Depois de rodarem grande parte do Hemisfério Norte, Caetano Veloso e Gilberto Gil finalmente desembarcaram ontem, no Rio de Janeiro, com a turnê “Dois amigos, um século de música”, dando início a uma série de shows que irão realizar no Metropolitan ao longo das duas próximas semanas. Desde “Tropicália Duo”, em 1994, que a dupla não apresentava junta um espetáculo, mas mesmo que os músicos tivessem perpetuado a parceria pelos últimos 20 anos, ainda assim a casa estaria lotada, como esteve nesta sexta-feira.
A diversidade do público que foi ao Metropolitan reflete a abrangência do poder de Caetano e Gil. Jovens, adolescentes, sozinhos ou acompanhados dos pais, casais e pessoas que viram a dupla começar a carreira, ainda na década de 1960. Claro, também não faltaram por lá celebridades como Malu Mader que, acompanhada do marido Tony Bellotto, estava empolgada para ver o espetáculo: “‘Coração vagabundo’! ‘Drão’! Todas!, Ai, meu Deus, tem muito tempo que não vejo um show dos dois, quero ouvir muitas músicas hoje”, disse a atriz, que voltará à TV em breve, na nova novela das 19h, onde viverá “uma heroína, mas que não é nem boa, nem má”. Fernanda Torres, acompanhada da mãe, Fernanda Montenegro, disse estar “ansiosíssima para ‘Back in Bahia’” e, durante o espetáculo, sentou-se bem em frente ao palco, extasiada ao longo das cerca de duas horas de espetáculo.
Dentro do auditório, entre as várias fileiras de mesas, as Fernandas eram constantemente assediadas pelo público. os fãs chegavam perto apenas para elogiar o trabalho de ambas. Por ali também, Preta Gil era vista cumprimentando alguns dos convidados, acompanhada do marido, Rodrigo Godoy. “Eu tenho uma proximidade muito grande com os dois, né, então vejo que hoje é um momento importante para a música e para cultura brasileiras, é algo histórico. Tenho certeza que vou contar sobre essa noite aos meus netos. Sem falar nesse repertório incrível: eles conseguiram apresentar um lado B de ambos que eu amo”.
Bela Gil, que também foi acompanhada do marido, João Paulo Demasi, já viu o show em outras ocasiões e comentou com HT: “A sequência final é uma das minhas preferidas. Mas independente disso, é muito bom ver como eles são duas pessoas que combinam perfeitamente. Não consigo pensar em uma dupla musical que seja melhor e mais unida”, disse. Enquanto isso, Carla Camurati, que havia assistido aos dois recentemente, mas em apresentações separadas, estava mais que empolgada: “A vida só fez com que essas duas flores crescessem e se expandissem, e uma das melhores experiências é poder desfrutar disso”. E, à medida que o Metropolitan lotava, outros nomes Débora Bloch, Dudu Azevedo e Reynaldo Gianecchini iam se acomodando em seus respetivos lugares.
Quando Gil e Caetano sobem ao palco e soltam os primeiro acordes de “Back in Bahia”, o público, claro, vai à loucura e explode em aplausos. Ali, sentados em um banquinho, cada um dedilhando seu violão, os artistas mostram um espetáculo todo baseado “apenas” em seus próprios talentos, em um show acústico, sem outros músicos de apoio no palco, e uma cenografia composta apenas por um painel de fundo, onde bandeiras de vários países e, posteriormente, de vários estados brasileiros, vão mudando a cor de acordo com a iluminação.
A setlist, como Preta Gil comentou e o público já estava ciente graças à dádiva da internet, passeia por grande parte da carreira de ambos, deixando obviamente muitos sucessos de fora (seria preciso um espetáculo com o triplo de horas para abrigar todos), mas focando em músicas significativas e que criam um diálogo consistente entre si. Odes à Bahia (“Toda menina baiana”, “Eu vim da Bahia”); declarações de amor ao corpo feminino e à mulher (“Super-homem”, “É de manhã”); as influências latinas (“Tonada de luna llena”, “Tres palabras”); momentos de nostalgia com clássicos dos Doces Bárbaros, quarteto formado ainda por Maria Bethânia e Gal Costa, nos anos 1970 (“São João, Xangô Menino”, “Esotérico”) e por aí vai. Como o próprio Caê explica, “É de manhã” marca a passagem mais antiga do repertório, sendo a primeira colaboração de ambos, gravada em 1964, enquanto a inédita “As camélias do quilombo do Leblon”, escrita neste ano após chegaram ao Brasil do período de turnê pela Europa, representa a mais recente inserção na extensa lista de músicas.
Juntos no palco, Gilberto Gil e Caetano Veloso mostram cumplicidade entre cada nota que cantam ou tocam, trocando olhares significativos que parecem relembrar milhares de histórias em um lampejo, enquanto ambos se divertem entre eles mesmos, carregando em cada verso um segredo que só os dois sabem. Vez ou outra, Caê levantava de seu banquinho e ia à beira do palco, dançando com as mãos na cintura, enquanto Gil e o público seguravam alegremente o refrão. Este, por sinal, entrava em transes completos ao longo da noite, fosse se debruçando sobre o violão, de onde extraía inúmeras melodias, ou assistindo à performance do amigo. Em “Sampa”, por exemplo, parecia que os artistas haviam saído momentaneamente do Rio e, por alguma mágica ou telepatia, estavam se apresentando ao mesmo tempo em que caminhavam de olhos fechados pela Ipiranga e a Avenida São João.
Alguns artistas inspiram histeria no público, mas a admiração que a plateia sentia pela dupla que se apresentava ali no Metropolitan ultrapassava isso e chegava a uma espécie de adoração e respeito tão grandes, que raramente alguém gritava antes do fim de uma música ou até arriscava cantar em voz alta. Mas bastava algum dos dois pedir: “Canta, Rio!”, “Só vocês! Mais uma vez!”, que o coral era uníssono, até que as vozes potentes comandassem o show novamente. A sintonia entre os dois e os fãs era tão grande que quase ninguém reparou quando Djavan saiu às pressas, no meio de “A luz de Tieta”, tentando evitar um tumulto.
À medida que o último bis com “Domingo no parque, “A luz de Tieta” e “O Leãozinho” chegava ao fim, Gil resolveu sair do script, para a surpresa até do próprio Caetano, que olhou espantado para o amigo ao não reconhecer as notas da programada “Three little birds”. O parceiro respondeu apenas: “A pedidos!”. Eis que entraram os primeiros versos de “Aquele abraço” e, a essa altura, o gargarejo já estava tomado por fãs dançando com as mãos para o alto, e nem Andrucha Waddington conseguiu resistir ao momento. Os amigos saíram do palco enquanto o público entoava os últimos versos da canção, ambos dançando devagarinho, deixando para trás uma legião de fãs que certamente os acompanhará pelos próximos 50 ou 100 anos.
Artigos relacionados