe de desanimar, voltou com força total em “Fera Ferida”. Para encerrar a noite, ela agradeceu à natureza, ao ventre e a todos os amigos que a acompanham durante essa trajetória. “São 50 anos! Tem que ser mulher!”, frisou. Mulher, cantora, poetisa, atriz, encantadora: Maria Bethânia é unanimidade nacional e orgulho para o país. E permanecerá assim por toda a eternidade.
Confira abaixo a lista completa de vencedores:
Pop/rock/reggae/hip-hop/funk
Melhor cantor: Ney Matogrosso
Melhor álbum: Ney Matogrosso
Melhor grupo: Os Paralamas do Sucesso
Melhor canção: Sedutora
Melhor cantora: Marisa Monte
Canção popular
Melhor cantor: Johnny Hooker
Melhor álbum: Fernanda Takai
Melhor grupo: Saulo Duarte e a Unidade
Melhor cantora: Roberta Miranda
Melhor dupla: Zezé di Camargo e Luciano
Regional
Melhor cantor: Alceu Valença
Melhor cantora: Marlui Miranda
Melhor dupla: Zé Mulato e Cassiano
Melhor álbum: As Ganhadeiras de Itapuã
Melhor grupo: As Ganhadeiras de Itapuã
Especiais
Melhor DVD: Gilberto Sambas ao Vivo
Álbum em língua estrangeira: The Chico Buarque Experience
Álbum erudito: Villa-Lobos – Sinfonia nº 10 – Ameríndia
Álbum infantil: Zoró (Bichos esquisitos)
Instrumental
Melhor álbum: Hamilton de Holanda Trio
Melhor solista: Hamilton de Holanda
Melhor grupo: Quarteto Maogani
Samba
Melhor cantora: Alcione
Melhor cantor: Arlindo Cruz
Melhor álbum: Passado de Glória – Monarco 80 anos
Melhor grupo: Semente
MPB
Melhor cantora: Monica Salmaso
Melhor cantor: Luiz Melodia
Melhor grupo: ZR Trio
Melhor álbum: Valencianas
Revelação
Melhor álbum: Brahms e Liszt – Piano Sonatas
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