Herdeira da Mulher Maravilha, Gal Gadot corre risco maior que a destruição da Terra por super vilão!


Candidata a estrela, a nova intérprete da super heroína luta contra a banalização das suculentas mulheres-fruta!

Guarde este nome. Este ano promete ser o da obscura atriz Gal Gadot que, depois de participar das três últimas aventuras da franquia “Velozes e Furiosos”, foi escalada pelo diretor Zack Snyder para viver a nova Mulher Maravilha no cinema, embora em participação como coadjuvante no filme “Batman vs. Superman”, que será lançado em junho de 2015 e tem Henry Cavill mais uma vez no papel do Homem de Aço, além de Ben Affleck como o morcego. Aparentemente, promete ser o fim de uma maldição, pois, há pelo menos uma década, tenta-se trazer a princesa amazona para a tela grande sem sucesso. Afinal, não deve ser mesmo fácil encontrar uma substituta à altura de Lynda Carter, a Miss Mundo que envergou com perfeição o uniforme da super heroína na icônica série de televisão, entre 1975 a 1979.

Além de Carter ser fisicamente a imagem escarrada da personagem (que peitos!), ela foi precursora do biotipo de “bonitona com coxas vazias” que é moda atualmente – aquela separação que tem sido o objeto de desejo das atuais starlets. As más línguas costumavam dizer que ela tinha um tijolo entre as pernas, mas a verdade é que, sem trocadilho algum, Lynda, além de linda, possuía carisma de sobra, tanto que sua carreira praticamente desceu ladeira abaixo após o término do seriado. É um daqueles casos em que celebridade e personagem se tornam indissociáveis, como Charles Chaplin e Carlitos ou Beatriz Segall e Odette Roitman. Entretanto, procurada pelos tablóides, a eterna Mulher Maravilha, atualmente com 61 anos, deu a benção à nova intérprete da heroína, se saindo elegantemente da cilada: “Me preocupo mais com o fato de que a personagem precisa continuar o seu legado do que guardá-la só para mim. Espero que Gal se divirta muito com a paladina, já que ela não precisará carregar sozinha o filme, e estou feliz por ver a Mulher Maravilha ser comentada novamente”.

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Evidentemente, são fundamentais as palavras positivas de Carter para apaziguar a possível ira daqueles fãs xiitas que, porventura, considerem Gadot, beldade israelense de 28 anos, muito diferente da imagem que costumam fazer do principal ícone feminino dos super heróis. Ainda assim, o fato de a película estar nas mãos do diretor Zack Snyder já é meio caminho andado. Depois de despontar no mercado cinematográfico em 2004 com seu celebrado remake de “Zombie – O despertar dos mortos” – onde praticamente reinventou os mortos-vivos como atletas velozes e furiosos, capazes de fazer até triatlo para conseguir degustar uma picanha mal-passada, em  “Madrugada dos Mortos” (Dawn of the Dead, Universal Pictures) –, o rapaz confirmou talento em “300” (300, Warner Bros, 2006) e “Watchmen – O Filme” (Watchmen, 2009, Warner Bros e Paramount Pictures), duas obras baseadas em graphic novels e tidas como improváveis de ser transpostas para a realidade de carne e osso. Em ambos os casos, os próprios autores, respectivamente os quadrinistas Frank Miller e Allan Moore, tinham sérias restrições em ver seu trabalho adaptado para o cinemão, chiaram, deram o contra, mas acabaram mudando de ideia com o resultado.

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Desde quando co-dirigiu “Sin City” (Sin City – A Cidade do Pecado, 2005), junto com Robert Rodriguez, Miller está mais afável em relação à transposição de suas obras para a sétima arte. Já o rabugento Moore, que se recusa a opinar sobre o assunto ou mesmo assistir as adaptações de seus quadrinhos, teve de se render às boas críticas que Snyder recebeu por “Watchmen”, material dificílimo de ser vertido em roteiro cinematográfico e que, por isso mesmo, ficou cerca de 20 anos engavetado, sem ir adiante.

Coisa parecida com o que acontece com o filme sobre a Mulher Maravilha. Não é de hoje que produtores espertinhos de Hollywood almejam trazer para o cinema as aventuras da herdeira amazona de Themyscira. Mas tem faltado a ajuda providencial do Olimpo nessa empreitada. Mesmo nascida com a força de Hércules, a sabedoria de Atena, a beleza de Afrodite e a velocidade de Hermes, a Mulher Maravilha não tem demonstrado vitalidade necessária para conseguir driblar as barreiras necessárias para brilhar nas salas de cinema. É preciso, nesse caso, mais do que habilidades divinas. Há cerca de dez anos, os chefões da Warner Bros, proprietária da personagem, vêm tentando trabalhar um roteiro coerente com a época atual. Gente de renome, como o produtor Joel Silver e o roteirista-diretor Joss Whedon (do seriado “Buffy, a caça-vampiros”), já esteve envolvida no projeto que nunca saiu do papel, o que levou a diretora de entretenimento da DC Comics, Diane Nelson, a declarar: “Ela não tem uma história simples e clara, que todo mundo conheça. Há muitas facetas da Mulher Maravilha e eu acredito que o segredo seja a maneira com a qual você trabalha este aspecto no lugar certo. Continuamos tentando, mas é complicado”.

Existem pelo menos duas razões para dificultar o processo. A primeira delas é conceitual: a personagem está profundamente enraizada com os arquétipos de feminilidade, liberdade e igualdade entre os sexos. Quando foi criada em 1941, pelo psicólogo William Moulton Marston (sob o pseudônimo de Charles Moulton), a Mulher Maravilha representava a legião feminina que precisou ir à luta, ocupando o mercado de trabalho deixado pelos machões norte-americanos que foram parar nas trincheiras da Segunda Guerra Mundial. Obcecado pelo novo papel da mulher na sociedade, Marston  um dos criadores do detector de mentira, cuja semelhança com o laço mágico da verdade nunca foi mera coincidência  criou a heroína acreditando no potencial educacional das histórias em quadrinhos. Além disso, o teórico do feminismo era casado com Elizabeth Holloway Marston, mas o casal vivia uma relação polígama com Olive Byrne, aluna dele. Freud explica.

Bem moderninho para sua época, o inventor e escritor de quadrinhos prenunciou, com sua criação, o barulho que as mulheres causariam a partir do final dos anos 1960, queimando sutiãs em praça pública e se recusando a preparar o jantar do maridinho. Em 1974, quando o seriado da Mulher Maravilha surgiu, o mundo se encontrava nessa sintonia fina com a liberação feminina e a televisão, em guerra declarada com o cinema, clamava por protagonistas-mulheres que representassem essa nova divisão de poder. Chega a ser sintomático que a série tenha acabado justo na virada da década seguinte, quando as mulheres já haviam conquistado seu definitivo espaço no mercado de trabalho e vestir um terninho Armani (ao invés do outfit nas cores da bandeira estadounidense) já fosse condição sine qua non para mostrar quem agora mandava no pedaço. E, mesmo com o término do seriado, a super heroína avançou no imaginário popular, não apenas por ser um ícone da emancipação feminina, mas por ter silhueta em acordo com os 1980’s, quando os cuidados com o shape e a mania da maromba viraram moda. Deu no que deu: a Mulher Maravilha, mesmo fora da televisão, desembocou no conceito das supermodels, nos corpos sarados de Claudia Schiffer, Linda Evangelista e Cindy Crawford.

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Agora, com a redução da condição feminina ao degradante papel de vênus esteatopígia, onde se torna preponderante assumir aquela postura de fêmea suculenta, sem nada acima do Equador capaz de fazer sucesso, fica difícil criar um roteiro cinematográfico que insira a Mulher Maravilha nos novos tempos. É época de vazio na cabeça e tudo nos seios, nos quadris e, óbvio, naquele lugar. É a era das Anittas, mulheres-jaca e dançarinas do Faustão se revelarem o suprassumo da feminilidade e onde, talvez, não haja mais espaço para representações subliminares do female power. O importante é a ilusão do photoshop nas mídias sociais e, para isso, não há laço da verdade que dê jeito. Diante disso, para quê filme da Mulher Maravilha, a não ser para fazer alguns bilhões à custa dos saudosistas? Bom, esse é, sem dúvida, um bom motivo, mas será que existe espaço para a Princesa Diana na cabeça de gente que nasceu pós-advento das Scheilas Carvalho da vida?

A outra razão que impediu até agora a realização do filme é puramente técnica. Além da árdua tarefa de encontrar alguém que carregue o carisma da personagem, não é fácil reproduzir as longilíneas mas curvilíneas! , formas idealizadas da heroína, estilizadas por uma sucessão de cartunistas ao longo das décadas. Obviamente, ninguém na vida real tem aquele corpo, nem se contar com o providencial suporte dos dedicados personal trainers de Hollywood e de suas agulhadas mágicas. Explica-se: hoje em dia se vive a supremacia da direção de arte no cinema. A interpretação hiperrealista dos apolíneos corpos dos justiceiros mascarados é, sem dúvida, um dos atrativos que tornou o gênero “filme de super herói” o mais rentável da indústria atual. E, claro, vestir ator com modelito em lycra, que nem sequer ajuda a definir a musculatura, é coisa fora de questão.

Para os homens, tudo ficou mais fácil. Desde quando os executivos da Warner Bros precisaram transformar o franzino Michael Keaton no Batman, em 1989, os cânones da estética dos quadrinhos no cinema nunca mais foram os mesmos. Na época, o figurinista Bob Ringwald e sua equipe não podiam se contentar apenas com o queixo quadrado do ator, perfeito para sublinhar a máscara do personagem. Trataram rapidinho de desenvolver um traje que revolucionou o mercado, tipo exo-esqueleto, no qual o abdômen-tanque e os músculos torneados eram modelados em silicone sobre a base do corpo do intérprete, que sofria sob o bom condicionamento físico, mas ganhava esta ajudinha-extra. Portanto, physique du rôle resolvido. Em 1997, George Clooney, o último a vestir o uniforme do morcegão na sequência dos anos 1990, declarava que, após entrar quase à vácuo no modelito, ficava horas sem poder consumir sequer uma azeitona, sob o risco de acabar parecido com o Batman barrigudo de Adam West no seriado dos anos sessenta. Com os homens, portanto, o problema tem sido solucionado assim, desde então. Mas o que fazer com a Mulher Maravilha, já ela costuma defender o universo quase seminua, à base de um corselet e hot pants? Por mais deslumbrante que seja o corpo de Gal Gadot, certamente ele não chega aos pés da silhueta da maior super heroína de todos os tempos, idealizada por sua mãe, a Rainha Hipólita, a partir de uma estátua de barro e, ainda, com o auxílio de forças sobrenaturais. Não existe academia, suplementos, anabolizantes, nem costume designer que resolva!

Naturalmente, Gadot, mesmo preocupada com essa questão, não pretende dar mole, nem largar essa espinha dura de peixe. A moça sabe que produções baseadas nos quadrinhos têm ótimo potencial para catapultar carreiras, desde quando Robin Williams encarnou o marinheiro Popeye em 1980. Mais recentemente, Halle Berry e Hugh Jackman foram alçados ao estrelato absoluto após conferirem realidade aos X-Men, e Robert Downey Jr. saiu do ostracismo após ser convocado para dar vida à armadura do Homem de Ferro. Portanto, não vai ser dessa vez que a nova candidata a estrela, que chegou a disputar o papel com gente que já está a meio caminho da fama, como a russa Olga Kurylenko, vai amarelar. Mesmo não tendo os olhos azuis de Diana, coisa que um belo par de lentes de contato resolvem em um piscar de olhos. Felizmente, como ela é apenas coadjuvante no novo filme, o risco pode ser menor, mas vamos ter de esperar até 2015 para tirar a prova dos nove. É bom nos prepararmos porque, nesse ano, vamos ouvir muito falar na atriz.

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