*Por Fabiane Pereira
Uma das poetas mais importantes de sua geração, Bruna Beber apresenta, ao lado de Omar Salomão, o espetáculo “Livre Reino Aéreo do Devaneio” no Festival de Inverno do Sesc nos próximos dias 13, 14 e 15 de agosto.
Nascida no ano de 1984, em Duque de Caxias, cidade próxima ao Rio, Bruna mora em São Paulo desde 2007. Conheci a poeta por intermédio de vários amigos e fui tomada por sua poesia com seu livro mais recente, lançado em 2013, “Rua da Padaria”. Mas a escritora estreou bem antes disso: seu primeiro registro literário, “A Fila Sem Fim dos Demônios Descontentes” foi lançado pela editora 7Letras em 2006. Além dos dois já citados, Bruna também é autora de “Balés” (Língua Geral, 2009), “Rapapés & Apupos” (7Letras, 2012) e do infantil “Zebrosinha” (Galerinha, Record, 2013). A autora já teve seus poemas publicados em antologias e sites na Alemanha, Argentina, Espanha, Itália, México e Portugal.
Em “Rua da Padaria”, livro que me jogou no universo poético de Bruna, ela apresenta um comovente retorno às suas raízes, à sua infância, à saudosa rua da padaria — onde tudo acontecia. Era lá que ficava o moço do bicho e lá também era onde o ônibus passava. Bruna Beber cresceu na Baixada Fluminense numa época sem internet, sem celular, sequer TV a cabo tinha. Para se divertir, as crianças precisavam inventar. Cresci numa cidade interiorana, Volta Redonda, e minha infância foi muito parecida com a de Bruna. Inventava e reinventava o dia inteiro e talvez por isso, este livro tenha me afetado tanto.
Em verso e prosa, Bruna retrata suas doces lembranças e no meio de tudo isso ainda faz um recorte para nos apresentar “um romance em 12 linhas“, meu poema favorito do livro. Esta semana, entrevisto esta jovem, talentosa e criativa poeta e já garanto minha presença no espetáculo que ela e Omar Salomão (outro grande representante da poesia carioca) apresentarão no Festival de Inverno do SESC.
FP: Quando você encontrou a poesia (pessoal e profissionalmente)? Conta pra gente como foi este encontro.
BB: Comecei a escrever poesia ainda menina, aos sete anos, instigada pelos concursos de poesia da escola, e foi já aí que me enfeiticei. Depois, foram vindo os poetas, aos poucos de três em três, para, na adolescência, ser fatalmente fisgada pela poesia. Comecei, então, a escrever com a “consciência da poesia” (se é que possível ter consciência de algo tão grande) aos 16, e logo comecei a mostrar meus poemas na internet, criei um blog, depois comecei a publicar em sites e revistas, isso foi no ano 2000. Daí não parei mais e em 2006, aos 22, publiquei meu livro de estreia “a fila sem fim dos demônios descontentes”, que completa 10 anos esse ano. De lá pra hoje, já são cinco livros.
FP: Os versos do seu mais recente livro ‘Rua da Padaria’ são agridoces. No belo prefácio de Chacal, ele afirma que seus “poemas magnificam a poesia”. O que lhe provoca ao ponto de inspirá-los?
BB: Acho que jamais saberei dizer o que me inspira, vagamente diria que tudo e nada. A minha vida, a vida das outras, as conversas que tenho e ouço, o que vejo, o que sinto, sobretudo o que quero inventar. A poesia tem disso: ela te dá um passe livre no mundo, ao mesmo tempo que é veículo. Acho que o pouco que sei e pratico de liberdade aprendi com a poesia.
FP: Por que “Rua da Padaria”?
FP: Rua da Padaria é um livro inspirado na minha infância, na minha família, em tudo que fui até os 29, 30 anos de idade. É engraçado olhar pra trás tão cedo – terminei de escrever o livro aos 25 e só o publiquei aos 28 – mas, de certo modo, precisei fazer isso. A referência de “Rua da Padaria” se deve à rua do comércio do bairro onde minha avó materna morava, o Centenário, em Duque de Caxias (RJ), e onde o açougue, o armarinho, o aviário, o buteco do bairro, os correios e, centralizando tudo isso, a padaria. Então, como em muitas províncias e subúrbios e não só do mundo, a padaria é (ou já foi) uma grande referência para os locais. E eu me lembro de crescer ouvindo minha avó dizer que tal coisa fica perto da rua da padaria, e quando ela dava referência de algo ela dizia “você pega a rua da padaria e vira à esquerda, depois direita”. E o engraçado é que fui observando esse jeito de informar e se localizar em várias cidades por onde passei. Enfim, antigamente existiam menos padarias, e as padarias não eram shoppings ou minimercados como são hoje em dia.
FP: Seus versos falam sob a ótica dos nascidos no interior/subúrbio/baixada. No poema que abre Rua da Padaria, você já apresenta personagens e expressões comuns a todos que nascem e crescem nestas áreas. “todo urubu titia gritava” // “todo estrondo na rua / papai dizia eita porra” // “todo avião vovó acenava”. Como sua memória afetiva influencia sua arte?
BB: O Rua da Padaria é um livro que tem essa ótica, intencionalmente, mas não acho que todos os meus poemas falem dessa perspectiva. Claro que a gente vai pra vida pintando nossa aldeia de um jeito ou de outro, mesmo quando tenta fugir disso. Em todo caso, a minha memória afetiva influencia muito quem sou e o que faço, acho que já nasci nostálgica de tudo. Mas o engraçado é que percebo que hoje, aos 32, sou muito menos nostálgica do que era aos 10. Mas, acho que, sim, minha memória afetiva me delineia e respinga na minha poesia.
FP: Em “romance em doze linhas”, um dos meus poemas preferidos do seu livro, você descreve, com início-meio-e-fim, uma relação entre casal. Como você analisa a rápida mudança nos relacionamentos modernos e/ou digitais nos últimos dez anos?
BB: A rapidez e tudo que decorre dela – a oscilação, a angústia, o vazio de sentido, a falta de foco – são características da vida que levamos e obviamente os relacionamentos sofrem com isso, mas antes de tudo nós, as pessoas. É bem triste o jeito que vivemos e nos relacionamos. Estamos em busca do que nem sabemos, mas essa é a história da humanidade, o movimento. Embora o ultimamente o movimento seja retrógrado. Não sei analisar essa mudança dos relacionamentos pra esse aguaceiro que vivemos “hoje amamos, amanhã estamos indo embora”. Acho que estamos descartando mais rapidamente as coisas porque queremos viver em quantidade em detrimento da duração. Em todo caso, acho, como tantos já pensaram, que o tempo é uma ilusão. Não julgo o modos operandi veloz dos relacionamentos/amores de hoje, mas minha busca é o oposto.
FB: Você acha que se este poema fosse escrito hoje, talvez pudesse nomeá-lo de “romance em 140 caracteres”? (rs)
BB: Nunca! O “ato”, a “linha”, isto é o “verso” nunca morrerão, o Twitter sim. A merda é que os 140 caracteres viraram o padrão de comunicação em meios digitais e não só. Parece que vivemos de lead em lead. Mas há outras formas de viver, sempre haverá.
FP: Falando um pouco sobre a relação entre a escrita literária e a musical, você teve um poema, “esquina parábola”, transformado em música (“Pipoca” foi gravada pelo Botika e faz parte do repertório do álbum “Picolé de Cabeça”). Além dele, tiveram outros? Como foi ouvir um poema seu, musicado? E qual sua relação com o universo musical?
BB: Sim, “Você e a brisa”, uma canção que fiz com Dimitri BR a partir de um poema do Rua da Padaria chamado “Escorrego de chão”, e que integra um EP que ele lançou há uns anos. Amo fazer música e amo quando musicam meus poemas. Se estivéssemos em 94 diria que queria tocar no rádio. Mas é raro acontecer, dezenas de cantores e compositores já me pediram pra tentar musicar poemas meus e o resultado até hoje é esse: 2 músicas. Acho que meus poemas, musicalmente, conversam com pessoas específicas. Minha relação com universo musical é de total devoção, cresci ouvindo música, ouço música boa parte dos meus dias, gosto de cantar e pesquisar. E meu ouvido começou a se afinar para a poesia a partir da música, o ritmo é algo caríssimo quando escrevo.
FP: Quais são, na sua opinião, as maiores limitações impostas pela sociedade brasileira a uma mulher (seja ela poeta ou não)? E de que maneira você acha que podemos mudar esta conjuntura?
BB: A principal limitação é a mulher ser vista “como mulher” antes de qualquer coisa. A luta é antiga e ainda muito nova, pois nossos mínimos direitos são tão recentes. Mas eu acredito e brigo pela igualdade, e por isso falo, escrevo, publico, encorajo outras mulheres a fazerem o mesmo.
FP: Como foi concebido o espetáculo “Livre Reino Aéreo do Devaneio” e o que o público que for nas apresentações do Festival de Inverno do SESC vai assistir?
BB: Eu e o Omar tínhamos a ideia de fazer esse espetáculo há um bom tempo. Algo criado pela gente, do jeito que a gente queria. Então, depois de muitas conversas e tentativas saiu, escrevi o roteiro numa tarde, o Omar já começou a delinear o cenário, a Elisa Mendes trouxe os vídeos e, numa mágica, tudo se misturou, a gente se misturou completamente nas funções e nasceu o Livre Reino Aéreo do Devaneio.
FP: Que conselho você daria às mulheres que querem, como você, viver de poesia?
BB: Eu não vivo exclusivamente da minha poesia, vivo também da poesia e da literatura dos outros, pois trabalho com tradução e edição. Mas diria às mulheres que gostam de escrever, que escrevam e escrevam e não esperem muito porque idealizar uma carreira literária é algo meio ultrapassado. As coisas hoje são tão dissolvidas, não há só UM caminho a seguir, existem vários meios. O que tem que fazer é escrever e circular, o resto vem devagar com o tempo, como tudo.
*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Formação do Escritor”, sócia da Valentina Comunicação — empresa voltada para criação, divulgação e produção de projetos musicais e literários — apresentadora, roteirista, produtora e programadora musical do programa de rádio Faro MPB, da Rádio MPB FM.
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