“Uma carreira que começou de maneira insegura e veio do estopim de um processo pessoal muito importante”. É assim que Tiê, aos 35 anos, resumiu sua trajetória profissional em entrevista exclusiva ao HT. A cantora paulistana, que em setembro do ano passado lançou seu terceiro e elogiado disco, “Esmeraldas”, pela Warner Music Brasil, tem conquistado os amantes da MPB desde que surgiu em 2009 com seu début “Sweet Jardim” e, agora, vê o single “A Noite” bombando nas rádios, como parte da trilha sonora oficial de “I Love Paraisópolis”.
“Eu fiquei bem doente e, depois desse quase bater as botas, me libertei totalmente e fui para o outro extremo. Do autocrítico, fui para o ‘sou assim’. Resolvi trabalhar na sinceridade”, continua explicando Tiê sobre o que a fez se jogar de cara na carreira musical. O resultado dessa ‘nova’ fase de autoaceitação pode ser percebido nas músicas que a artista compõe, nas quais, desde seu primeiro LP, vem tratando sobre temas pessoais como desilusões amorosas, romances, divagações e sua própria identidade.
Essa exposição do íntimo através da arte não assusta Tiê, ao menos agora. Muito pelo contrário: ao se abrir nos palcos, ela encontra uma maneira de se conectar com os fãs e passar adiante sua própria experiência. “Eu lancei o “Sweet Jardim” e vi que tinha feito um disco todo autobiográfico. Na época, fiquei um pouco ansiosa e pensei ‘gente, estou abrindo o meu mais íntimo’. E aí a pessoa para quem você escreveu a música também sabe do que se trata, então entrei nessa crise um pouco. Depois, percebi que minha música funciona: penso em alguém, toco, a pessoa escuta e, na quinta vez que ouço, ela não é mais minha e nem da pessoa. É universal. Por isso que funciona, porque as pessoas se identificam com as histórias por terem as mesmas paixões, frustrações e emoções. Outro dia, eu ouvi meu primeiro álbum e gostei até mais do que quando lancei. Teve uma fase que ele não me agradava tanto. Hoje em dia, acho um disco muito corajoso, realmente. Um tapa na cara, de tão cru”.
A universalidade de suas músicas realmente atinge todas as camadas. Tanto, que Tiê conta que até Bruna Marquezine sabia cantar “A Noite”, quando as duas se encontraram nos bastidores do programa “Encontro”, com Fátima Bernardes. “Foi um prazer conhecê-la! Ela foi super simpática, sabia toda a letra e eu fiquei muito satisfeita e feliz. É sempre muito bem-vindo ter uma música em novela, está muito legal essa repercussão”, comentou.
Tiê – “A Noite”
A exposição gerada pelo fato de a música ser um dos principais temas da novela fez com que Tiê perdesse um pouco da privacidade que tinha no passado, à medida que novos admiradores foram se agregando em volta da cantora. Entretanto, ela comenta que não acha ruim esse contato direto e costuma até trocar mensagens com seus fãs no whats app: “Eu adoro! Lido muito bem com isso, apesar de estar aumentando. Outro dia, às 7h tinha uma mina me encarando na clínica onde fui fazer exame de sangue. Têm acontecido algumas situações mais inusitadas assim, o que é novo para mim. Mas eu acho legal. Claro que, às vezes, não estou preparada, então rola de eu ficar mais respondona, dependendo da situação”, conta, lembrando um episódio em que um fã esperneou na internet por ela não fazer shows na Bahia com regularidade e teve uma resposta mais direta da cantora, que administra suas próprias redes sociais.
Esse, por sinal, é um lado pouco comentado, mas inusitado de Tiê, que diz muito sobre o tipo de artista que ela é. Afinal, não são todos os cantores que se dão o trabalho de cuidar, ao mesmo tempo, das redes sociais, composição e divulgação de sua música. Tiê conta que ela mesma mantém o olho sobre tudo o que acontece na sua carreira, chegando até a agendar os shows. “Não dá para ser diferente. Não me vejo nessa vida esperando alguém fazer algo por mim. Não sossegaria! Todas as vezes que deixei minha carreira para outra pessoa cuidar foi um estresse. Agora, fico mais cansada, mas menos deprimida do que antes”.
Nesse lado empreendedor de Tiê, está a Rosa Flamingo, empresa através da qual a cantor agencia e produz novos artistas, como André Whoong, que tem sido seu foco atual.”Não estou criticando quem só canta, mas prefiro ter mais tempo ocupado do que ocioso. Hoje, isso é grande parte do meu trabalho e é algo que me dá mais solidez. Fico feliz por botar a mão na massa assim”.
Essa preocupação e interação com outros artistas não se faz presente apenas através da Rosa Flamingo. Tiê também costuma convidar outros nomes do cenário cultural brasileiro para se apresentarem através do projeto “Na cozinha ou no jardim”, com shows gravados no próprio quintal da cantora. “Isso veio de uma ideia quando tive minha primeira filha. Como não podia sair à noite nem ficar até muito tarde na rua, comecei a convidar alguns amigos para tocarem aqui”, explica. Dentre os episódios mais inusitados, ela lembra quando a Banda Uó carregou vários fãs para a porta de sua casa, e um outro em que vizinhos foram atraídos pelo som e pediram para participarem do show privado. “Acho tudo muito bacana, adoro agregar as pessoas”.
Banda Uó se apresenta na casa de Tiê
Para criar “Esmeraldas”, entretanto, Tiê preferiu dar um tempo da correria de São Paulo e se isolar um pouco na cidade homônima, no interior de Minas Gerais. Lá, ela diz que a concepção para o álbum surgiu em cerca de cinco dias, e depois foi só passar para o processo de gravação. Entretanto, engana-se quem acha que a artista não gosta da vida urbana que a capital paulista oferece. “Eu adoro, apesar de me cansar de vez em quando. Amo essa loucura, não conseguiria viver em Esmeraldas. O bom de lá é que pude me desconectar do frenesi daqui e consegui pensar na primeira música. O disco foi começando a fazer sentido e nasceu. Mas não me vejo morando na roça e, sim, nesse meio a meio, porque sou apaixonada por um clima bucólico, gosto de praia e da montanha, mas também sou louca por cidades”.
Pode não parecer, mas ainda no terceiro disco, Tiê não tem a ambição de se tornar um ato mainstream. Nas palavras da própria, ela vê sua carreira ‘seguindo no paralelo’. “Desde o início, eu sabia que isso não ia rolar, que eu não teria algo explosivo, mesmo que no meio indie”, conta, com modéstia. Até no meio alternativo, ela tem seu devido peso. Logo, fica impossível não perguntar à artista e empreendedora o que ela pensa sobre o novo sistema de streaming que tem levantado argumentos calorosos dos dois lados do debate: entre quem apoia a música livre, e quem acha que a arte deveria ser consumida mediante pagamento.
“Eu confesso que ainda não cheguei a uma conclusão. Acho que para alguém do meu tamanho, o streaming ainda é mais positivo do que negativo”, diz, enquanto comenta ainda sobre a maior defensora pública dos direitos autorais. “Talvez para a Taylor Swift faça uma diferença muito grande. No meu caso, já tive vários fãs falando ‘que beleza, ouvi você comentando suas músicas no Spotify‘. De qualquer forma, não tenho muita certeza, e acho que ninguém tenha ainda, porque é algo muito novo, que a gente entende com o tempo. Acredito que seja uma parceria boa por enquanto, porque muitas pessoas conhecem meu trabalho por streaming”.
Neta da atriz Vida Alves, que protagonizou o primeiro beijo hétero (em 1951, com Walter Fórster) e homossexual (em 1963, com Geórgia Gomide) da televisão brasileira, Tiê se assusta com a intolerância vigente. “Acho uó! É inacreditável que ainda hoje fiquemos questionando desse jeito e não tenhamos entendido que o amor transforma. Acho que isso está muito claro. Esse, na verdade, é o lado ruim da internet, porque você acaba sabendo muito a opinião dos outros, o que pode ser totalmente chato, antiquado e meio ridículo até. Mas eu tenho esperança. Vejo pela minha filha, que está tão acostumada com os casais gays que são meus amigos. Na época da escola, eu era a única com pais divorciados. Hoje, minha filha é uma das poucas com os pais casados…”.
Conversar com Tiê é assim: ela não tem medo de ser crítica, de se expor ou de falar de si mesma, algo que já é perceptível pela sua música. A transição de autoaceitação e ‘sou assim mesmo’ fez um bem inestimável para a artista, mãe de duas filhas, empresária e confiante. Quando perguntada o que a Tiê de “Esmeraldas” diria para a de “Sweet Jardim”, ela para, pensa e conclui: “Calma. Algumas coisas, não adianta, só vêm com o tempo. É o aprendizado de estrada”, reflete. Para quem começou a cantar ainda em 2004 e já se prepara para lançar um novo disco no ano que vem, percebe-se que a estrada foi generosa com Tiê.
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